segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O pajé

O filósofo Olavo de Carvalho, autor de A Longa Marcha da Vaca Para o Brejo: O Imbecil Coletivo II, conta que antigamente os homens eram muito ignorantes e, na treva, deixavam-se guiar por algum pajé, que supunham detentor do conhecimento e operador de milagres. Ele talvez operasse alguns, mas o maior de todos era o de fazê-los acreditar nisso. E de tal credibilidade desfrutava, que mesmo o chefe guerreiro, "o cacique", se submetia às suas ordens por entender que a macumba de um discurso complicado é mais temível arma do que flechas e tacapes.

Em pleno século 21, é fácil notar que alguns “caciques” continuam a se deixar guiar por certos pajés de araque, habituados ao mundo da infâmia e da hipocrisia. Neste caso, porém, a razão não é tão somente a ignorância, mas também a abjeta intenção de fazer uso dos expedientes sujos e rasteiros desses indivíduos, se eximindo da responsabilidade sobre os crimes contra honra por eles cometidos. Na verdade, os caciques endossam as atitudes e incentivam o método canino de se combater os adversários por meio da calúnia e da difamação.

Os tais pajés desta crônica, cujo maior representante nesta aldeia dispensa menção, são incapazes de operar qualquer milagre, mas são hábeis em fazer os imbecis acreditarem no contrário. No objetivo incerto de alcançar resultados políticos eleitoreiros positivos, os caciques se submetem às suas vontades, saciam-lhes a fome e financiam-lhes uma suposta transformação de vida que se mostra enganosa assim que surge a primeira oportunidade.

No caso específico, apesar de lograr êxito em ludibriar alguns caciques e cristãos, o pajé já não consegue se fazer convincente pelo dom da palavra, já que sua retórica palanqueira vulgar e apodrecida não vai além de motejar e difamar os adversários que, em qualquer direção, são superiores a ele mesmo e àqueles a quem a macumba de seu discurso busca, em vão, defender e promover. Talvez em razão dos efeitos psicotrópicos de suas ervas medicinais, o decrépito pajé já não consiga vislumbrar a fronteira entre o real e o imaginário.

O agir do falso profeta é baseado no desespero de causa, pois sabe que do sucesso de suas mandingas depende o seu estômago faminto. Sabe que não tem amigos, pois no longo de sua trajetória de vida nunca os cativou. Em razão desta realidade já foi atirado às sarjetas imundas nas vezes em que depois de estar na condição de cacique, de lá foi deposto por razões mais do que justas e merecidas. Apesar de um passado repugnante de vícios e maus costumes, o pajé acredita que o grande Manitu lhe tem como “herdeiro da promessa”.

Quanto aos caciques, é sabido que nenhum apreço e respeito alimentam pelo roto pajé. Pelo contrário, abominam, no íntimo, suas práticas, mas as toleram pela necessidade de manter a tal macumba do discurso como única maneira de atrair atenção e angariar adeptos. Acredito que recorreram a outro filósofo, o grego Plutarco, quando resolveram inserí-lo em seus planos malignos de dominação do povoado, objetivo para o qual foram categoricamente derrotados na última assembleia geral dos aldeões.

Vejamos o que diz Plutarco no pequeno mas denso ensaio Como tirar proveito do inimigo: “Examina igualmente teu inimigo: esta criatura, de um outro lado, nociva e intratável, não dá, de alguma maneira, ensejo de ser útil? Não pode prestar-se a algum uso particular? " Apesar de considerar pertinente a comparação, reconheço que a obra do filósofo grego não é adequada para subsidiar políticos sem escrúpulos como os que estamos acostumados a lidar.

Plutarco pregava o uso da astúcia sem abrir mão da ética. Nos mais de duzentos livros que escreveu, ensinou que para alcançar a paz e a felicidade o homem precisa controlar os impulsos das paixões. Duas concepções que não fazem parte do nada robusto arcabouço moral dos sujeitos que optam pela diatribe em prejuízo do debate limpo e do embate ideológico tão necessário para que o povo saiba separar o joio do trigo. 

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