quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Não caia no canto da sereia

Nos 25 anos em que acompanho a política de Xapuri já vi candidatos lançarem mão das mais diversas artimanhas e fazerem as mais variadas estripulias para conquistar o voto do eleitor desavisado, mas nada do que testemunhei nessas duas décadas e meia pode ser comparado ao que tenho visto e ouvido na atual campanha para a prefeitura.

Na busca desenfreada pela confiança do eleitor, grande parte dos candidatos está se convertendo em atores de primeira grandeza e a cidade se tornando um grande palco onde as apresentações vão da comédia à tragédia num piscar de olhos. Alguns se pintam de salvadores da pátria, donos de uma solução pronta para todos os problemas da cidade, e outros se proclamam enviados de Deus para a sagrada missão de salvar o povo de seus flagelos.

No geral, se põem a entoar o canto da sereia, o ser mitológico que, segundo a lenda, seduzia os navegantes gregos com a beleza e a doçura de sua melodia e os atraía para uma armadilha fatal. Na vida política, o canto da sereia consiste na gama de subterfúgios transmutados em conversa bonita para enganar o eleitor. A capacidade que essa gente tem de ludibriar a população é tamanha que eles mesmos findam por acreditar piamente em seus próprios truques e manhas.

O arsenal de artifícios fajutos começa pela extrema irresponsabilidade de se fazer promessas absurdas e claramente impossíveis de serem cumpridas; passeia pela falta de escrúpulos de se enfatizar e ressaltar mentiras entoadas como mantras ao ponto de torná-las verdades absolutas; e termina no cinismo de se reivindicar a autoria de obras e ações que jamais existiram a não ser na imaginação má intencionada do candidato e seus asseclas.  

Sem citar nomes, por razões óbvias, começo pelo candidato a vice-prefeito que criticou em seu palanque o método do atual mandatário, que dedica um dia por semana para atender a população em seu gabinete. O sujeito afirma que em sua administração a população será recebida todos os dias no gabinete. Resta saber como o prefeito, caso fosse eleito, conseguiria dar conta de suas responsabilidades se resolvesse cumprir a promessa.

Uma artimanha muito conhecida é a da falsa pesquisa. Um dia desses, certo candidato chegou a casa de um eleitor e falou sobre uma suposta pesquisa que o coloca em posição privilegiada em relação aos principais adversários. Com a informação mentirosa, gerou dúvida na cabeça do eleitor e o induziu ao erro de análise. Então, ele, o candidato mentiroso, se apresentou como a opção mais acertada para o cidadão que acaba de se deixar levar pela conversa fiada.

Em comício recente no bairro Sibéria, um candidato a vereador afirmou que já fez tantas obras naquela comunidade que não era possível enumerá-las. Como é, historicamente, uma das regiões mais esquecidas da cidade, a população engoliu esse sapo cururu sem direito a um gole de água. É notório que o bairro acaba de ter a maioria de suas ruas asfaltadas, mas esse é um fato recente que está totalmente fora do alcance das pretensões do político em questão.

No mesmo dia e lugar, o maluco de pedra garantiu que vai promover a titulação de todos os terrenos do bairro, já tendo pronto, vejam só, todo o trabalho topográfico para tal. Vou repetir: o doidivanas disse que já fez todo o levantamento topográfico para entregar títulos definitivos aos moradores do bairro Sibéria. Para reforçar a promessa, blasfemou dizendo que Deus o incumbiu da missão de transformar a vida do sofrido povo de Xapuri.

Ora, ora, dona Aurora, já vimos tantos indivíduos se autoproclamarem, no discurso, seres investidos do poder supremo para promover gigantescas transformações na vida da sociedade e, na prática, constatarmos que a retórica eleitoreira de alguns indivíduos não passa de um belo canto de sereia a atrair os incautos para um abismo negro do qual somente se poderá sair depois de quatro longos e sofridos anos de arrependimento.

Voltando ao mito do canto da sereia, o grego Odisseu, personagem da Odisseia de Homero, só conseguiu se salvar porque colocou cera nos ouvidos dos seus marinheiros e se amarrou ao mastro de seu navio para, ouvindo-as, não poder se aproximar das criaturas. O eleitor xapuriense deve fazer como Ulisses, colocar cera nos ouvidos e se amarrar fortemente ao mastro do seu navio, sob pena de ser levado pela música doce e agradável, mas de consequências terrivelmente amargas.

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