quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Preconceito contra nordestinos foi alimentado pela loucura de colunistas

Leonardo Sakamoto

Tão deprimente quanto as manifestações violentamente preconceituosas contra nordestinos após o resultado da eleição presidencial é identificar em muitos dos tuítes e posts raivosos o DNA da intolerância de alguns colunistas e jornalistas.

Não se enganem, colegas. Esses crimes virtuais cometidos por zumbis incapazes de enxergar no outro um ser humano detentor do mesmo direito à dignidade foram alimentados por argumentos construídos e divulgados, ao longo do tempo, por pessoas que não se preocuparam com o resultado negativo de seus discursos. Mas, autoproclamando-se arautos da decência, sabem que são norte intelectual para muita gente.

Liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Não há direitos fundamentais absolutos. Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio e incitando à violência, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Como aqui já disse, liberdade de expressão não admite censura prévia. A lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. Mas também afirma que elas são responsáveis pelo impacto causado pela divulgação de suas opiniões.

Esconder-se atrás da justificativa da “liberdade de expressão'' para a depreciação da dignidade humana é, portanto, a mais pura covardia.

Afinal, o exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se junto com sua raiva e ódio ao seu cantinho.

Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

UMA VITÓRIA DA DEMOCRACIA

Um voto contra os golpistas

Evandro Ferreira

Blog Ambiente Acreano

Na eleição de domingo votei em Dilma Roussef, mas até sábado a noite estava certo que votaria em Aécio Neves. O que me fez mudar? Não compactuo com manipulações e tentativas escancaradas de ganhar eleição no grito. Explico: nessa eleição a sociedade brasileira quase foi vítima da manipulação orquestrada pelo ‘partido da imprensa golpista’ (PIG), termo criado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim para designar o conjunto de grandes empresas de comunicação que monopolizam há décadas a ‘forma e o conteúdo’ das informações que chegam à população brasileira. 

Refiro-me ao episódio protagonizado pela revista ‘Veja’, amplamente difundido pelos integrantes do PIG, que afirma em sua última edição que o doleiro Alberto Youssef denunciou a autoridades policiais e judiciárias a participação da Presidente Dilma e do ex-presidente Lula nos desvios financeiros ocorridos na Petrobrás. O depoimento do doleiro foi acompanhado por seu advogado, que ao ser questionado negou ter ouvido tal afirmação.

Para caracterizar o interesse eleitoreiro, a revista antecipou de sábado para quinta-feira a publicação de sua capa e de parte do texto da reportagem. Além disso, não é preciso lembrar que o interesse em ‘vazar’ partes do processo – que supostamente deveria correr em segredo de justiça – não é canônico, especialmente porque aconteceu na véspera da eleição.

A orquestração patrocinada pelo PIG esta semana não tem nada a ver com a liberdade que a verdadeira imprensa – conservadora ou progressista – tanto reclama. Liberdade de informar tem que vir atrelada com a responsabilidade de apurar e a oportunidade do contraditório para os acusados. O que o Jornal Nacional protagonizou no sábado (25/10) é um exemplo didático do ‘jornalismo de esgoto’. Não deu a Lula espaço para se defender. Não repercutiu a denúncia na sexta, mesmo com tempo de sobra para elaborar sobre o tema. Preferiu ‘fazer a festa’ no sábado, véspera da eleição, quando tentativas de esclarecimentos não iriam ter efeito algum no pleito ocorrido no domingo.

Como bem afirmou o colunista Ricardo Melo no jornal Folha de S. Paulo “A triste realidade: bandoleiros de gravata, travestidos de "bem informados", tentam dar credibilidade a histórias oriundas de porões. A forma e o conteúdo, mais uma vez, andaram de mãos dadas”.

E para os leitores mais jovens, que não conhecem ou se interessam em buscar outros fatos protagonizados pelos integrantes do PIG, fazemos questão de relembrar os episódios que resultaram na eleição de Fernando Collor em 1989.

Não consigo esquecer a manipulação que a Globo fez do debate Collor x Lula no Jornal Nacional exibido na véspera daquela eleição, quando, como agora, não era mais possível reparar a verdade dos fatos. No debate Collor x Lula houve um claro equilíbrio, mas na matéria exibida pelo Jornal Nacional, Collor deu ‘um banho’ em Lula.

E o episódio do sequestro, por terroristas chilenos, do empresário Abílio Diniz? Diniz foi ‘libertado’ no sábado, véspera do embate final Collor x Lula. Os integrantes do PIG não perderam a oportunidade de fazer a ligação do PT com os sequestradores: a polícia – atendendo interesses não esclarecidos até hoje – plantou material de propaganda do PT no cativeiro e, depois de torturar os sequestradores – que apareceram sujos, maltrapilhos, com olhos inchados e lábios partidos –, os fez posar com camisetas brancas, limpas e imaculadas, com propaganda do PT. As fotos foram amplamente divulgadas e um diário de Rio Branco deu como manchete na manhã da eleição ‘PT sequestra Abílio Diniz’. Como Lula poderia ganhar aquela eleição?

Se me arrependo de ter votado em Dilma? O tempo, o senhor da razão, dirá. Hoje tenho minha consciência tranquila, mas se minha escolha se mostrar equivocada poderei me corrigir na próxima eleição, daqui a quatro anos. Essa é a vantagem da democracia e não podemos negar, eleitores de Aécio inclusos, que a vitória de Dilma é uma vitória de nossa democracia. 

Quanto aos que tentaram manipular o resultado dessa eleição, a vitória de Dilma representa um duro golpe em suas pretensões. Resta saber se Aécio fez parte da trama tendo em vista a exploração que fez de forma tão didática, quase orquestrada com o PIG, das denúncias de Veja em seu programa eleitoral, no debate da Globo e em declarações para a imprensa geral.

Eu terei paciência de aguardar os desdobramentos do inquérito policial e do processo judicial. Se houver culpados tenho certeza que pagarão pelos delitos cometidos. José Genoino, José Dirceu, Delúbio Soares, Roberto Jefferson e tantos outros cardeais do PT e de partidos aliados estão ai para provar que nossa justiça tarda, mas não falha.

Evandro Ferreira é pesquisador do Inpa-Ac e do Parque Zoobotânico da UFAC. Mestrado em Botânica no Lehman College, New York, USA, e Ph.D. em Botânica Sistemática pela City University of New York (CUNY) & The New York Botanical Garden (NYBG).

sábado, 25 de outubro de 2014

Segundo turno

João Baptista Herkenhoff

Dois candidatos disputarão a Presidência da República, já que nenhum dos postulantes alcançou maioria absoluta no primeiro turno. Nos Estados da Federação haverá segundo turno quando nenhum candidato ao Governo tiver obtido a maioria absoluta dos sufrágios. No próximo dia vinte e seis de outubro, em todo o território nacional, a voz da cidadania  consagrará, pela ordem alfabética: Aécio Neves ou Dilma Roussef.

A eleição direta do Presidente da República foi uma conquista do povo brasileiro. Milhões foram às ruas pedindo eleições diretas. Os mais velhos lembram-se desta luta. Os mais jovens sabem do que aconteceu pela leitura de livros e de outros escritos, ou através de informações verbais.

Preparem-se os que vierem a ver seu candidato derrotado a aceitar a vitória do que for escolhido. Preparem-se os vencedores para celebrar os louros sem menosprezar quem perdeu. Este é o jogo democrático. Numa análise mais profunda da eleição todos serão vitoriosos porque a Democracia será vitoriosa e a Democracia é um bem de todo o povo brasileiro.

A escolha do Presidente da República, dos Governadores e até mesmo dos Prefeitos não deve girar apenas em torno de nomes. O aperfeiçoamento do sistema democrático exigirá que, na oportunidade das eleições, sejam debatidas, com amplitude cada vez maior, propostas de governo e políticas públicas nos diversos campos administrativos (educação, saúde, proteção à infância, transportes, segurança pública), de modo que o povo seja o gerente de seu destino.

A jornada cívica não termina no dia da eleição. O débito cidadão não é pago com o simples depósito do voto na urna. Cumpre participar da vida política, acompanhar a discussão dos temas que estejam em pauta e formar opinião a respeito dos mesmos. É lícito e recomendável pressionar deputados e senadores para que cumpram seus deveres puxando, por exemplo, a orelha dos parlamentares que faltam às sessões. A tribuna popular, franqueada a cidadãos que não são detentores de mandato, é um avanço. A Constituição permite que o povo tenha a iniciativa de leis e essa importantíssima franquia deve ser utilizada, tanto em nível federal, quanto em nível estadual e municipal. O debate sobre os mais diversos temas deve ser acompanhado através dos jornais, do rádio e da televisão. A meu ver não é de mau gosto ouvir a Voz do Brasil. Pelo contrário, este é um espaço onde todas as opiniões se manifestam. O povo pode acompanhar tudo que se discute através da Voz do Brasil, sem precisar de intermediários que muitas vezes omitem ou torcem os fatos e lhes dão uma interpretação tendenciosa.

João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.