Hildebrando E. de Brito
Caros leitores e leitoras, os dois Estados que marcaram minha vida, a Paraíba, onde nasci e o Acre, por força profissional e ser berço de nascimento dos meus filhos, comemora, neste 6 de agosto, o triunfo da Revolução Acreana que culminou com a sua integração ao território brasileiro.
A figura singular do território foi criada em 1904 pelo presidente Rodrigues Alves em função do Acre, que no último dia 15 de junho completou 50 anos de sua elevação à categoria Estado-membro da federação por lei promulgada pelo presidente João Goulart e o primeiro-ministro Tancredo Neves em 1962 (Lei n. 4.070).
Às vezes, tem-se a impressão de que o Acre é pequeno, quiçá por ser ainda pouco povoado e/ou em decorrência da visão amazônica permanentemente refletida nas retinas dos acreanos a projetar a sombra dos gigantes que o cercam: o Amazonas, a Bolívia e o Peru, territorialmente muito maiores. Entretanto, sua área é de respeitáveis 150 mil Km² ou quase três vezes o tamanho da Paraíba de apenas 55 mil Km².
A opulenta e distante terra tem riquezas naturais consideráveis, entre as quais se destaca a maior cobertura florestal nativa preservada entre os Estados amazônicos, origem de uma peculiar filosofia de governo: a “florestaria”, inaugurada com o ex-governador Jorge Viana (hoje senador) e que diz com a adoção de ações voltadas à preservação da floresta como bem maior de um povo aberto e hospitaleiro, de origem indígena e nordestina, notadamente cearenses que para lá foram ainda na última quadra do século XIX, no afã de produzir e atender a demanda por borracha advinda da industrialização europeia.
Esse é o marco da linda saga do Acre nas mãos dos que lutaram pela própria sobrevivência que dependia ou da renúncia às terras em favor da Bolívia, até então seu legítimo proprietário ou da sua conquista e plena integração ao solo brasileiro.
Antes até da independência da Bolívia, ex vi do Tratado de Madri de 1750 eram aquelas terras consideradas possessão de Espanha, mas os brasileiros, atraídos pelo chamado “leite amazônico”, ou seja, a seiva viscosa do látex da seringueira, afrontando os riscos das doenças, dos animais selvagens e da oposição boliviana, navegaram os rios Acre, Purus, Juruá e Tarauacá, ocuparam terras em suas margens e afluentes explorando os seringais nativos, formando, assim, pequenos povoamentos, que depois deram origem às cidades de Porto Acre, Sena Madureira, Rio Branco, Brasiléia, Assis Brasil, Cruzeiro do Sul, Feijó, Tarauacá e Mâncio Lima, além de Xapuri, que originalmente pertencera à Bolívia, mas fora tomada pelos revoltosos acreanos.
O Brasil que tinha adotado a república em 1891 e o federalismo, dividindo o país em Províncias, esqueceu completamente o legítimo anseio dos habitantes do Acre de integrarem a nação e tanto é, que em 1898, firmou tratado reconhecendo a área como pertencente à Bolívia. Esta, por sua vez, a cedera por 30 anos para exploração dos interesses internacionais representados pelo “Bolivian Syndicate”, que de boliviano só tinha o nome e cujos proprietários podiam, inclusive, exercer a opção de compra das terras.
Tal fato, revoltou as pessoas ali há muito estabelecidas -- há registro da presença de brasileiros já em 1852, intensificada após 1877 -- que enfrentavam conflitos quase diários com os bolivianos desde o início de 1890. Nessa época, o único apoio vinha do governo da província do Amazonas interessado nas terras e nas rendas que auferiria ao se transformar num grande fornecedor internacional de borracha.
Assim, em maio de 1899 incentivou a primeira batalha, comandada, não por um militar, como seria desejável e sim pelo advogado José de Carvalho. Diante do seu fracasso, aliás previsível, outra empreitada de conquista em julho do mesmo ano foi organizada sob a batuta do aventureiro espanhol Luís Gálvez, que chegou a decretar uma original “República Independente do Acre”, cuja fugaz existência política não passou de mero devaneio.
Já em dezembro de 1900, mais uma tentativa seria feita com a chamada “Expedição Floriano Peixoto”, integrada não por soldados, mas por poetas, contaminados pelo ardente sonho acreano de brasilidade, comandada pelo jornalista Orlando Correa Lopes, que apenas colheu mais um insucesso.
Finalmente, os já considerados acreanos, ainda com o apoio do governo amazonense, contrataram um ex-militar experiente, José Plácido de Castro (1873-1908), que participara da revolução federalista no Rio Grande do Sul, para comandar, não um “exército”, que simplesmente inexistia, mas aqueles a quem “o sonho revolucionário” conquistara braços e mentes e jamais renunciaram à luta.
Enfim, o Acre teria sua guerra de independência com chances de ser bem sucedida. Determinado, Plácido de Castro treinou com afinco as tropas compostas de seringueiros e proprietários de seringais, delas exigindo disciplina e bravura em combate.
De surpresa, em dia festivo, deflagrou ataques violentos às posições ocupadas pelas tropas bolivianas, cuja moral foi sendo minada, desde o arrasador ataque de 06 de agosto (data nacional boliviana) de 1902 e de sucessivas derrotas, até o advento final da rendição em 24 de janeiro de 1903.
Na época, o novo governo federal presidido por Rodrigues Alves encarregou o seu chanceler, Barão de Rio Branco, de celebrar um pacto preliminar assinado pelos dois governos em 21/03/1903 depois ratificado pelo Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, impondo à Bolívia o fato consumado: o Acre lutara bravamente, verteu o sangue de heróis e conquistou o direito de ser parte do Brasil e de hastear o belíssimo pavilhão que tremula sobre suas terras, como visto acima na mais linda bandeira de todos os Estados brasileiros, cuja estrela brilhante e vermelha - representando o sangue derramado - repousa sobre o fundo amarelo e verde, cores-símbolo da brasilidade do novel Estado.
Também, com todo respeito, aos meus conterrâneos e brasileiros, o Acre é possuidor do mais profundo e belo hino estadual da nossa federação, porque escrito no calor real das batalhas por um daqueles poetas tomado de amores pela sua causa: Francisco Cavalcanti Mangabeira (1879-1904), filho de tradicional família baiana, irmão de Octávio Mangabeira, político e membro da Academia Brasileira de Letras, que seria mais tarde governador da Bahia. Francisco Mangabeira, médico, poeta e idealista, voluntário que serviu gratuitamente às tropas acreanas comandadas por Plácido de Castro, tinha ainda como estudante de medicina e também voluntário, participado da campanha de Canudos, vindo a falecer, prematuramente, em 27/01/1904, aos 25 anos de idade, a bordo do vapor ‘São Salvador’ quando navegava entre Belém e São Luiz rumo à Bahia onde se trataria de forte malária que o acometera e de enfermidade de pele.
A beleza impar do hino acreano, escrito por Francisco Mangabeira, sempre me emocionou e pode ser sentida desde a sua primeira estrofe:
“Que este sol a brilhar soberano... Sobre as matas que o veem com amor... Encha o peito de cada acreano.... De nobreza, constância e valor... Invencíveis e grandes na guerra, Imitemos o exemplo sem par... Do amplo rio que briga com a terra... Vence-a e entra brigando com o mar”.
E na força real do estribilho:
“Fulge um astro na nossa bandeira... Que foi tinto no sangue de heróis... Adoremos na estrela altaneira... O mais belo e o melhor dos faróis”.
Enfim, como bem retrata seu hino, os acreanos “possuem um bem conquistado: a liberdade é um querido tesouro...”
Pela conquista, José Plácido de Castro, o Libertador do Acre, foi incluído como um dos heróis no “Panteão da Pátria e da Liberdade”, erguido em Brasília no subsolo da Praça dos Três Poderes, por iniciativa do então senador Tião Viana, hoje governador do Estado, tendo seu nome inscrito no “Livro dos Heróis da Pátria”.
Hoje, passados 110 anos, em que o Acre comemora sua gloriosa revolução, como brasileiro e acreano de coração, só me cabe dizer uma palavra: obrigado...!
Hildebrando E. de Brito foi advogado do Incra nos Estados do Amazonas e do Acre, Promotor e Procurador de Justiça no Acre.
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