terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Feliz Ano Novo aos corações velhos

Frei Betto

Feliz Ano Novo aos que praguejam sobre o solo árido de suas vida sem garimpar alegrias, e aos que amarram o espírito em teias de aranha sem se dar conta de que os dias tecem destinos. Também aos que desaprenderam o sorriso e abandonaram ao olvido a criança que neles residia.

Feliz Ano Novo aos que perambulam às margens da memória e semeiam ódio no quintal da amargura; guardam dinheiro na barriga da alma e penhoram a felicidade em troca de ambições; são náufragos de lágrimas, cegos aos arquipélagos da esperança, e fantasiam de asas as suas garras, voejando em torno do próprio ego.

Feliz Ano Novo aos que sonegam carinho e ainda cobram atenção, alpinistas da prepotência que os conduz ao abismo; àqueles que, alheios ao que se passa em volta, ilham-se na indiferença enquanto o mar arde em fogo; e a quem gasta saliva tentando se justificar por se disfarçar em pomba e agir como raposa.

Feliz Ano Novo aos que escondem o Sol no armário, sopram a luz das estrelas e põem espessas cortinas no limiar do horizonte. Aos que nunca tiveram tempo para a dança, ignoram por que os pássaros cantam e jamais escutaram um rumor de anjos.

Feliz Ano Novo aos que bordam iras com agulhas afiadas e desperdiçam palavras no furor de suas emoções desabridas; seqüestram dignidades e, como os colecionadores de borboletas, sentem prazer em espetá-las no interior de cavernas obscuras.

Feliz Ano Novo aos faquires da angústia e aos que, equilibrados num fio de sal, trafegam por cima de montanhas de açúcar. Também aos que jamais dobraram os joelhos em reverência aos céus e acreditam que a história do Universo tem início e fim neles.

Feliz Ano Novo às mulheres que destilam antigos amores em cápsulas de veneno e aos homens que, ao partir, mostram, às costas, a face diabólica que traziam mascarada sob juras de amor.

Feliz Ano Novo aos jovens enfermos de velhice precoce e aos velhos que, travestidos de adolescentes, bailam aos desafinados acordes do ridículo. E aos que atravessam o tempo sem se livrar de bagagens inúteis e ainda sonham em ingressar numa nova era sem tornar carne o coração de pedra.

Feliz Ano Novo aos que já não sabem conjugar os verbos no plural; agendam sentimentos e estão sempre atrasados na vida; mendigam admiração e se prostituem frente à sedução do poder.

Feliz Ano Novo àqueles que dão "mau-dia" ao acordar, afogam em trevas interiores a alegria que lhes resta, encaram a vida como madastra de história infantil. E aos que julgam que laços de família se cortam com a ponta afiada da língua e ignoram que o sangue escreve letras indeléveis.

Feliz Ano Novo aos que se apegam ao poder como a fuligem ao lixo, infantilizados pelas mesuras, prenhes de mentiras ao agrado do ouvido alheio, solícitos às providências que assassinam a ética. Sejam também felizes os que tentam corromper os filhos com agrados materiais e nunca dispõem de tempo para olhá-los nos olhos do coração.

Feliz Ano Novo aos navegadores cibernéticos, mariposas de noções fragmentadas, amantes virtuais que se entregam, afoitos, ao onanismo eletrônico, digitando a própria solidão.

Feliz Ano Novo aos poetas que não sabem tragar emoções e engolem com ira palavras que trariam vida ao mundo. E aos que abominam a arte por desconhecerem que o ser humano é modelado em barro e sopro.

Feliz Ano Novo a todos que temem a felicidade ou consideram, equivocadamente, que ela resulta da soma dos prazeres. E aos que enchem a boca de princípios e se retraem, horrorizados, diante do semelhante que lhe é diferente.

Feliz Ano Novo às mulheres que se embelezam por fora e colecionam vampiros e escorpiões nos lúgubres porões do espírito. E aos homens que malham o corpo enquanto definha a inteligência, transgênicos prometeus acorrentados ao feixe dos próprios músculos.

Feliz Ano Novo a todos os infelizes, aos que o são e aos que se julgam, cegos às infinitas possibilidades da luz e das rotas. Sejam todos agraciados pela embriaguez da alegria divina, abertos ao Deus que os habita e ao amor que, como um rio cristalino, jamais nega água a quem se ajoelha, reverencia o milagre da vida e aprende a beber do próprio poço.

Frei Betto é escritor, autor do romance "Entre todos os homens", entre outros livros.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cabra de Xapuri

Claudio Porfiro

Ai do vento se ali não fizer a curva.
Vire brasa o céu se ali não cair a chuva.
Toquem as trombetas porque um povo se agiganta.
Desembainhem as espadas porque a luta será tanta,
Que o inimigo há de clamar por misericórdia.
Eu sou Zé e Zé não é um só nem é tanto,
É breu, cajá e paxiúba,
Canjica doce, feijão gurgutuba,
Paçoca e mugunzá.
Sou um, sou dois, sou cem,
Sou metade do mundo e ninguém,
Nem queira me perguntar.
Sou cabra de Xapuri,
Machado, maxixe, maduro e doce,
No pipoco da bala o
Ou no arranco da foice,
Dependurado nos sonhos meus...
E tudo poderá novamente acontecer,
Como aconteceu outrora,
Quando ainda era aurora
E nós os tivemos que chacinar.
E conquistamos todos os louros, sim,
Buscados pela via do destemor,
Da alma cega e do muito amor...
É preciso ter coragem, certamente,
E hoje ou amanhã, se for o caso, e por assim dizer,
Com a mesma energia, sem recuar, sem cair, sem temer,
Ainda poderemos voltar a lutar bravamente,
Mas amando a terra tão docemente
Como nos versos do Chico Mangabeira.

E POR ASSIM DIZER, UM BRINDE ÀS NOSSAS BOAS QUALIDADES... FELIZ ANO NOVO, MEU POVO! O ACRE É MESMO ASSIM... FELIZ!

domingo, 29 de dezembro de 2013

70 janeiros

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Aniversaria neste domingo, 29, o radialista Odahil Cardoso Monte, um dos nomes mais tradicionais da comunicação radiofônica em Xapuri. São 70 anos de vida e mais de trinta dedicados, entre indas e vindas, à Rádio Educadora 6 de Agosto.

Criador de um estilo inconfundível, o dono do bordão “cheguei, baixei, saravei”, tomado emprestado à composição do cantor João Só, possui uma profunda identificação com o público da zona rural, o mais assíduo e fiel que a emissora possui.

Mas também faz grande sucesso na cidade, onde bem cedo, a partir das 5 da matina, centenas de rádios ecoam seus “alôs” e tiradas bem humoradas que são sempre seguidas de uma risada sui generis que já se tornou folclore.

O blog presta esta singela, mas sincera homenagem ao grande comunicador, desejando-lhe saúde e sucesso no seguimento da vida. Importante registrar também que além do amor ao rádio, Cardoso Monte ainda se dedica a comandar o grupo de escoteiros de Xapuri.

Vida longa ao Odahil!

sábado, 28 de dezembro de 2013

O principado de Xapuri

Rubens Menezes de Santana, o Rubinho, via página dos Filhos e Amigos de Xapuri no Facebook.

Começou na segunda-feira, 28, a Semana Literária de Xapuri. A Associação dos Filhos e Amigos de Xapuri esteve representada por Elisângela Horácio, Simone Daniel, Emir Mendonça, Sérgio Souza, Simone Daniel e eu.

Tive o privilégio de assistir a uma apresentação do Coral do IFAC, a alegria de saber que o projeto de formação de novos músicos tem boa aceitação entre os jovens, bem como notícias alvissareiras sobre o Grupo de Escoteiros, comandado por Odail Monte, e também o andamento do PROERD, formação de novos grupos de artes cênicas e danças. Há uma ebulição cultural em Xapuri.

Em pronunciamento de jovem professor de Química do IFAC, foi comunicada a facilidade com que os jovens xapurienses assimilam e respondem bem aos estímulos artísticos. Segundo o mesmo, “há um tendência nata para as artes”.

Por sua história, Xapuri, desde antes da Revolução Acreana, a Princesinha já possuía estrutura urbana, enquanto o restante do Acre era constituído apenas de seringais, à exceção de Porto Acre.

Xapuri possuía os melhores seringais do Vale do Acre, as maiores casas comerciais, teatro, cassino e a maioria dos portugueses e sírios libaneses que até hoje se constituem na elite econômica acreana atual. Estes trazem consigo a noção de estrutura urbana e a capacidade de buscar solução por seus próprios meios. Época de Sadalla Koury, que em face do declínio da economia seringueira, montou a primeira usina de beneficiamento de castanhas do Acre e que era movida a lenha.

Muitos dos filhos da elite foram mandados a estudar nos grandes centros brasileiros, mas muitos deles menos afeitos aos estudos ou mais umbilicalmente ligados ao lugar, resolvem permanecer em Xapuri; outros tentam e não conseguem prosseguir.

De nosso acervo de fotos antigas, vemos times de futebol (este esporte é introduzido inicialmente em Xapuri) datadas de 1944, onde se misturam a elite e trabalhadores braçais, como Guilherme Zaire e Sebasto. É de pressupor, que a interação não se dava apenas no campo esportivo, mas que outros valores e conhecimentos também fossem compartilhados.

Em outra foto, também constante de nosso acervo, estão alguns dos que migraram em busca de qualificação técnica: Careca, Marcos, Henrique, Carlos Ferreira, Gilberto Ferreira, Belmar do Antonino que vinham passar as férias de final de ano na terrinha. Traziam e compartilhavam conhecimentos novos.

Não é à toa que Alberto Zaire é considerado um dos maiores oradores do Acre em todos os tempos. As importantes figuras de Jorge Kalume, Adib Jatene, Jarbas Passarinho, Eliana Pereira, Guilherme Zaire, Armando Nogueira, Félix Pereira, Glória Peres e Chico Mendes dentre outros, são reconhecidos como modelos a ser seguidos. Até hoje, as proezas de Afonso Zaire são contadas nas praças, pelos mais velhos. Todos receberam a têmpera do caldo cultural que é Xapuri que torna o xapuriense pacato, gozador, hospitaleiro e... espertíssimo.

Em meio a toda esta ebulição cultural, é interessante ressaltar que, em Xapuri foi fundada a primeira Loja Maçônica do Acre e até hoje em funcionamento e prestando serviços à comunidade.

Sob o comando da Ordem dos Servos de Maria, o colégio Divina Providência rivalizava-se, em qualidade e eficiência, com o de Santa Juliana em Sena Madureira. Como recebia, no regime de internato, as filhas das prolíferas famílias de trabalhadores, a socialização dos ensinamentos não obedecia à estratificação social. O ensino público seguia-o, à reboque.

É a única cidade do Acre a ter uma Banda de Música que, formou e forma, novos talentos, em seguimento a uma linhagem de músicos como Lourival Capivara, Aurélio Salim, Roldão, Adalcimar, Luiz Beleza, Carlos Koury, Camaleão Colorido, Magão Rocha, Lennon Amanda, Elaís Meira (já com 90 anos, ainda ministrava aulas de música) e Maísa Farias - um novo talento.

As gerações contemporâneas já não necessitam migrar em busca de qualificação; a última a necessitar foi a nossa. Há cursos superiores e técnicos. Xapuri está com excelente estrutura de ensino e o bom desempenho de seus jovens nos diversos certames nacionais, atestam o acerto das medidas.

Um dos motivos da montagem do Grupo e da Associação dos Filhos e Amigos de Xapuri, foi nosso contumaz hábito de apenas reclamar contra o estado de abandono da Princesinha, após tê-lo feito, todos esqueciam o que haviam discutido e voltavam-se à suas rotinas.

Na verdade, além das reclamações, terminava-se a conversa com uma velada cobrança de que se haveria de fazer algo; mais na esperança de que seu interlocutor tomasse a iniciativa. Era a necessidade de interagir, compartilhar informações e inserir-se na busca de soluções para a lastimável situação a que foi relegada a Princesinha.

Após um período em que as desconfianças e receios mútuos foram minimizados (algo de ressentimento, por uma suposta quebra de compromisso tácito), novamente os Filhos e Amigos de Xapuri estão unidos em busca do resgate cultural de Xapuri e mais uma vez, volta-se a sonhar com realizações a partir do esforço conjunto.

Há, talvez, o melhor time que Xapuri já produziu: Profª Euri, Cláudio Porfiro, José Porfiro, Sérgio Souza, Carlos Estêvão Castelo, Nabiha Bestene, Eurilinda Figueiredo, Marcela Figueiredo, Marcela Monteiro, Ofélia Valle, José Andrias Sarquis, Ronei Sant’Ana, Nilton Cosson, Simone Daniel, Elisângela Horácio, Alan Ferreira, Ana Lucia Cunha, Daniel Zen, Rui Sant’Ana, Almir Ribeiro, Dalmo Rufino, Luis Celso, Clênio Monteiro, Milena Barros, João Garrinha, Roberto Matias, Antonio Ferraz, Carlos Afonso, Emir Mendonça, Clenes Guerreiro, Alarice Botelho, Antonio Rocha, Diego Ferraz, Victor Pontes, Jessé Advíncula, Hermes Brasileiro, Cleilson Alves, Mariete Costa, Maisa Farias, Chiquinho Barbosa, Joscíres Ângelo, Nader Sarkis, Carlos Ciro e muitos mais. Respeitável! Falta-nos apenas maior inserção no esforço.

Por tudo isto, é necessário que Xapuri seja reconhecida não mais como a Princesinha do Acre, mas sim, como o Principado de Xapuri, por sua contribuição nos diversos ramos do conhecimento humano, por sua cultura, pelo papel de vanguarda desempenhado nos últimos tempos, através do pensamento de Chico Mendes que modificou as relações Homem x Natureza no mundo inteiro.

Quando Armando Nogueira outorgou-se a si mesmo, o título de Marquês de Xapuri, ele sabia exatamente a que se referia e também que estava em débito para com seu lugar e os seus.

Resta-nos saber se iremos cumprir nosso destino manifesto ou se queremos ser mais uma geração a reclamar e murmurar à socapa.

Em busca de um novo tempo: o do Principado de Xapuri.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Projeto “Xapuri é nossa”

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Janílson Queiróz, via Facebook.

Você sabia que 22 de Março de 2014 Xapuri fará 110 anos de existência, pelo menos oficialmente, afinal as andanças começaram em 1903?? O avanço deveria ser maior.

Pois bem, uma das motivações pela qual entra ano e sai ano, entra prefeitos... após prefeito, vereadores após vereadores e nada muda é basicamente o que está inserido logo abaixo:

A não valorização firme da construção e produção educacional.

Olha só algo interessante sobre os repasses federais a Xapuri... Tem mais valores ao recebimento de bolsa família do que valores a investimentos educacional e saúde... A priori deduz que a situação do desemprego é enorme, além da vulnerabilidade social inerente...

Gente boa parte da população recebe bolsa família!!! Gente esse benefício é para pessoas sem renda, ou com quase nenhuma.

O governo criou esse benefício e criou um outro chamado pronatec, que tem como finalidade profissionalizar os beneficiários para que tenham emprego e renda e não dependam mais da bolsa.

Uma cidade que tem mais recursos para questões de assistência social do que educacional continuará com ruas esburacadas, sem luz, sem saúde, sem desenvolvimento, sem segurança e sabe por que???

Por que o povo continuará sem reivindicar, pois não conhece seus direitos e muito menos o que entra e sai do município...

Veja mais na página do Projeto Xapuri é Nossa: Podemos e Devemos Mudar.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Ano Novo

Autor desconhecido

À luz da ciência, a virada de ano não passa de um limite cronológico, o período de 365 dias e 6 horas da translação, quando a Terra completa uma volta ao redor do Sol.

E a tradição nos permite dar a essa passagem o clima feérico que nos leva a pular ondas, fazer brindes, vestir o branco, comer lentilha, romã e distribuir louros.

Debaixo das superstições, contagiados pela oportunidade que o novo começo nos dá de recomeçar, talvez seja a hora de mudar. E a mudança brota da consciência para se concretizar na química que nasce da união de coração e mente.

Quem sabe seja a hora de parar de fumar, de recuperar a boa forma, de buscar o novo trabalho, de comprar um carro, encontrar a cara-metade, morar na casa própria...

Mas, melhor seria que, ao mesmo tempo, tivéssemos olhos para as conquistas abstratas, para a renovação dos valores e das prioridades.

Já passou do tempo do ser humano entender que a felicidade não é um bem material, mas um estilo de vida que se adota e se preserva em cada atitude, em cada pensamento, em cada palavra. Demoramos a notar que as mansões de nada valem quando seus ocupantes são incapazes de transformá-las em lares. Desperdiçamos tempo sem perceber que anéis não reluzem sem dedos que os ostentem, carrões não se justificam quando rodam com passageiros e rumo a destinos incertos.

O mundo ainda gira em torno do homem e o homem se perde na vertigem de rodar numa busca desesperada do que só se encontra dentro de si próprio.

Que o ano novo exerça a magia e o poder de nos induzir à reflexão para que, nas entranhas do pensamento e do sentimento, cada um de nós se conscientize de que o erro que nos beneficia hoje pode ser a cobrança do amanhã em forma de tragédia. Que as pessoas sejam capazes de fazer o bem sem olhar a quem, para receber o bem sem saber de quem. Que o respeito seja a moeda essencial nas relações humanas. Que a ética e a moral sejam práticas rotineiras em nome do bem coletivo. Que o mundo resgate o dom de se reinventar em suas verdadeiras evoluções, sem maquiar as mazelas que nos fazem reféns de sonhos vazios.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Feliz Natal

Frei Betto

Feliz Natal aos infelizes cativos do desapreço ao próximo, da irremediável preguiça de amar, do zelo excessivo ao próprio ego. E aos semeadores de alvíssaras, aos glutões de premissas estéticas, aos fervorosos discípulos da ética.

Feliz Natal ao Brasil dos deserdados, às mulheres naufragadas em lágrimas, aos escravos do infortúnio condenados à morte precoce. E aos premiados pela loteria biológica, aos desmaquiadores de ilusões, aos inconsoláveis peregrinos da vicissitude.

Feliz Natal aos órfãos do mercado financeiro, pilotos de vôos sem asas e sem chão, fiéis devotos da onipotência do mercado, agora encerrados no impiedoso desabrigo de suas fortunas arruinadas. E também aos lavradores da insensatez espelhada na linguagem transmutada em arte.

Feliz Natal às lagartas temerosas de abandonar casulos, ao desborboletear de insignificâncias cultivadoras de ódios, aos exilados na irracionalidade do despautério consensual. E aos dessedentados na saciedade do infinito, no silêncio inefável, nas paixões condensadas em prestativa amorosidade.

Feliz Natal a quem escapa dos indomáveis pressupostos da lógica consumista, dessufoca-se em celebrações imantadas de deidade, livre do desconforto da troca compulsória de presentes prenhes de ausências. E aos hospedeiros de prenúncios do leque infinito de possibilidades da vida.

Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta, e coleciona no espírito aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.

Feliz Natal aos devotos do silêncio recostados em leitos de hortênsias a bordar, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura. E a quem arranca das cordas da dor melódicas esperanças.

Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e carregam no peito a saudade do futuro. Também a quem mergulha todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identifica a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.

Feliz Natal aos dançarinos embalados pelos próprios sonhos, ourives sapienciais das artimanhas do desejo. E a quem ignora o alfabeto da vingança e jamais pisa na armadilha do desamor.

Feliz Natal a quem acorda todas as manhãs a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas a quebrar convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.

Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas para atirá-los no lixo do olvido, e se guarda no recanto da sobriedade. E a quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.

Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar.

Feliz Natal aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores, aos escritores sem palavras. E a quem jamais encontrou a pessoa a quem declarar todo o amor que o fecunda em gravidez inefável.

Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia acobertados de compaixão. E a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos.

Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove despudorada liturgia eucarística, transubstancia o corpo em copo, inunda-se do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.

Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão, bordam toalhas de cumplicidades, secam lágrimas no consolo da fé, criam hipocampos em aquários de mistério.

Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia se pronunciar onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a quem voa inebriado pelo eco de profundas nostalgias e decifra enigmas sem revelar inconfidências; nu, abraça epifanias sob cachoeiras de magnólias.

Feliz Natal a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas. Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Mistério em Xapuri

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Na ecológica Xapuri, a população se indigna com a suposta ação de um “serial killer” de árvores. Há algum tempo, benjamins e outras espécies que adornam as ruas da cidade têm sido alvo do que se acredita ser envenenamento. Foi assim com a frondosa árvore que se localizava ao lado da Casa de Chico Mendes, tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e com um pequeno benjamin que fazia sombra para a tradicional barraca do Café da dona Maria, quase em frente à agência do Basa no município.

Desta vez, a vítima da série de estranhas ocorrências foi a mangueira da imagem acima, localizada em frente ao Posto Português, na rua Cel. Brandão. Provavelmente afetada por alguma substância, a árvore começou a definhar e já apresenta os primeiros sinais de que sucumbirá. Quase centenárias, as muitas mangueiras que orlam a principal rua de Xapuri foram plantadas nas primeiras décadas do século passado e são um dos símbolos da cidade.

Vários internautas se manifestaram nesta semana através das redes sociais protestando contra os supostos crimes. Como é comum nesses casos, todo mundo reclama, mas impera a lei do “ninguém sabe, ninguém viu”, apesar da última vítima, a mangueira, estar localizada em um dos pontos mais movimentados da cidade e onde geralmente sabe-se tudo o que ocorre no pequeno povoado.

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Resta indagar das autoridades ligadas à proteção do meio ambiente e do patrimônio municipal o que está sendo feito para desvendar o mistério. Na imagem acima, o benjamin ao qual me refiro acima.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Sem fronteiras

Olá Raimari, tudo bem?

Sou de Fazenda Rio Grande, PR (Região metropolitana de Curitiba), gostaria de parabenizá-lo pelo seu blog. Meu avô e sua família por parte de mãe moram aí em Xapuri, eu não os conheço, acho que ano que vem vamos nos conhecer, pois eu e minha mãe iremos para aí,  e pesquisando coisas sobre a cidade, achamos seu blog, e através dele vi a noticia sobre a horta do meu tiohttp://raimari9.blogspot.com.br/2012/07/exemplo-que-vem-do-sul.html”. Fiquei muito feliz ao ver essa reportagem.

Muito obrigado por ter nos (eu e minha mãe) proporcionado de ter lido essa reportagem sobre minha família!

Obrigada, e continue escrevendo pois eu o leio direto!

Att. Renata Gabriela.

Resposta do blog: Renata, é sempre um prazer servir. O blog esteve parado por um tempo, mas começa a se reanimar. Manifestações como a sua representam um dos principais motivos para essa retomada. Ao chegar a Xapuri, que seja muito bem-vinda. Estarei por aqui sempre às ordens. Tenha um feliz Natal e excelente Ano Novo.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Mera questão de justiça

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A história, a luta e o martírio de Chico Mendes, cujo assassinato completa 25 anos neste domingo, pela sua inquestionável importância para Xapuri, para o Acre e para o mundo, não merece ter nenhuma mentira, por ínfima que seja, relacionada aos fatos que ocorreram naquele 22 de dezembro de 1988, como a que consta na legenda da imagem acima, veiculada na página Uol Educação

A falsa informação que diz: "A rádio de Xapuri ficou fora do ar durante todo o dia de sexta-feira (23 de dezembro). O prefeito Vanderlei Viana, do PMDB, tirou a rádio do ar sob o pretexto de luto oficial na cidade. O objetivo era evitar que a notícia circulasse dentro da floresta de onde estão vindo os seringueiros que atuavam com Chico Mendes", seria retirada de uma reportagem da Folha de S. Paulo de 25 de dezembro de 1988.

O funcionário que estava de plantão na Rádio Educadora 6 de Agosto naquele fatídico começo de noite era este blogueiro, que aos 15 anos de idade acabara de iniciar sua história como radialista na pequena emissora. Ao contrário do que diz a legenda da fotografia em que Sandino carrega uma imagem do pai, a rádio sofreu uma pequena pane elétrica tendo retornado ao ar ainda na mesma noite.

No tenso e movimentado dia seguinte, também trabalhei no período da manhã e a emissora funcionou normalmente. O então prefeito Wanderley Viana jamais ordenou que a emissora fosse retirada do ar. Até penso que ele fosse bem capaz disso, mas não o fez. E para quem não sabe, garanto que Viana seria a última pessoa no mundo a quem eu defenderia de qualquer acusação. O faço por mera questão de justiça.

O blog vive!

Depois de mais ou menos três meses sem atualizar esta página, percebo que cerca de 80 teimosos leitores continuam a visitá-la diariamente. A insistência destes, somada às inúmeras cobranças que tenho recebido sempre que paro para conversar com alguém nas ruas de Xapuri, me fez resolver dar um sinal de vida, afinal o blog não morreu, mas apenas entrou em estado de catalepsia.

Escrever aqui me faz muita falta, e saber que o que aqui eu escrevo faz falta a alguém me envaidece e me anima a retomar as postagens e a movimentar os assuntos que tanto interessam àqueles que – assim como eu – nutrem um amor profundo por essa terra sofrida. Dias desses, ouvi de um declarado fã do blog que estava com bolhas nos dedos de tanto clicar – sempre em vão - no link que remete a este espaço. 

Aproveito a oportunidade para agradecer a todos e desejar um Feliz Natal e um próspero Ano Novo. Que a festa máxima da Cristandade seja celebrada em sua verdadeira essência, e não apenas como o mero evento comercial que a insanidade do capital tem produzido. Que 2014 chegue trazendo muitas energias positivas e, mais do que nunca, respeito pelas liberdades e diferenças.

É o que o Xapuri Agora! deseja.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Os velhos ladrões

CLÁUDIO MOTTA

A sua mãe um dia lhe disse que mentir para os outros é muito ruim, mas você não ouviu direito. Nem ligou. Rodopiou sobre o salto quinze. Sorriu como uma hiena. Olhou de lado feito um javali mostrando os dentes sem nenhum medo. Chutou o pau da barraca. Deu de ombros como uma mariquinha descalça com os nervos à flor da pele de bumbum de bebê. Nem aí. Dane-se o mundo que eu não me chamo Edmundo.

Então! Parece ilusão. Mas não é. É burrice mesmo, da grossa. E assim, para que estes escritos sigam para muito além do purgatório, em verdade vos digo que, segundo Maomé, 364, nos Textos islâmicos, os homens apreciarão as mentiras até o fim do mundo e relatarão anedotas como nunca ouvistes vós e vossos pais.

Na Bíblia Sagrada, para ser politicamente correto, está escrito que cada qual mente ao seu próximo falando com lábios fluentes e duplo coração. (Salmos 12,3)

Ora! Se eu quero roubar a tua alma ou o teu coração, ou se pretendo tomar posse do bem material que é teu, o meu ardil virá enfeitado por uma ou mais mentiras muito bem urdidas exatamente pelo ladrão que te pretende enganar. Ora, para te fazer o bem, dificilmente eu usaria a mentira. Nunca!

Pois bem. Ao contrário da afirmação do parágrafo lá de cima, quando se disse que mentir para os outros é feio, mentir para si próprio é adultério contra a própria alma que, no vai e vem da eternidade, está sempre a esconder-se das labaredas da casa do demônio, tal qual o Dante de Alighieri pregava no seu inferno, em A Divina Comédia.

Como sobreviveram e prosperaram os enganadores e ladrões maiores que a Humanidade conheceu desde tempos imemoriais, como espanhóis, franceses e italianos? Alguém os financiou, mas já não os financia. Os saques, a pirataria e as invasões às terras estrangeiras eram feitos por obra e graça de financiamentos milionários vindos dos monarcas patrões desses delinquentes históricos, juntos com os judeus neo-ortodoxos, ambos, mancomunados com a Santa Madre Igreja que àquela época  -  na Idade Média, e até depois  -  via-se envenenada por uma malta de padres assassinos, como os templários e os antigos jesuítas.

Sim, os jesuítas que vieram para o Brasil não eram tão somente pregadores da boa nova do reino de Deus... Não, senhoras! Eles vieram para cá com o objetivo de iludir os índios para que estes trabalhassem como escravos para o enriquecimento de Portugal e da antiga Igreja Católica. Segundo eles, depois de mortos de fome e inanição os nossos silvícolas habitariam o reino dos céus. Uma ova!

Eu próprio, em mil seiscentos e oitenta e poucos, na época em que ainda era um querubim de bunda gorda, conheci um sujeito de batina apelidado Frei Antonil... Este, sim, um grande pilantra, mandatário da Companhia de Jesus, uma espécie de administrador dos interesses da ordem e da Coroa portuguesa nos tempos do Brasil Colônia. E como esse camarada roubou! Pense num ladrão danado de metido a santo! Ele carregava no peito uma cruz de um palmo, em madeira escura, com o Cristo crucificado. Ah, ordinário!

Esse Antonil, ao chegar à Bahia, tornou-se logo o inimigo número um de Antônio Vieira, o célebre pregador de boa alma e autor do fantástico Sermão da Sexagenária.

Vieira discordava completamente dos métodos escravagistas do Antonil com relação aos índios brasileiros. Àquela época, o padre ladrão dizia aos quatro ventos que a consciência moral (católica) já estava inteiramente dobrada às razões do mercantilismo colonial. Por que a igreja não podia escravizar os índios se todos os fazendeiros já o faziam?

Colocações como esta, inscrita no livro Cultura e opulência no Bra-sil, mais tarde, fizeram as delícias de Karl Marx. Eu, de minha parte, associei tudo isto diretamente às relações entre seringueiros e seringalistas amazônicos do século passado.
Vamos dar um salto de quatro séculos. Já sou um humano comedor de tripa, bucho e mocotó. Virei macho, maxixe, maduro e doce. Se me lembro hoje nunca fui nenhum anjo ontem, até porque esta é uma época em que os espadachins devem exercer o seu papel de reprodutores com extrema competência, sob pena de serem acusados de atentado violento ao pudor e ao poder  -  gaypower  -  da rapaziada do chiclete e da alegria.

Quando o Vargas Llosa escreveu A guerra do fim do mundo, a pata do boi já machucara, e muito, as últimas raízes de seringueira. Os homens da floresta, inclusive os índios, já se alojavam em barracos fétidos na periferia das cidades maiores do Acre. Chico Mendes, o ecologista, já se fora a passear em outros mundos em busca de mais e mais emoções.

O roubo praticado pelos ingleses, segundo o Joe, veio para matar a sede de riqueza dos seringalistas acreanos  -  muito em especial  -  que escravizavam os seringueiros no meio da floresta à cata de látex.

A grande senhora dos mares era a Inglaterra. Era esta nação que dava as cartas e manobrava como queria o comércio internacional. Todavia, os magnatas ingleses não tinham nenhum controle sobre a borracha, que era exclusividade da floresta amazônica.

Conforme o escritor americano Joe Jackson, acima descrito, para o Brasil do início do século vinte, a borracha era o que hoje é o petróleo para a Arábia Saudita. Uma riqueza estupenda.

A Inglaterra colocou em prática, então, o primeiro e mais marcante plano de biopirataria registrado nos anais da roubalheira mundial, quando contratou a peso de ouro um bioladrão chamado Henry Wickham que, de posse de um navio de grande calado, entrou de madrugada pelo Rio Amazonas adentro, enganou índios e seringueiros e os fez embarcar setenta mil sementes de seringueira que foram plantadas no Jardim Botânico de Londres. Daí as mudas foram para se tornar, depois, árvores adultas no Ceilão, Malásia, Cingapura e países vizinhos que, dominados pelos ingleses, passaram a ser os grandes produtores atuais da borracha com que são fabricados os pneus para os bilhões de carros que circulam pelo mundo inteiro.

E mais uma vez me vem a mente o Chico Buarque. Enquanto isto, dormia a velha pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações...

Então, voltando para o imponderável século dezesseis, é preciso observar que os ladrões dos tempos gatunos  -  esses que dizimaram incas, maias, astecas e toltecas  -  foram importados diretamente de Espanha, pagos a bom dinheiro por dois monarcas altamente sacanas, o Fernando e a Isabel. O dinheiro ganho nos saques e nas invasões era dividido entre o rei, a rainha e a bandidagem extremamente habilitada para tal em treinos e matanças nas ruelas e becos escusos de Madrid, Barcelona, Pamplona, Alicante, Bilbao, dentre outras.

Em aqui chegando, os assassinos espanhóis passaram a exercitar o seu esporte predileto: matar índios americanos do sul e do centro e roubar-lhes riquezas geradas a partir da prata e do ouro produzidos em quantidades suficientes para arregalar a butuca dos ladrões mais audazes de que a Humanidade tem notícia, o rei Fernando de Aragão, o ganancioso, e a rainha Isabel de Castela, a aloprada.

Os piratas e congêneres eram os ratos do mar. Ficavam por até seis meses à deriva, comendo peixe e bebendo água de chuva. Morriam de beribéri. Corpos pútridos eram atirados diariamente às águas. Até que um dia, avistavam uma ponta de pedra. Ali haveria o que roubar. Eles lá iam, matavam as pessoas e delas tomavam tudo o que havia de valor.

E hoje? O que é feito dos espanhóis? Onde estão os herdeiros dos velhos corsários, piratas e bucaneiros de Itália, de Espanha, de França, de Inglaterra? Em quais dos infernos se escondem esses salteadores? Eles não mais roubam tanto porque já quase não têm a quem roubar. Os judeus são muito espertos. Os americanos do norte ensinam padre nosso a vigário. Os americanos do sul são muito pobres, e assim por diante. Em verdade, os europeus gatunaram meio mundo e agora são vítimas dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que eles próprios criaram. É deveras engraçada a história. Talvez eles estejam mais pobres que nós cá do terceiro mundo.         

Veja bem, dona principesca. Trago comigo interpretações da história bem ao meu modo, em que sejam consideradas as possibilidades de um engano ali e dois acolá. Todavia, uma falha dessas seria desculpável, pois, como escrevi dia desses, não mais sou um cientista. Habito já os campos etéreos da literatura. Exerço a tal licenciosidade poética. Por aí tem dito de mim ser apenas um cronista de meia tigela. Nem pronto, nem acabado, mas ao ponto.

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*José Cláudio Mota Porfiro foi dado à luz de um abril qualquer no Principado de Xapuri.