segunda-feira, 23 de novembro de 2015

AS DITADURAS NÃO SÃO ETERNAS

João Baptista Herkenhof

Os ditadores sempre supõem que seu poder é eterno. Nunca imaginam que, num futuro próximo ou distante, o silêncio será rompido, o véu que encobre os crimes será levantado, as indignidades serão conhecidas.

Esta ilusão de que o arbítrio é perene, a tortura permanecerá encapuçada, encoraja os que pisoteiam a dignidade humana a praticar com desfaçatez os mais abjetos atos.

Entretanto, cedo ou tarde, a verdade vem a ser conhecida.

Não se revela a sujeira, que ficou debaixo do tapete, com espírito de vingança. Um povo deve conhecer sua História, não apenas os atos heroicos, mas também os episódios que envergonham. A revelação dos erros do passado é uma advertência para que não se repitam.

Esta é a razão que justifica a edição do livro ”Ditaduras não são eternas: memórias da resistência ao Golpe de 64, no Espírito Santo.”

Trata-se da contextualização e compilação dos depoimentos prestados por presos políticos à Comissão Especial da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, referentes ao período de 1961 a 1979. Merecem parabéns os responsáveis pelo resgate, em livro, da palavra dos massacrados.

A iniciativa de pegar em armas para derrubar a ditadura instaurada no país em 1964 não foi a única forma de resistência. Dom Hélder Câmara não aderiu a essa forma de luta. Entretanto, poucos brasileiros terão, como este Bispo santo, atuado com tanta eficácia para minar o regime de força e esvaziá-lo até o esgotamento.

Também no Espírito Santo houve ações e comportamentos desarmados, de oposição ao macabro 1964 / 1968.

As comunidades eclesiais de base, que mostravam que o Evangelho de Jesus Cristo carrega, nas suas linhas, um projeto libertador, não eram vistas com bons olhos pelos aparelhos de repressão.

Dom João Baptista da Motta e Albuquerque teve seus passos vigiados, era espionado e recebeu ameaças anônimas, por telefone, até mesmo durante a noite. Naquele tempo não havia recursos técnicos que permitiam a identificação dos aparelhos telefônicos de onde se originavam ameaças, palavras para menosprezar e outros abusos. Dom João Baptista teve a coragem de abrigar proscritos em sua casa, sem a garantia da inviolabilidade que protege as embaixadas. Padres, freiras e leigos atuantes foram incluídos na lista dos suspeitos.

O registro desta faceta do “não à ditadura” não foi abordado por “Ditaduras não são eternas” e nem deveria mesmo fazer parte destas memórias. Estas cumpriram, com lucidez, metodologia científica e grandeza, o objetivo colimado.

João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor, palestrante e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com Site: www.palestrantededireito.com.br

domingo, 22 de novembro de 2015

“CIDADE ECOLÓGICA”

Alvo de podas exageradas e envenenamento, uma mangueira centenária agoniza na região central da cidade de Chico Mendes. A prática nefanda vem se repetindo nos últimos anos na “capital ecológica do Acre”.

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À época do primeiro ataque, o secretário municipal de Meio Ambiente e Turismo, Idalino Pedrosa Júnior, informou que um boletim de ocorrência fora registrado na Delegacia Geral de Polícia de Xapuri e que o fato também havia sido informado ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC). Ainda segundo ele, a mangueira passou por um “tratamento”, que consistiu na limpeza da área afetada pelo veneno e na vedação dos três furos feitos no tronco. Pelo que se percebe na imagem acima as medidas não surtiram efeito e a árvore continuou a ser agredida. Lamentável.

UM BOM DIA PARA NASCER MAIS UMA VEZ

CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO

Naquele inverno, uma vez mais, juntaram todos os cacos de todas as horas diuturnas e partiram céleres rumo ao já conhecido rincão das letras pululantes e das ciências que fazem jorrar ouro e bom futuro em cascata. Uma oportunidade a mais nunca será demais, principalmente, se for aproveitada por espíritos que estão sempre dispostos a ultrapassar mil obstáculos a cada dia. Já na gênese, todos eles eram assim.

Foram-se.

Lá, a casa era bem cuidada, de duas janelas de folha dupla e localizada num logradouro com nome de jardim. Cheios de esperança, ali, eles desembarcaram os poucos pertences que trouxeram da origem, inclusive, o principal deles, um bem espiritual tornado físico, de três anos, braços fortes, olhos perspicazes, jeito de inteligente, cara de sério, fímbria de vencedor, moreno claro e bonito saído à mãe.

Nos primeiros dias na cidade acolhedora, compraram móveis e utensílios nas casas baianas. Depois, cuidaram de fazer matrícula em uma academia de ginástica, no centro velho da cidade paulista cujos habitantes, ou, talvez, boa parte deles, se fizeram quase parentes, uma vez que crianças e casamentos foram apadrinhados pelo casal de acreanos. Nunca eles fizeram tantos amigos. Mogi-Guaçu é, realmente, uma cidade de pessoas de bem, muito bem.

Veio, então, o Carnaval sem graça. Coisa de paulista. Passou, enfim.

Já na semana seguinte, antes da obrigatoriedade acadêmica finalidade principal da aventura, eles, enfim, efetivaram a primeira matrícula do menininho sisudo, na escolinha arco íris.

As mesas da escola, onde sentavam quatro crianças, eram, naturalmente, pequenas e baixas, assim como as cadeiras. Dois meninos vizinhos passaram, também, a estudar no mesmo local.

Um dia, então, o rapazinho acreano de três anos achou que poderia ter uma mesa todinha só para ele. Como era crescido e os demais um tanto magros, os empurrões afastavam a todos. No fim da tarde, aconteceu o inesperado. Veio um garotinho que, vendo os bíceps fortes a tomarem de conta de toda a mesinha, fez uso de uma caneta e feriu o mais mimado dentre todos, no braço.

Foi um incidente único, felizmente. Três anos depois, a academia de ciências permitiu que todos tomassem o caminho de volta para o Acre de tantas saudades.

Chegado em Rio Branco, o rapazinho, agora com seis anos, já alfabetizado, passou a frequentar uma escola cujos proprietários eram paranaenses. Os sotaques dos diretores e da professora eram bem parecidos e ele foi se sentindo muito à vontade numa sala de aula onde as outras crianças falavam um tanto diferente. Só depois é que percebeu que os circundantes não mordiam o T e nem mastigavam o R. Então, ele passou a imitá-los e, em dois ou três meses, já falava o mais puro acreanês.

Alicerces haviam sido construídos. As bases estavam montadas. Números e algoritmos fluíam-lhe livremente à cabeça, já. Todavia, passados sete anos, ele se viu na contingência de transferir-se para outro colégio, agora, de propriedade de uma família catarinense cheia de metas e plena de bons resultados alcançados a partir de muito trabalho. Mais uma vez, o agora rapazola estava no lugar exato e na hora certa.

Passaram-se mais anos, uns quatro. Professores de todas as disciplinas diziam dele ser um aluno acima das expectativas. Os pais, orgulhosos, acreditavam. Era real.

No terceiro secundário, matutino, o reforço veio com os estudos pré-vestibulares realizados, concomitantemente, à noite. O êxito não se fez esperar. O guri bacana, então, foi aprovado entre os primeiros para o curso de engenharia elétrica da universidade federal. Em casa, houve comemorações iguais às do dia em que ele nasceu com cinco quilos de peso e cinquenta centímetros de tamanho. Ah, coitada da mãe!

Os dias foram de relativa pacificidade na grande casa do saber. Vieram tempos de greves extremamente prejudiciais aos interesses de quem está interessado em muita coisa. Poucos profissionais do saber quase descumpriram o contrato social. A maioria honrou o papel tão bem desempenhado por anos de cátedra. 

A física e a matemática reverberavam da mente privilegiada do rapaz. Colegas de sala iam à sua casa em busca de esclarecimentos que eram passados de forma gratuita e competente.

Veio o tempo da composição da monografia. Ele aprendera a escrever no secundário. Pouquíssimos adendos foram observados no texto. Na defesa, enfim, o aplauso da banca e a nota bem acima do esperado.

O repórter de um jornal da televisão perguntou-lhe de onde teria vindo tanta inspiração para o trato com disciplinas tão intrincadas para a grande maioria das pessoas. Ele foi enfático e disse que, desde muito pequeno, percebera a sua habilidade com os números e o pai lhe havia ensinado os melhores atalhos e caminhos.

Uma turma. Sete cabeças. Uma moça loura de olhos claros entre os formandos. Brilho, emoções à flor da pele, aplausos, a felicidade mais pura em letras garrafais. Sonhos com terras distantes, viagens de estudo duradouras. A ciência talvez até os absorva por lá. Nunca se tem certeza, mas sabe-se que os melhores colégios são como asas que os pais emprestam aos filhos para os maiores voos das suas vidas marcantes. Depois, voltarão, na graça de Deus!

Para eles, engenheiros eletricistas, aqui vai um poema em soluços.

BATER DE ASAS

De repente, o estágio inicial do conhecimento

Da busca da melhor escola é chegado o momento.

O futuro exige siso, sonhos, planos e atitude

Assim é a parca vida e que Deus te ajude

Afinal, é só a esperança que nos faz sonhar.

Todos os esforços são feitos por anos a fio

A atenção integral na busca do bom perfil

Afinal são os filhos o nosso maior fruto

Neles a confiança é o grande reduto

Já não mais é tempo próprio de esperar.

Enfim, os ícaros oriundos das nossas entranhas

Buscam no horizonte azul forças estranhas

E batem asas lépidos, fagueiros, confiantes,

Rumando para o devir que sonhamos antes

É este um tempo de muito e muito voar.

Então o sol é bem forte e lhes derrete a cera

Até do que prevíamos pouco ou nada se perdera

Agora eles voam muito alto, quase inatingíveis

Os donos dos nossos sonhos quase impossíveis

Chegaram, enfim, onde não conseguimos chegar.

Voam muito eles agora de par em par com o vento

Nos pais deixam dias sombrios tempo cinzento

A saudade se faz crua atroz e agora é tormento

O amor vive dias, meses, anos e a todo momento

A vaga certeza de que um dia ele voltará.

__________

*Escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, à venda nas livrarias Paim, Nobel e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

SALVE O CARTEIRO

João Baptista Herkenhoff

Este mundo precisa das mais diversas profissões e ofícios, todos igualmente credores de valorização e respeito, desde que desempenhados com honestidade. Assim, o fotógrafo, o sacerdote e o guia religioso em geral, o psicanalista, o professor, o jornalista, o escritor, o empregado doméstico, o politico, o ambientalista, o jardineiro, o ator, o músico, o médico, o jornaleiro, o bibliotecário, o magistrado, o advogado, o policial.

Se o jardineiro não cuida das flores, a cidade ficará insípida e sem alma.

Se os músicos não comparecem no coreto da praça, a gente sofrida não poderá se despedir da dor “pra ver a banda passar cantando coisas de amor” (Chico Buarque).

Nesta página desejo homenagear o carteiro.

Se o carteiro não entrega as cartas, o avô não receberá o cartão que, de terras distantes, a neta lhe envia.

Não foi sem motivo que Pablo Neruda atingiu culminâncias em “O Carteiro e o Poeta”. Numa remota ilha do Mediterrâneo, um carteiro recebe a ajuda do poeta Pablo Neruda para, através da Poesia, conquistar o amor de Beatrice, a eleita. O carteiro, que era o mediador da correspondência do Poeta, aprende, aos poucos, a traduzir em palavras seus sentimentos pela amada. Em troca, Mário, o carteiro, foi o interlocutor do Poeta, mostrando-se capaz de ouvir suas lembranças do Chile e compreender as dores do exilado.

Sou do tempo das cartas por via postal, que carregavam um certo mistério.

Aderi à internet pela praticidade da comunicação através deste grandioso invento, mas tenho saudade das cartas de antigamente.

Os e-mails também podem transmitir sensibilidade, mas as cartas tinham um sabor especial.

Guardo todas as cartas que recebi de minha esposa quando éramos namorados.

Como ela também guardou as que mandei, temos em nosso arquivo todas as cartas que trocamos.

Reli, por estes dias, “Cartas do Pai”, escritas por Alceu Amoroso Lima para Maria Teresa, sua filha freira. Nessa correspondência, Alceu, cujo pseudônimo literário era Tristão de Athayde, examina os fatos do dia, no Brasil e no mundo, com aquele olhar de Fé que o caracterizou sempre.

A publicação das “Cartas do Pai” foi o resgate da travessia terrena de uma das mais dignas figuras da história contemporânea brasileira. Coerente, intrépido, comprometido com o bem comum, Alceu personificou durante sua vida esse catálogo de virtudes cívicas através das quais é possível construir uma verdadeira Nação.

Salve o carteiro, este trabalhador que transforma as cartas em poemas, as folhas de papel em flores perfumadas, o insípido da vida em alegria transbordante.

João Baptista Herkenhoff, 79 anos, juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.

domingo, 15 de novembro de 2015

A SOLIDÃO DO INVERNO DE CADA UM

CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*

Ele estava afixado à parede do solar há pelo menos sessenta anos. Amarelecera. Cansara de ficar dependurado ali naquele canto, por tanto tempo. Os bigodes caíam-lhe para dentro da boca. Algum bolor chegava a parecer catarro escorrido do nariz aquilino. Os olhos já não eram vistos devido o fluir da poeira do tempo. Já não aguentava mais.

À meia noite, dele para ele mesmo e para quem estivesse por perto, havia um revirar de olhos, um ranger de dentes, um arrastar de alpercatas de couro cru feitas ainda no Ceará. As tábuas do assoalho gemiam taciturnas sem que ninguém as pisasse. Um pigarro curto e grosso também era ouvido depois de anos em vida fumante. A gravata tornara-se uma mancha. O paletó era preto, a camisa branca, a foto era em preto e branco, obtida em um tempo distante, quando ainda não havia fotografia, mas tiravam-se retratos.

Descendentes se foram em busca de estudos nunca mais voltaram, nem em visita à casa paterna. Abandonaram os pais, à época, já com bastante ouro negro nos alforjes. Casaram-se, um no Rio de Janeiro e a menina em Belém. Nunca mais deram as caras, mas continuavam recebendo o dinheiro que o velho mandava para as suas contas no Banco da Lavoura.

A esposa libanesa desaparecera em meio a uma friagem seca de dez dias causadora de um surto de gripe forte que assolou o rincão e matou pra mais de dez velhinhos, só na pequena cidade. Depois do enterro, o patriarca encarquilhara ainda mais e já voltara pra casa com os bigodes brancos, tamanho foi o dilema.

Pela cidade, andava com as mãos para trás e os olhos postos no chão da sua história de rico dono de seringais a perder de vista. Dizia ele que gostava de manter os olhos baixos, para não topar no pedregulho que lhe impunha uma vida antes tão calorosa e animada pela presença dos filhos pequenos, em alegria borbulhante à custa de muito dinheiro.

Arrendara a terra para um outro nordestino na base do meio a meio. O mais novo trabalhava e transformava tudo em dinheiro. Ele, bem mais velho, levava a sua metade e a guardava em um cofre forte de ferro fundido vindo de Belém do Pará. Como gastava pouco  -  a não ser o que mandava para os filhos e com alguns víveres para a sobrexistência miserável  -  o dinheiro exorbitava, vazava pelas beiradas dos alforjes de couro cru por ele próprio fabricados quando ainda moço. Uns duzentos.

O tempo passou com a rapidez de um maçarico de beira de rio de verão. Uma tumba antiga hoje é a sua morada na parte mais velha do cemitério da cidadezinha anciã. Jamais uma vela ali foi acesa por ninguém e muito menos pelos filhos que talvez já não tragam nem o seu sobrenome, Serzedelo. Não há uma rua ou uma viela no lugarejo que leve o nome do velho cearense de chapéu grande. Viveu mais de quarenta anos e vegetou outros trinta e poucos. Andava pelas ruas da cidadezinha com as mãos nos bolsos fartos e as vistas assentadas no chão da sua história de cachorro velho solitário. Tendo sofrido muito por esta vida de Deus, morreu sem conseguir aprender o mínimo sobre a arte de ser só, o que não é tão fácil, nem tão difícil. Basta ensaiar.

É por isto que tenho observado por aí muitos a fazerem treinamentos diários cujos objetivos são aprender a ser só, a viver sem nenhuma lástima relativa ao futuro que não foi construído com o cuidado e com a argamassa do amor. Se ele queria carinho, teria feito germinar e cultivaria bem querer, apego, afago, afeto. Mas assim não aconteceu. Dizia não ter encontrado tempo para certas mesuras com gente muito delicada, para ele, que era apenas um bronco muito fanático por ganhar um dinheiro que foi para as contas bancárias dos filhos que do pai sequer um dia chegaram a gostar.

A velhice que há de vir a mim não me parece, de modo algum, o melancólico vestíbulo da morte. A mim, ela se afigura, antes, com as verdadeiras férias grandes, depois do esgotamento dos sentidos, do coração e do espírito que foi a vida.

Pare o mundo que eu quero descer. Será chegada a minha hora e a minha vez. (Deixa está! Quem não quer ficar velho deve morrer enquanto moço. Receita facílima.)

Sabemos que tudo neste mundo depende do esforço que empreendemos para o alcance dos nossos objetivos. Está claro que o meu poder de concentração há de me levar longe demais. Não devo perder o foco. Por isto, quando não mais me quiserem enquanto diretor de coisa alguma, para os tempos de inverno da minha existência, guardei uma nova profissão que se fará bem rentável, em termos financeiros mesmo.

Volto-me a ti, mais uma vez, ó pecador contumaz!

Há um treino diário através do qual tu te tens tornado um escritor de meia pataca, mas que defenderá o teu milhão de dólares vorazmente, uma vez que sonhar vem de Deus e é sempre na base do zero oitocentos.

Ademais, a cada dia ficas mais fera no campo da cibernética. Noto até que aprendeste o excel e até o cloud computing. Nunca tiveste medo dessa máquina dos infernos chamada computador. Na verdade, praticas um puta exercício para que os neurônios não morram colados um ao outro ou emparedados em cérebro pouco produtivo. Fazendo uso de gíria antiga, aos setenta, daqui a vinte e poucas voltas, ainda estarás na crista da onda e irás para a balada curtir um rock n’roll. Afinal, as academias de ginástica e os suplementos existem para nos deixar prazenteiros até o limite dos dias.

Quer aprender a ser só? Viajar por aí sozinho já é um bom exercício.

Nas últimas férias, por exemplo, tu ficaste por vinte dias no Rio de Janeiro a meditar sobre as coisas da vida, acerca da razão e da emoção que já voa para longe de ti, esta última. Refletiste a respeito das paixões e das aventuras por esta vida mundana, sobre os últimos acontecimentos que envolveram o coração vagabundo, isto, é claro, entre um chopinho e outro, porque também vós não sois de ferro.

É bom olhar com carinho as palavras do Millôr. Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver. Um homem começa a ficar velho quando já prefere andar só do que mal acompanhado.

Tu tens vivido, por último, a lembrar que, no romance Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Marquez deixa registrado que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

Sem querer radicalizar, não é necessário ficares preso a fórmulas como a que prega que há apenas uma diferença entre o lobo e o homem, na velhice. Enquanto o lobo entra nos bosques para esperar o seu fim sozinho, o homem, quanto mais sente que a morte se aproxima, mais busca companhia, mesmo se ele se aborrece e se ela o aborrece.

Não há essa necessidade pequeno burguesa para os espíritos preparados para a solidão. De bem com a vida e ainda com o espelho, se é que tu conseguirás, ó camafeu, hás de pagar, do teu bolso, e não às expensas da previdência social, a bom dinheiro  -  cinco mil pratas, talvez!  -  uma bela e jovem atendente de enfermagem, sem nenhuma formação intelectual, que te fará o acompanhamento ao médico, além de uns carinhos quando os estimulantes sintéticos o permitirem.

Deus te fez assim. Mariposo dos infernos! Segue o teu tempo e o teu caminho em paz, ó fauno mulherengo!

Afinal, haverá de prevalecer a máxima fora de moda segundo a qual o ancião merece respeito não pelos cabelos brancos ou pela idade, mas pelas tarefas e empenhos, trabalhos e suores do caminho já percorrido na vida.

É claro que tu bastante o fizeste. Ide em paz e muitos te acompanharão até a tumba, se tiveres ainda algum dinheiro que se faça suficiente para pagar o velório e o funeral na maior orgia, na base do champanhe e ova de esturjão.

Ora! Viveste porque viveste. Segue o teu caminho, enfim.

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*Autor de O inverno dos anjos do sol poente, romance, de 2014, à venda nas livrarias Nobel, Paim e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.

sábado, 14 de novembro de 2015

LEI DO DIREITO DE RESPOSTA NA MÍDIA

João Paulo Machado, da Agência do Rádio

Foi sancionada na última quinta-feira, pela presidente Dilma Rousseff, a lei que institui o direito de resposta nos meios de comunicação social. A presidente vetou o parágrafo que afirmava que o ofendido poderia requerer o direito de resposta ou retificação pessoalmente nos veículos de rádio e televisão. Durante a tramitação no Congresso Nacional, o trecho vetado pela presidente foi alvo de divergência entre a Câmara e o Senado.

De autoria do senador paranaense, Roberto Requião do PMDB, o texto determina que o reclamante tem 60 dias a partir da veiculação da matéria para solicitar o direito de resposta diretamente ao órgão de imprensa ou à pessoa jurídica responsável. Se a resposta não for publicada em, no máximo, sete dias após o pedido, o reclamante poderá recorrer à Justiça.

De acordo com o professor de ética na comunicação da Universidade de Brasília, Luiz Martins da Silva a lei serve para assegurar um direito de cada cidadão. No entanto, para ele, o ideal seria que a resposta à pessoa ofendida fosse concedida de forma consensual. Sem a necessidade de uma ação na justiça.

“Os próprios veículos eles tem uma obrigação ética, uma obrigação moral que é pedir desculpa que é se retratar quando houver um erro, quando houver alguma coisa que causou um dano. O que se espera é que daqui para frente se crie algo processual na execução do direito de resposta, porque senão vira um dilúvio de direitos de resposta. Eu dia que o melhor dos mundos é quando essa reparação pode ser feito por vias consensuais que são mais simples. Exemplos paralelos, nós temos, por exemplo, no PROCON e no CONAR que são negociações consensuais. Entretanto, direito para ser assegurado, passando de uma obrigação moral para uma obrigação legal é por meio de uma lei”.

De acordo com a Associação Brasileira de Imprensa, a ABI, a nova lei é legítima e democrática. No entanto, a entidade se diz preocupada com parte do texto da nova legislação. Para o Diretor de assistência social da ABI, Árcirio Gouvea, a redação do projeto pode gerar um conjunto de interpretações elásticas, dando margem para que pessoas de má fé se utilizem da norma para intimidar o trabalho investigativo da imprensa.

“E a nossa preocupação nesse texto, porque, ela determina que se abra uma ação contra o jornalista no seu local de residência. Essa lei deveria tipificar o crime no endereço do veiculo de comunicação e não tribunal de justiça do local onde o jornalista mora. Ela tipifica uma ação de perseguição a um jornalista e certamente vai intimidar. Não tenha dúvida”.

Depois que o reclamante ingressar com a ação, o juiz tem 30 dias para proferir a sentença. Nesse prazo, o órgão de imprensa será citado para que apresente sua defesa.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

“TENHO QUE CORTAR NA CARNE”

PB120198

Foi assim que o prefeito Marcinho Miranda (PSDB) se referiu à necessidade de promover uma forte contenção de despesas para que o município tenha condição de chegar ao fim do ano com a folha de pagamento do funcionalismo em dia. A declaração foi feita durante entrevista concedida ao programa Você No Rádio, apresentado pelo radialista Nader Sarkis na Rádio Educadora 6 de Agosto, na manhã desta quinta-feira, 12.

Durante a entrevista, o prefeito de Xapuri respondeu a questionamentos relacionados a diferentes áreas de sua administração. Destacou pontos positivos de sua gestão, como a entrega de uma série de obras, inauguradas nos últimos 40 dias, entre elas a Unidade Básica de Saúde Tia Vicência e a reforma do Mercado Municipal, e se propôs a falar sobre as cobranças que tem recebido da população.

Duas das principais questões abordadas por Nader Sarkis foram referentes à conclusão da obra de recapeamento asfáltico da rua Coronel Brandão, que passou pelos serviços preliminares para receber a pavimentação, mas que até o momento não foi concluída, gerando muitas reclamações e críticas contra a gestão municipal, e ainda o atraso no pagamento dos funcionários provisórios da prefeitura.

Quanto a obra, o prefeito explicou que aguarda a liberação dos recursos pelo governo federal  para pagamento da primeira etapa dos serviços para que a empresa responsável retorne a Xapuri e faça a conclusão dos serviços. Já no que diz respeito ao atraso dos provisórios, Marcinho reconheceu o atraso do pagamento dos meses de setembro e outubro e afirmou que a prefeitura tem a expectativa de regularizar a situação até dezembro.

Em suas justificativas para a difícil situação que o município enfrenta, o prefeito tucano classificou a crise financeira por que passa o país como a principal razão para que diversas ações não estejam sendo realizadas e algumas obras estejam paralisadas, como é o caso da Praça da Juventude e a restauração do espaço cultural Casa Branca. “É um momento difícil que afeta não apenas Xapuri, mas todos os municípios acreanos”, afirmou.

Apesar do cenário apresentado, Marcinho Miranda afirmou que o pagamento do 13º salário dos servidores municipais está garantido. Segundo ele, entre os dias 20 e 30 de dezembro os funcionários estarão com seus vencimentos no bolso. No entanto, uma má notícia para os provisórios: inevitavelmente, a prefeitura fará cortes. “Tenho que fazer. Tenho que cortar na carne ou do contrário não chegaremos ao fim do ano”, concluiu.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A FAVOR DA VIDA

João Baptista Herkenhoff

Sou a favor da Vida. Contra a pena de morte e a guerra. A favor de políticas públicas que favoreçam o parto feliz e a maternidade protegida. Contra a falta de saneamento nos bairros pobres, causa de doenças e endemias que produzem a morte. Discordo da percepção limitada, embora possa ser honesta e sincera, dos que reduzem a defesa da vida à proibição do aborto quando, na verdade, a questão é muito mais ampla. Abomino a hipocrisia dos que sabem que a defesa da vida exige reformas estruturais, mas resumem o tema a um artigo de lei porque as reformas mexem com interesses estabelecidos e ofendem o deus dinheiro. Sou contra o pensamento dos que não admitem o aborto nem quando é praticado por médico para salvar a vida da mãe, mas aceitariam essa opção dolorosa se a parturiente fosse uma filha. Sou contra a opinião que obscurece as medidas sociais, pedagógicas, psicológicas, médicas que devem proteger o direito de nascer. Reprovo o posicionalmento dos que lançam anátema contra a mulher estuprada que, no desespero, recorre ao aborto quando, na verdade, essa mulher deveria ser socorrida na sua dor. Se não tiver o heroísmo de dar à luz a criança gerada pela violência, seja compreendida e perdoada.

Hoje eu debato esta questão doutrinariamente mas, quando fui Juiz, eu me defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia que recebi. Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu mas não havia ainda nos autos elementos para uma decisão. Designei audiência e as testemunhas me informaram que a acusada tinha o costume de toda noite embalar um berço vazio como se no berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo. Nem sumário de defesa seria necessário. Disse a ela, chamando-a pelo nome:

“Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber outra criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que permanece no seu coração. Eu nunca tive um caso igual o seu. Esse gesto de embalar o berço mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está livre, vá em paz. Que Deus a abençoe.”

A decisão nestes termos, em nível de diálogo, foi dada naquele momento. Depois redigi a sentença no estilo jurídico, que exige técnica e argumentação.

João Baptista Herkenhoff, 79 anos, Juiz de Direito aposentado, professor, escritor, um dos fundadores e primeiro presidente (durante a ditadura) da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória. Autor, dentre outros livros, de: Crime, tratamento sem prisão. Livraria do Advogado, Porto Alegre.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

PROPOSTA PARA ENFRENTAR A CRISE

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O senador Jorge Viana anunciou nesta quarta-feira (11) dois projetos de sua autoria que têm como objetivo garantir mais recursos e estabilidade às prefeituras e aos governos dos estados. O primeiro deles é uma Proposta de Emenda à Constituição para que estados e municípios recebam recursos de emendas parlamentares individuais mesmo que estejam inadimplentes. A outra proposta é um Projeto de Lei para que governadores e prefeitos não sejam punidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal quando o país tiver crescimento negativo do PIB superior a 1,5%.

Sobre a PEC, o senador explicou que a Emenda do Orçamento Impositivo, promulgada em março deste ano, tornou obrigatória a execução orçamentária e financeira de emendas parlamentares individuais. Em 2015, essas emendas parlamentares representam R$ 9,69 bilhões, sendo que metade desse valor deve ser aplicado em saúde. A constituição garante a transferência de recursos de emendas parlamentares aos estados e municípios, mas na prática aqueles que estão inadimplentes não estão recebendo o repasse.

“Estou propondo uma mudança: está explícita a intenção do legislador de que o orçamento impositivo pode e deve chegar aos estados e municípios, independentemente de estarem inadimplentes ou não. Hoje, há escassez de recursos nos municípios, nós temos orçamento impositivo, mas o prefeito não pode receber. No Acre, dos 22 municípios, 20 estão inadimplentes. Isso é uma proposta concreta para ajudar os municípios a enfrentarem a crise. Não há crime nisso. Ao contrário, nós vamos ter uma mão estendida”, declarou o parlamentar.

A proposta ganhou o reconhecimento dos parlamentares presentes no plenário do Senado e o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que é ex-ministro da Justiça, pediu para ser o relator do projeto na Casa.

Outra proposta defendida pelo senador acreano é o Projeto de Lei do Senado Federal nº 679 apresentado na Comissão de Constituição e Justiça. A proposta prevê que os estados e municípios não sejam punidos dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal quando o PIB nacional tiver um crescimento negativo maior do que 1,5%.

“O descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal leva o município à inadimplência. O prefeito fica sem condição de receber e firmar convênios. Então, aciona-se imediatamente o gestor público por crime de responsabilidade, tornando-o inelegível. Mas se o prefeito está recebendo menos e suas despesas fixas são constantes e crescentes, onde isso vai parar? Eu não estou querendo descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas dessa forma, vamos chegar a ter os 5.570 municípios brasileiros descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal”, argumentou.

Para o senador, essas são duas propostas objetivas que podem ajudar o Brasil a sair da crise. “Este país não sai da crise se nós não estendermos a mão para os municípios, se não levarmos em conta os estados e o Distrito Federal, se nós não levamos em conta que é lá no município que as pessoas vivem, que é lá que o desemprego acontece”, declarou.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A SEXTA-FEIRA 13 E O WT1190F

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As informações sobre um pedaço de sucata espacial chamado WT1190F, que viaja neste momento em direção à terra e que deverá entrar na nossa atmosfera na próxima sexta-feira, 13, às 4h19, no horário de Brasília, me fizeram reeditar esse texto, escrito no ano de 2011, quando o satélite artificial norte-americano UARS também despencou lá das alturas, relembrando um episódio parecido, quando a estação espacial Skylab – colocada em órbita pelos EUA na década de 1970 - reentrou na atmosfera terrestre causando em vários lugares do mundo ataques de temor e sensacionalismo.

Na então pacata Xapuri não foi diferente. Como naquela época o único veículo de informação de massa por essas bandas era o bom e velho rádio, e mesmo assim nem todo mundo que o ouvia compreendia bem o que escutava, as notícias sobre a iminente queda da Skylab causaram uma onda de horror na população que temia desde de ser atingida por um pedaço do lixo espacial até à possibilidade de o evento significar o fim do mundo.

A Skylab se desintegrou na entrada na atmosfera no ano de 1979, espalhando pedaços de sua estrutura sobre o Oceano Índico e a Austrália, mas no início dos anos de 1980, havia ainda quem espalhasse por Xapuri a medonha informação de que a estação espacial desabaria a qualquer momento sobre as nossas cabeças, podendo destruir toda a cidade, senão o Acre ou o Brasil inteiro. No entanto, alguns bebuns, certamente os únicos céticos dessa apocalíptica previsão, não perderam a oportunidade e batizaram de Skylab o bar do senhor Domingos Beleza, localizado onde hoje funciona o açougue do seu filho Reginaldo, ou simplesmente “Régi”.

Menino ainda, aos 10 ou 11 anos de idade, eu não tinha a menor noção de que o espaço seria uma espécie de terreno baldio repleto de lixo tecnológico ali abandonado pelas chamadas superpotências, mas levava a história da queda daquela coisa terrível muito a sério e, confesso, me borrava de medo quando ouvia falar no assunto.   

Mas, depois de mais crescido, descobri que naqueles tempos em que a Skylab esteve no céu, estivemos expostos a perigos bem maiores e mais graves que ser atingido por um pedaço de lata espacial ambulante. Vivíamos, no mundo, a temida Guerra Fria, com a ameaça de uma hecatombe nuclear, e, no Brasil, uma sangrenta ditadura militar que dava fim a milhares de vidas e solapava direitos políticos e humanos.

No mesmo ano em que a Skylab despencou, o Brasil começou a viver o advento da abertura política, através da Lei de Anistia, promulgada pelo então presidente João Figueiredo, que beneficiava 4.650 pessoas entre cassados, banidos, exilados ou simplesmente destituídos dos seus empregos. Um pouco mais tarde, o Muro de Berlim foi ao chão como marco fundamental do fim da Guerra Fria, consolidado mais adiante com o gradual desmantelamento da antiga União Soviética e com os acordos pelo desarmamento mundial (com relação a armas atômicas) que tornaram o mundo “menos perigoso”, por assim dizer.

Trazendo para o contexto local, pouco depois da queda da Skylab o Acre começou a viver a “revolução” que, a partir do assassinato de Wilson Pinheiro, em Brasiléia, no ano de 1980, e passando pelo semelhante destino de Chico Mendes, em Xapuri, em 1988, resultou nas transformações políticas e sociais que o estado antes dominado pela pistolagem no campo e pelo crime organizado na cidade passou a experimentar.

Tenho a opinião de que o que venha a cair do céu nos dias atuais, vai se espatifar sobre um mundo bem melhor que o da velha Skylab, a despeito de o ser humano ainda padecer de infinitos problemas que se negam a ser equacionados por quem conduz os destinos do planeta. E aí estão as graves questões da miséria e da fome, da intolerância religiosa, da xenofobia, da homofobia e da ambição econômica que geram guerras, além da corrupção que resulta em outras tantas mazelas que afligem o ser humano.

Mas, como insisto em me negar ao pessimismo, opto por continuar acreditando que, mais do que a possibilidade de cair sobre as nossas cabeças nesta sexta-feira 13, o tal WT1190F possa marcar o início de uma nova fase de mudanças positivas para o mundo de hoje, em todos os aspectos, mas principalmente naqueles que afetem de maneira direta a qualidade de vida dos seres humanos independentemente do lugar onde vivam.

E como é impossível prever o que pode vir a acontecer nesse planeta em que os escândalos de corrupção extrapolaram a esfera político-administrativa, não ficando fora disso sequer o Vaticano, para invadir até mesmo o campo esportivo, e onde a convivência entre o homem e o seu semelhante, assim como a sua relação com o seu próprio meio ambiente estão sempre prestes a entrar em colapso, que pelo menos continuemos, os povos que gozam desses privilégios, a usufruir da liberdade e da democracia, mesmo que esses valores tão fundamentais ao ser humano nem sempre sejam absolutos.

E ainda quanto ao WT1190F, não é preciso pânico nem preocupação. O mais provável é que o objeto se desintegre ao entrar em contato com a atmosfera - e se ainda sobrar algum remanescente, cairá no Oceano Índico a cerca de 65 km da costa do Sri Lanka.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

CÂNCER DE PRÓSTATA

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Novembro Azul é uma campanha de conscientização realizada por diversas entidades no mês de novembro dirigida à sociedade e, em especial, aos homens, para conscientização a respeito de doenças masculinas, com ênfase na prevenção e no diagnóstico precoce do câncer de próstata. O Ministério da Saúde, o Instituto Nacional do Câncer e instituições como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade são contrários ao movimento, em especial no seu aspecto relacionado ao câncer de próstata, devido à ausência de indicações científicas para a realização do rastreio.

sábado, 7 de novembro de 2015

RECORREU DA SENTENÇA

Câmara Criminal mantêm dosagem da pena de Elivan Verus pela morte de delegado e sequestro de ex-namoradaRAIMARI_CARDOSO4080052

Por unanimidade de votos, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), manteve inalterada a sentença do Juízo Criminal da Comarca de Xapuri, que condenou Elivan Verus da Silva à pena de 28 anos e seis meses de reclusão, em regime fechado, pela prática dos crimes de homicídio, contra o delegado de polícia Antônio Carlos Marques Mello, e sequestro, contra a vítima Fátima Abreu Sarkis, fatos ocorridos em dezembro de 2014.

Elivan recorreu ao Tribunal de Justiça, por meio da Apelação Criminal nº 0001521-67.2014.8.01.0007, da relatoria do desembargador Samoel Evangelista, postulando a redução da pena que lhe foi imposta depois de ser condenado pelo Tribunal Juri de Xapuri no dia 1º de julho deste ano. A decisão de justiça mantendo a pena de Elivan ocorreu em sessão ordinária realizada na última quinta-feira (5).

Quinze dias antes de ser condenado pelos crimes acima, Elivan Verus havia sido sentenciado a mais de 24 anos de reclusão pelo assassinato da estudante Janaína Nunes e pela tentativa de homicídio contra  mãe da vítima, Nágila Costa. Quando cometeu a série de homicídios, ele cumpria, em liberdade condicional, pena por crime de tráfico de drogas na região de Xapuri.

Leia mais no portal do Tribunal de Justiça do Acre.

ALGUMA VAIDADE; ORGULHO COMEDIDO

CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*

Escorreguei o corpo suado doído e dormi por sobre as raízes da vaidade. É árvore frondosa e bela, travesseiro muito duro, posto que exige de todos e de cada um sempre e muitos dispêndios materiais, além daqueles que se relacionam à alma. Passaram-se horas a fio. Anos foram engolidos pela poeira do tempo. Não lembro sequer de haver despertado ainda hoje. Como nas palavras do poeta, deitei e hibernei em berço tosco esplêndido elaborado a partir da madeira rústica.

Adianto que não sou orgulhoso. Sou simples até demais na minha vaidade pequeno burguesa. Um humano bem trivial, leve, solidário, às vezes bem magnânimo, com algum sal e uma pitada de pimenta do reino ou malagueta bem ao gosto da freguesa.

Estou entre o macho alfa e o metrossexual, posto que não faço limpeza de pele e muito menos lipoaspiração, como o segundo. Da mesma forma que o primeiro, compreendo as vicissitudes femininas e cedo-lhes carinho a bom preço ou quase de graça. Elas são veneráveis, todas.

Viajei em sonhos de criança, como os demais. Fui por mundos nunca dantes viajados. Vivi a ternura dos tempos juvenis. Tornei-me um louco com prazo determinado e vencido antes da data de validade. Senti nuvens de fumaça invadirem o nariz e o meu mundo entranhado dentro de mim. Avancei um tanto nos anos de vida. Hoje, penso melhor e afirmo que a vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas enquanto sinônimas. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. A Jane Austen deixou registrado, em algum lugar, algo parecido com um aforismo segundo o qual o orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós. Sou assim. Você também é, minha querida Maria Divina.

Foi daí que a moça da janela fez crítica velada em frase simples, modelar e moderninha:

- Ele se acha!

Um dia, então, ganhei músculos que se foram avolumando. Entrara para a academia de musculação com a finalidade de ficar bonito. Não demorou muito e, enfim, consegui. Depois, só bem depois, os objetivos se fizeram outros e um tanto diferenciados. Hoje, já não quero ter beleza apenas. Quero sobreviver. Desejo ir escapando, de mansinho e como quem não quer nada, pelo menos por alguns anos além da cota que me permitirá a natureza viver.

Dia desses, lá, fiz uma observação bem à minha moda. É que eu passo toda a semana malhando o corpo com o intuito de perder a barriga. Sexta, à noite, já penso diferente. Sábado, então, me dá uma saudade aguda da dita cuja que ficou nas sombras da academia às escuras. Penso em recuperá-la. Vou à luta, mas nunca a recupero por completo. Ingiro dúzias da bebida retirada da cevada. Esta se faz aliada de petiscos e acepipes de toda ordem. Mesmo assim, o tanquinho também não aparece, o que dá na mesma. O bendito calo andrógino libertino devasso sexual libidinoso nem vai, nem fica. Veja como são as coisas!

Disse-me a Isadora que, para ela, a academia é uma igreja onde o culto é celebrado em louvação ao corpo. Penso quase assim. Um tantão mais pra mais, que pra menos, posto que, lá, corpos esbeltos de belas representantes do belo sexo desfilam e me fazem lembrar do quão magnífica é a natureza cuja obra maior é ter feito mulheres tão perfeitas. Sim, elas são dignas dos melhores renoirs ou picassos desta vida repleta de mais traços e mais rabiscos de eterna sensualidade. Coisa de Deus!

Um hábito puxa um outro. Uma mania simples beija a face de um costume e todos saem de mãos dadas por aí afora.

Daí que já me brotavam alguns fios brancos a me desenfeitar a cabeça. Não os tolerei. Nem os tolero. Então, cometi o primeiro pecado e acrescentei ao culto do corpo a obrigação de passar uma tinta nos cabelos a cada quinzena. Passei a andar de cabelos tingidos com a finalidade de dizer a idade que não tenho. Então, algo me disse que a cabeleira estava tão negra como a aza da graúna, numa alusão ao Alencar. Por isto, hoje uso uma espécie de tintura e shampoo chique que me deixa o cabelo entre o azul escuro, o cinza e o prata perolado. Te mete!

Fui por aí meio folgazão por esta vida afora. Agora, então, acrescentei mais um pequeno crime contra a mãe natureza. Passei a adotar os miraculosos cremes faciais que dizem retardar as rugas. Nada. Uso apenas protetor solar porque a pele do rosto é fina demais. Trata-se, verdadeiramente, do grande remédio contra os danos que a idade nos prega mesmo no meio do semblante físico já um tanto castigado.

Com relação às unhas, o cuidado das tais fica por conta dessa partner e namorada que me acompanha por estes ditosos dias.

Entre uma coisa e outra, passei a adotar um vestuário bem em conformidade com os ditames da tal moda. Entendo pouco de boutiques e tudo o que compro segue os conselhos de algumas itinerantes muito cheias de ideias, palavras, sotaques e trejeitos  -  tagarelas mesmo!  -  que vão dizendo coisas do tipo:

- Aquela camisa de malha e mangas longas veste muito bem. Acho que essa calça de pernas estreitas tem um caimento perfeito. O modelo está sendo muito usado em Milão. Camisas de tecido, também de mangas longas e dobradas até acima de cotovelo dão um toque bem despojado, isto, se for liado a tênis brancos sempre bem limpos.

Tenho, sim, aprendido a arte de ser vaidoso quase por completo.

Certo é que todo este conjunto de atitudes e manias acima descritas me fazem jovial, dão à minha fisionomia e ao conjunto geral da obra algumas características que levam muitos a dizerem que ainda não passo das quarenta voltas. É mole?!

Mas daí é que vem um único fator negativo no ser vaidoso. Percebo que, no trabalho, algumas pessoas simplesmente dizem que, pela cara sem rugas, a silhueta do corpo um tanto esbelto e pelos cabelos tingidos, eu não tenho a idade que digo, não estou cansado de trabalhar e que sou mais ou menos um desocupado a mais a contar as estrelas de um céu inexistente. Só que poucos são aqueles que observam que as rotinas diárias já me levam à exaustão e, à noite, o físico pede uma atitude relax e a alma fica sorridente, meio sem querer e já querendo ir por aí dar um giro por estas praças e bares da vida divertida e cheia de prazeres inomináveis.

Não sou adepto da clara de ovo e muito menos da batata doce. Já nem gosto de músculos protuberantes. Não preciso deles. Aprecio bem mais a tapioca. Os suplementos alimentares têm um quê de fantasiosos ou, quem sabe, venenosos. O tempo o dirá.

Voltaire, um pensador francês do século dezoito, uma vez me disse alguma coisa segundo a qual Deus concedeu-nos o dom de viver; compete-nos apenas buscar viver bem.

É o que tenho feito.

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*Escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, à venda nas livrarias Paim, Nobel e Dom Oscar Romero; e na DDD / Ufac.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

PARANÁ NEGA RACHA COM MARCINHO MIRANDA

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O vereador Celso Paraná (PMDB), um dos principais aliados do prefeito Marcinho Miranda (PSDB), negou nesta sexta-feira, 6, as informações divulgadas pelo colunista político Evandro Cordeiro, do site Contilnet, dando conta do “fim do casamento” entre o parlamentar e o chefe do executivo municipal.

Além do suposto “racha” entre Paraná e Marcinho, cuja principal motivação seria a existência de “coisas esquisitas” na administração tucana, Cordeiro também noticiou que o vereador anunciara sua intenção em ser candidato à prefeitura de Xapuri nas próximas eleições. Para isso, teria a “chancela” da executiva estadual do PMDB.

Segundo Celso Paraná, nada do que o colunista divulgou ocorreu. Perguntado sobre o que levaria o jornalista a publicar tais fatos, o vereador disse que ainda não havia conseguido falar com Evandro Cordeiro para esclarecer a situação. “Prefiro acreditar que tenha sido um grande mal entendido de uma conversa que tivemos por telefone a respeito dos rumos da política em Xapuri, mas pedirei para que ele retifique”, afirmou.

Contudo, Evandro Cordeiro não recuou do que publicou. Na sua coluna desta sexta-feira, publicou as duas notas que seguem:

Sobre o racha em Xapuri

Celso Garcia, que para os mais íntimos é o vereador Paraná (PMDB), de Xapuri, ligou para elogiar a coluna pela divulgação de seu racha com o prefeito Marcinho Miranda (PSDB), mas pediu duas correções. Primeira: não foi o partido quem rachou, mas ele, apenas ele. Segunda: a foto publicada dele com o pai do prefeito, seu Miranda. “Pareceu provocação”, disse por telefone ontem à noite.

Da coluna: ninguém na redação tinha ideia de que a pessoa ao lado do vereador era o pai do prefeito.

Já se acertou

Na manhã desta sexta-feira, o vereador Paraná já desfez tudo o que disse, pelo bom programa do meu colega jornalista e radialista Raimari Cardoso, um dos mais ouvidos em Xapuri, pela Rádio Difusora. Parece ter se acertado com o prefeito Marcinho Miranda, já.

Longe de duvidar da seriedade de um ou de outro, mas fica uma baita curiosidade de saber a razão que origina uma confusão como essa. Mas é certo que com a rápida aproximação do próximo pleito municipal ficarão mais frequentes episódios semelhantes. E na maioria deles, o que restará mesmo será o dito pelo não dito.

FORA DILMA?

João Baptista Herkenhoff

O impeachment (impedimento, em português) é a destituição do governante decidida pelo Parlamento, em razão da prática de crime de responsabilidade.

No sistema presidencialista não é suficiente a impopularidade do mandatário para que se justifique a derrubada. É indispensável que se configure a conduta criminosa.

No parlamentarismo pode ocorrer a queda, independente da prática de qualquer crime. Basta que um voto de desconfiança seja acolhido pela maioria parlamentar para que o governo seja expulso do poder.

No Brasil o sistema parlamentarista foi recusado no plebiscito de 1993.

Se o decorrer da História demonstrar que o eleitorado se equivocou quando disse não ao parlamentarismo, o erro poderá ser corrigido no futuro. Contudo não se pode mudar a camisa por conveniência de um determinado momento.

Hoje só a configuração de crime de responsabilidade, praticado pela cidadã que ocupa neste momento a Presidência da República, poderá dar embasamento ao impeachment.

A Constituição enumera vários crimes de responsabilidade, dentre os quais menciona atos que atentem contra a probidade na administração.

É claríssima a Carta Magna do país quando expressa que se trata de atos do Presidente da República.

Confira-se a íntegra do artigo 85 e seus incisos:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

A Constituição não se refere a atos de Ministros do Estado ou de outras autoridades federais, como justificadores do impeachment.

Se um Presidente da República escolhe mal seus ministros e auxiliares e, dentre eles, alguns praticam atos de improbidade, cabe ação criminal contra os desonestos. Cabe também, se for o caso, derrotar nas urnas o Presidente incompetente na seleção de seus colaboradores, seja ele candidato à reeleição ou apoiador de outra candidatura.

Não procede, entretanto, o caminho do impeachment como forma de protesto.

O respeito à Constituição deve ser defendido pelos cidadãos que apoiam o Governo e por aqueles que se colocam contra o Governo. A Constituição não pertence a um partido, a um líder politico, a um setor da sociedade, nem é jornal que se deixa de lado depois de lido. É um pacto nacional, sustentáculo da Democracia.

João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

TRE PRORROGA REVISÃO BIOMÉTRICA

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O Juízo Eleitoral da 2ª Zona, que abrange o eleitorado do município de Xapuri prorrogou por mais um mês o prazo para a conclusão do recadastramento com identificação biométrica dos eleitores, procedimento que, segundo o Tribunal Regional Eleitoral, vai tornar mais seguro o exercício do voto no que diz respeito ao risco de fraudes, uma vez que o novo padrão de identificação evitará que uma pessoa vote no lugar de outra.

A prorrogação do prazo para o encerramento dos trabalhos se deu em razão de menos da metade dos 11.036 eleitores inscritos em Xapuri terem procurado os postos de atendimento para realizar o recadastramento. O novo prazo se estenderá até o dia 5 de dezembro próximo, data na qual o TRE pretende ter recadastrados dentro do novo sistema de identificação pelo menos 10 mil eleitores.

Todos os eleitores estão obrigados ao recadastramento, inclusive aqueles cujo voto é facultativo, como os menores de 18 anos, os maiores de 70 anos e os analfabetos. O não comparecimento à revisão cadastral resultará no cancelamento do título de eleitor e na impossibilidade de exercer o voto nas próximas eleições.

O próprio município de Xapuri também poderá sofrer consequências negativas caso a cota de 10 mil eleitores não seja atingida até o dia 5 de dezembro. De acordo com o TRE-AC, essa improvável ocorrência poderia resultar na extinção da 2ª Zona Eleitoral, cuja sede é Xapuri, que seria agregada à 6ª Zona, que tem sede em Brasiléia.

Os locais e horários de atendimento aos eleitores são: no Fórum Eleitoral da 2ª Zona, de 8h às 17 horas, de segunda a sexta-feira, e no sábado de 8h às 12h. Na OCA Xapuri, de segunda a sexta, de 7h às 12 horas e de 14h às 17 horas, e também aos sábados de 8h ao meio dia. Os eleitores devem comparecer nos locais e horários indicados portando o título de eleitor, se houver, um documento oficial com foto e comprovante de endereço.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Zélia Stein

João Baptista Herkenhoff

Leio a notícia do falecimento de Zélia Stein. Partiu desta vida longe da Pátria. Ela estava no Uruguai.

Durante o período da ditadura, mantive correspondência com exilados. Um dos principais temas das cartas eram as notícias que lhes dava a respeito da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. Eu integrava, nessa ocasião, o comitê pela anistia. Esta participação, no combate em favor da Anistia, é certamente o mais relevante item do meu curriculum vitae. Uma das pessoas com quem mantive contato epistolar foi Zélia Stein.

Todas as cartas que me chegavam às mãos eram violadas. Os censores nem tinham o pudor de disfarçar o desrespeito à privacidade. Muito pelo contrário. Depois de abertas e lidas, as cartas eram lacradas com fitas adesivas grossas, de modo que o destinatário soubesse que seus passos estavam sendo vigiados. Tenho no meu arquivo essas missivas.

De que tratavam as cartas com Zélia Stein? Tramávamos atentados, atos de sabotagem, resistência armada à opressão que estava sendo imposta ao povo brasileiro?

Nada disso. Se a luta armada dependesse de mim estava antecipadamente fadada ao insucesso, pois nunca matei nem passarinho. E uma cobra que foi esmagada pelos pneus de um carro, que eu dirigia, foi morta em razão de minha incompetência como motorista. Saí da estrada porque cochilei no volante.

Mas voltemos a Zélia Stein (ou Zélia Marluze Stein, seu nome completo). Que grandeza de alma! Que idealismo! Que crença no futuro do Brasil, sob a égide da Justiça Social, da Liberdade, da distribuição dos bens. Zélia nunca permitiu que seus sonhos se apagassem. Na idade adulta, até transpor os umbrais da morte, continuou sendo a jovem idealista dos tempos de Faculdade, em Vitória. Em razão de suas convicções e de sua coragem, Zélia foi perseguida, sofreu muito porém jamais capitulou. Ela é um exemplo e uma luz.

Como Zélia ficava feliz quando eu lhe mandava um pacote de café! Não era o café bebido dentro da própria casa. Era o café do exilado. Era o café que lhe era mandado por um juiz indisciplinado, que lutava pela Anistia. Era o café abençoado pela solidariedade, para que Zélia sentissse o sabor daquele pó que tinha sido colhido por mãos operárias, mãos muitas vezes oprimidas por condições de trabalho semelhantes às do trabalho escravo.

Não sou saudosista. Tenho os pés fincados no presente e diviso com esperança o futuro. Quando recorro à saudade, a intenção é alimentar, sobretudo no espírito dos jovens, projetos do amanhã. Que os jovens se mirem no que foi para construir o que será.

João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), palestrante e escritor.

E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com

Site: www.palestrantededireito.com.br

É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

NOTA DE DESAGRAVO - SINJAC

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Acre (Sinjac) lamenta a condução grosseira de um processo na Vara de Registros Públicos e de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Rio Branco em que se tenta cercear e censurar o direito à comunicação e à livre expressão de jornalistas profissionais sindicalizados e independentes, proprietários de blogs pessoais e de sites de notícias.

A sociedade não admite que a Justiça do Acre recorra a método ultrapassado, baseada em lei de regulamentação aprovada durante a ditadura militar, para atropelar o Estado Democrático de Direito e o princípio constitucional do devido processo legal.

O Sinjac já comunicou à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), associações de comunicação nacionais e ativistas da blogosfera brasileira para o caso da tentativa em curso no Acre de flagrante violação à liberdade de imprensa.

O Sinjac, com apoio de seu setor jurídico e de advogados como Roberto Duarte e seus associados, adotará providências para impedir que o Acre seja palco de retrocesso no direito à livre expressão e nos direitos democráticos conquistados pela sociedade brasileira.

Rio Branco, 21 de outubro de 2015.

Victor Augusto N. de Farias
Presidente

sábado, 17 de outubro de 2015

VIDA QUE SEGUE

Retorno ao blog depois de alguns meses para fazer, ao mesmo tempo, um protesto e um desabafo. Acabo de ser intimado pelo Juízo da Comarca de Capixaba a pagar, no prazo de quinze dias, uma indenização por danos morais no valor de R$ 2.093,98 (dois mil, noventa e três reais e noventa e oito centavos) ao policial civil Franciberto José Carneiro de Lima por conta de uma publicação feita nesta página.

A postagem tratava de uma confusão ocorrida no mês de janeiro de 2011, no Bar do Damião, neste município, oportunidade na qual Franciberto, na condição de frequentador do estabelecimento, sacou de uma pistola em meio a uma multidão e empreendeu perseguição a Manoel Nogueira do Nascimento, o Má do Peroba, com quem havia se desentendido momentos antes, fato que causou grande tumulto e gerou grande repercussão em Xapuri.

O policial abespinhou-se com a alusão que fiz que fiz em meu texto aos famigerados Paquitos, grupo de policiais que nos anos de 1990 abusava de atitudes e comportamentos que a população do Acre prefere esquecer. Cansei de explicar que a referência se tratava apenas de um recurso jornalístico para chamar a atenção das autoridades para o fato e não de uma ofensa ao “homem da lei”, que julgou estar sendo comparado a criminosos.

No julgamento do mérito da ação promovida por Franciberto, o então juiz da comarca de Capixaba, Alesson José Santos Braz, considerou que “sopesando-se as circunstâncias em que os fatos ocorreram e a atividade que o reclamado desenvolve, verificou-se que as informações contidas na matéria em questão não tiveram o condão de denegrir a imagem do reclamante, não se verificando nos autos afronta a imagem do demandante”.

O juiz afirmou também em sua sentença que “não emergindo da matéria (fl.29) o escopo ofensivo ou difamatório à pessoa do reclamante, tampouco se tendo notícia de repercussão negativa perante a comunidade, o caso se enquadra no direito de livre manifestação do pensamento que merece igualmente proteção jurisdicional à luz do art. 5º, IV, da CF”.
Ocorre que apesar de categórica, a sentença do magistrado foi reformada por uma das turmas recursais do Tribunal de Justiça do Acre, cuja relatora foi a juíza Zenair Ferreira Bueno Vasquez, aquela do célebre caso das mais de 700 vacas arrestadas e ferradas com a marca “TJ” de Tribunal de Justiça (leia aqui).

Sou convicto de que a justiça observada e colocada em prática pelo magistrado Alesson Braz foi injustificadamente desprezada pela decisão seguinte. Um flagrante atentado à liberdade de expressão e de imprensa que deixa aberto um enorme precedente para que jornalistas sejam intimidados por ações judiciais sem fim por conta de sua atividade profissional não raro ir de encontro a comportamentos inadequados daqueles que se rotulam “autoridade”.

Mas é necessário ser dito que mesmo sentenciado a indenizar o policial, o resultado do trabalho feito foi altamente positivo. O reconhecimento da comunidade foi imenso e a sensação de injustiça do caso não pertence unicamente a mim. E mais: a repercussão dada ao fato certamente contribuiu para que fatos lamentáveis como aquele não se repetissem. O próprio policial em questão se tornou sabedor de que caso volte a agir daquela maneira em Xapuri estarei aqui para novamente registrar e denunciar.

Vou encerrar a postagem com as palavras do delegado Thiago Fernandes, titular de Xapuri à época dos fatos, quando tomou conhecimento da ocorrência que gerou toda essa pendenga jurídica cujos únicos punidos foram este blogueiro e a sua liberdade de se expressar e exercer a sua profissão: 

“Ao tomarmos conhecimento dos fatos, no dia de hoje, foram ouvidas as partes, sendo feito o TCO de ameaça, e encaminhado ao Poder Judiciário, onde o envolvido irá responder criminalmente. Ainda, quanto à esfera administrativa, todas as peças serão encaminhadas à Corregedoria Geral de Polícia Civil, para os procedimentos cabíveis”.

A verdade é que na esfera judicial o “envolvido” terminou por entrar em acordo com a vítima e nada sofreu. Quanto à Corregedoria de Polícia Civil, jamais tomei conhecimento de qualquer medida administrativa que tenha sido tomada com relação ao episódio. Vida que segue no país da injustiça e da impunidade. Exceção a isso apenas quando uma pobre faxineira se atreve a comer o chocolate de um figurão.

Clique aqui para ler todas as postagens feitas neste blog a respeito do assunto.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A VILA

CLÁUDIO MOTTA PORFIRO*

Ali amanheciam sempre dias cinzentos, sombrios, tristes de fato. Ao sol não era permitida a entrada. Vida miserável que se iluminava por lamparinas à querosene, fumegantes, doentias. Homens e mulheres trajavam roupas rotas, quase andrajosas. Os aposentos eram abafados, fétidos, sem janelas. As esperanças de todos se limitavam à possibilidade ou à impossibilidade de, mais tarde, ou no outro dia, quem sabe, terem algum alimento para saciar-lhes a fome implacável. Os mais velhos, aqui e acolá, morriam de inanição, de fraqueza, sim. As crianças não iam às escolas, embora elas existissem quase na biqueira da vivenda prestes a cair. As mulheres traziam olhares sem brilho, perdidos num ontem que também não fora tão farto, ou num amanhã que, certamente, não seria dos mais ditosos. Os homens iam e vinham. Do mercado ou da rua do comércio, quase nunca traziam um quilo de feijão sequer. Todos haviam saído da pobreza dos velhos seringais que, por aqueles dias, já começavam a ser transformados em pastagens. A insanidade dos endinheirados via que a pata do boi marcava, a ferro quente, o coração e a alma de pessoas sem passado e sem futuro.

Um francês, Émile Zola, escreveu textos assim, como Germinal. A realidade nua e crua de uma humanidade em ruínas. No Brasil, segundo o ponto de vista de muitos, alcançaram destaque maior Aluísio de Azevedo com O cortiço e Casa de Pensão, e Júlio Ribeiro, com A carne,romances marcantes que desenham em traços drásticos as mazelas humanas em tonalidades tão reais que gritam aos ouvidos dos líderes maiores. Estava inaugurado o Realismo literário. O lirismo dos amores ternos e as relações acaloradas muito próprias dos românticos cediam lugar para uma ficção focada na realidade mais cortante, mais pulsante, mais áspera.

Então, do lado da minha casa ficava a Vila Natal. Nós éramos pobres; eles, miseráveis. Comíamos carne de boi ou de caça, e feijão e arroz e verduras retiradas da nossa horta do fundo do quintal. Eles praticamente não comiam, mas vegetavam e procriavam como as centenas de ratos e urubus alimentados pelos excrementos da Vila.

Chegaram a sobreviver, ali, às vezes, mais ou menos cinqüenta pessoas, incluindo as crianças. Na realidade, tratava-se de um imenso casarão de zinco e madeira, dividido ao meio por um corredor cujos dois lados repartiam-se em quinze aposentos, a maioria de uma porta apenas. No pequeno quintal, havia dois sanitários sem porta e sem descarga ou fossa, um para os homens, outro para as mulheres. As necessidades fisiológicas eram ali supridas, mas o banho parco era tomado nos próprios aposentos de assoalho de madeira por debaixo dos quais passava um esgoto infestado de ratazanas e baratas. Nas paredes internas, havia brechas entupidas de papel para que uma família não visse a miséria ou a promiscuidade da outra. O telhado era cheio de buracos e, um dia, aí pelos treze anos, fui chamado por uma moça da vida para tapar uma goteira que quase chovia sobre os lençóis úmidos da sua cama às vezes até bem freqüentada. Era uma da tarde e grande parte dos sobreviventes pegava a sesta. Lá de cima, então, por intermédio de um dos orifícios do zinco, eu a vi despida, sobre a cama, acenando para que logo descesse... Fiz sexo pela primeira vez, com uma prostituta experiente, de dezesseis anos...

Com raríssimas exceções, aquele era o último refúgio depois do inferno dos seringais. Eles não tinham mais forças para o trabalho na seringa. Também não tinham qualquer aptidão para os afazeres ou ofícios da pequena cidade. Uma parte fazia pequenos mandados para os bacanas de então. Outra, limpava os quintais ou carregava água para os banheiros e cozinhas dos mais abastados. Alguns pagavam um mísero aluguel. Outros, não tinham como fazê-lo e viviam de favor a sua desventura.

Uma alma compadecida, de vez em quando, doava miúdos de boi e alguma carne. Uma ou outra vez, eu o vi distribuir entre os miseráveis um garrote inteiro. Era Elias Fadul, um misto de pequeno fazendeiro e magarefe, carrancudo e mal humorado como a maioria da gente síria.

Papai e mamãe logo se fizeram padrinhos de alguns meninos. Lembro de quando um senhor de meia idade, recentemente tornado compadre dos meus pais, foi acometido de hidropisia, ou barriga d’água. O homem passou noites e noites gemendo de dor. Quando numa manhã levaram-no ao médico, já era tarde. À noitinha, apareceu o padre italiano e lhe fez a extrema-unção. “O homem tava só esperando”, disseram alguns. É que, em dois minutos, e não mais que isso, o cumpadi Chico já tinha atravessado pro lado de lá. Palmieri, o religioso d’Itália, fez uma careta de asco e se foi pensando ter cumprido o dever. Neste tipo de reunião de pobres, onde não havia bastante comida para encher a imensa barriga do glutão, ele não permanecia, como lá em casa, de onde, nos aniversários, saía com os bolsos da batina cheinhos de quitutes.

Aí, todos se reuniram ao redor do corpo agora prostrado sobre uma velha mesa. Mamãe cedeu um lençol branco, já usado, para cobrir o cadáver. Mais tarde, um besouro mangangá dos grandões, sem que ninguém o percebesse, entrou por debaixo do lençol e foi alojar-se nos dedos dos pés do defunto. Daí começou a se mexer e a debandada dos vivos foi geral. Todos pensaram que o homem queria voltar de onde não queria ter ido. Manhãzinha, papai e mais três estivadores enrolaram o homem no lençol, colocaram-no em uma velha rede cearense e rumaram para o campo santo localizado a uns dois quilômetros da Vila, acompanhados da esposa chorosa e dos filhos menores. Lá, jogaram o fardo num buraco, cobriram com muito barro e nenhuma cruz. Só dias depois é que o arranjo cristão foi colocado sobre a sepultura, sem nenhuma inscrição.

Um dia, já à tardinha, no meio da poeira de agosto, chegaram uns quatro ou cinco burros vindos lá das bandas do Riacho de Areia, Rio Caramano. Traziam um senhor de uns oitenta ou mais anos, um rapaz mais velho e um outro que não sabia se tinha dezessete anos. Alojaram-se num dos cubículos sem janelas. O velhinho tinha barba comprida, branca, não enxergava e portava um cajado comprido à moda mais antiga. As roupas dos três, pouquíssimas, sempre da cor cáqui. A comida rala era feita pelo cego (!) em um fogareiro que enchia todo o quarto de fumaça. As panelas eram antigas latas de banha ou de goiabada. Não havia pratos ou colheres. (Até há pouco tempo, no seringal, as pessoas comiam com as mãos.) O seu Duca, sergipano, ia cedinho pedir esmolas no mercado. O menino mais velho trabalhava nas colônias dos arredores de Xapuri e só aparecia aos sábados. O mais novo, Sebastião, era doido, mas vivia capinando as ruas da cidade em troca de uns dinheiros quaisquer com os quais comprava alguma comida, perfume Desejo e botas sete léguas. Deste, lembro-me que levou uma furada de prego em cima do pé. Ele, então, com um canivete afiado, furou um buraco na parte superior da botina, de forma a deixar livre o ferimento. Uns vinte dias depois, já com a ferida sarada, foi que oBastião descalçou a bota já muito fedida.

Num domingo depois da missa das nove, espalhou-se uma notícia triste. O mais velho havia amanhecido morto. Papai depois me disse que ele morrera de tiriça preta, hoje conhecida como hepatite do tipo C.

Certa vez, o velhinho se acercou da nossa calçada, onde conversávamos à noitinha. Ele me disse:

- Menino Gibiri? É o Zé Claudi, né?

- Sou, sim senhor.

- Você vai ser muito feliz. Tudo o que você quiser Deus vai lhe dar.

Depois, recitou, de cor, o longo Romance da Princesa da Pedra Fina, de cordel... Esta é a minha última lembrança dele.

Sebastião, hoje, apesar da saúde mental fragilizada, é vigia de uma escola e encarregado de tocar os sinos da matriz de São Sebastião nos horários de praxe, sempre sem nenhum atraso.

Morava por lá um moço, muito tranqüilo e caladão. Um dia, depois de muito esforço, conseguiu comprar uma canoa pequena e passou a sobreviver da pescaria de espinhel. Numa noite, ele foi para o rio Acre corrigir os anzóis, mas teve um desfalecimento e tombou para fora do barco. Sofria de uma doença chamada epilepsia. Só dois dias depois é que o meu tio José Maciel achou o corpo, já completamente putrefeito, enganchado em alguns balseiros. Saíram-lhe peixinhos das entranhas através da boca do defunto. E fomos então enterrá-lo. A barriga estava inchada de tanta água. Aí, um torrão maior de barro foi jogado por alguém e o ventre do cadáver estourou e aspergiu uma água fétida distribuída entre todos que estavam à beira da cova, inclusive eu.

No passado dama da noite, Donana, de uns setenta anos, morava na Vila, de graça, acometida de Alzheimer, à época popularmente chamada caduquice. Como na poesia, a carne mais barata do mercado é a carne negra. Por isto, estava morrendo à míngua num quarto que só tinha um velho catre, umas latas de flandres onde fazia alguma comida num fogareiro, e um quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Um dia, ela amanheceu morta em meio a um monte de fezes.

Um outro personagem desta minha história real e macabra é Maruíla, cuja esposa o abandonou assim que soube que ele tinha um câncer no estômago, fruto de uma alimentação de péssima qualidade e do uso freqüente do álcool e cigarros tipo porronca. Numa rede, em um dos pouquíssimos aposentos que tinham janela, permaneceu o indigente com a barriga muito inchada por meses a fio, gemendo de tanta dor. Mamãe ou vovó lhe traziam uma sopa ingerida com muita dificuldade. Ao final, estava pesando apenas uns vinte quilos. Morreu abandonado no fundo de uma rede e teve enterro idêntico aos demais miseráveis da Vila.

Maria Galvão era mãe de uma garota de oito e de um garoto de uns seis anos e tinha um amante que era gerente de seringal e a visitava talvez mensalmente. Um certo dia, eu a vi ser agarrada, aos gritos e palavrões sem tamanho, sob os olhares dos vizinhos, por três homens grandões, e ela se soltava sem maiores esforços... A moça tinha um encosto.Um espírito mal houvera se apoderado do corpo dela.

Os velhos cearenses lá de Xapuri sempre diziam que atrás dos mais pobres anda um bicho da boca grande e dentes podres, a fome... As histórias desses infelizes ainda hoje fazem parte dos meus sonhos mais tristes.

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*Publicado originalmente em outubro de 2008.

domingo, 26 de abril de 2015

AO POINT DO PATO, UM POEMA NOTÍVAGO

CLÁUDIO MOTA PORFIRO*

Um poema para a boemia talvez jamais venha a ser cartesiano, exatamente, pelo pouco equilíbrio constante, já, a partir das próprias palavras trôpegas de quem o engendrou em meio a talagadas generosas de uma caipirinha de kiwi. Mas aqui, neste caso, o René Descartes vai ter que dançar o tango no compasso que eu quiser. Foi esse francês fenomenal que deixou um mimo mais ou menos parecido com as frases que seguem. Os homens que se emocionam com as paixões são capazes de ter mais doçura na vida. Muito provavelmente tudo isto foi dirigido a mim... Saúde!

E sobre as paixões, pensando bem, há homens que se apaixonam unicamente por uma ou muitas mulheres. Ao par destes, observo aqueles que são apaixonados por certos lugares. Eu, cá de minha parte, também fico extasiado ante o belo sexo, todos os dias, ainda cedo, quando abro os olhos e os esfrego pensando ser miragem a musa que está ressonando ao meu lado. Tudo isto, sem falar dos meus amores platônicos pelamaravilhosa cidade de São Sebastião, lá na velha Guanabara.

Mas eu preciso ir além sempre, muito mais adiante. Em verdade vos digo que há certos botecos que foram marcando, indelevelmente, a minha alma fugaz pela vida afora. Eles, cada um ao seu tempo, são a minha cara, dependendo da época desta existência descuidada e marota.

Por último, há uns doze anos, tenho ficado e gostado bastante desse tal Point do Pato, depois de perambular feito andarilho em busca do algo melhor que muitos encontram em poucos locais que lhes agradam deveras. Enfim, achei o meu ninho, a paz de um boteco generoso que me faz degustar a cerveja numa temperatura entre o ponto de bebericar e o de congelar. Uma beleza!

Lá estou sempre às sextas, depois de percorrer nove quilômetros entre a minha vivenda e o boteco amado. Uma viagem feita em ansiedade, posto que todos os pecadores que conversam com a cerveja, nesta dada hora e neste justo momento, já se encontram aflitos ou com água na boca à procura de algo muito óbvio que lhes refresque a goela e aguce o pensamento e o sentimento e as ações que estreitam cada vez mais um convívio de alguns dos mesmos, inclusive, um que propõe seja formada a Confraria do Point do Pato. Dá-lhe, garoto!

Enquanto outros recintos do gênero abrigam uma clientela bem diversificada, em termos de origem natural, lá, a acreanidade lateja, é pulsante, reverbera, brilha nos olhos de tantos quantos se cumprimentam e, neste momento, perguntam sobre como estão os familiares, os amigos mais antigos, os velhos professores, os locais e as relações de trabalho, dentre outras indagações.

Como parte das obrigações do agente de desenvolvimento de recursos humanos na Ufac, tenho a função de dar as boas-vindas a todos quantos são contratados pela Casa, ou vou mandando bem de cicerone dos que nos visitam em viagens de trabalho ou estudo. Se a minha argúcia observa que o cara pálida é do ramo das espumosas, entre uma vírgula e outra, já o convido para conhecer um boteco com a cerveja mais gelada do mundo e música de altíssimo nível, na sexta, é claro. Como o cidadão tem, no mais das vezes, a cara e o jeito de inteligente, a ele digo que lá há um camarada meu que se auto adjetivou enquanto um chicólatra. Aí, nós já estamos a caminho, às vezes, inclusive, com a esposa e os filhos a tiracolo. Vá entender!

O moço do violão, sim, é um capítulo à parte. Nada que lembre uma toada sertaneja ele terá vontade de tocar. Tudo o que remeta a Chico, Gil, Caetano e Fagner ele faz questão de colocar o seu talento e o seu bom gosto nas notas sempre muito bem arranjadas no instrumento.

Manobreiro de palavras, escrevinhador de rotinas, esquadrinhador de frases, metido a artista em prosa e verso sou eu. Por isto, fico de queixo caído com a habilidade musical do mago do violão, que não sabe se é do Maranhão, do Pará ou do Acre. A ele, aplausos mui demorados e de pé. Bravo!

Dias desses, então, encontrei um bom homem no supermercado. A mim ele perguntou se eu ainda andava no Point do Pato. Ao que assenti. Daí ele foi adiante e indagou sobre se ainda lá estava o mesmo Galvão, se o Lima ainda cantava a mesma Valsinha, do Chico Buarque, se a cerveja ainda habitava a casa dos três graus, e assim por diante. Eu disse que sim. É já tradição. Tudo ainda acontece como na época em que ele era um dos partícipes do convívio etílico-gastronômico-musical. Por isto é que é bom.

Mas houve um certo desrespeito. Advogo que estamos tratando de um local onde a cultura acreana se faz efervescente. Por isto, exijo que o poder público tenha um pouco mais de carinho para com o meu boteco. É um erro crasso da autoridade que lá chegou e já foi aplicando uma pena segundo a qual o Pato cerraria as portas. O correto seria, antes, apenas uma recomendação e, em quinze dias, tudo estaria acertado. Não há nenhum prazer em gerar prejuízo para quem não merece. 

Não, irmão bacana! Eu não tenho a necessidade nem de comprar fiado. Sou do tempo em que comida e bebida devem ser compradas à vista, no cache. A minha intenção não é obter privilégios como uma cerveja de brinde. Jamais. Afianço-te que crônica como esta existe porque se trata de um retrato da minha boemia e um esboço de uma das partes mais deliciosas da minha vida. Ademais, uns poucos homens e mulheres de bom coração até já notaram que cometo alguns exercícios bem pródigos nas artes da literatura. É isso o que dá!

Os mais sensíveis hão de notar que os humanos que praticam as coisas com carinho desmedido têm sempre o prazer de fazer bem feito, ou pelo menos do jeito que a maioria gosta. Bom é ouvir, então, o que um dia me disse a senhora Jorge, minha amiga, proprietária daquela casa de deleite intenso:

Há dezessete anos, surgia o Point do Pato. Já no início, se fez muito bem frequentado. Tornou-se ponto de encontro de empresários, jornalistas, médicos, escritores, dentre outros. Em suma, o Pato tornou-se o Point de todos. Quando a questão turística começou a ser tratada por aqui, o Point virou um polo de turismo gastronômico. Daí vieram os prêmios, como os do Guia 4 Rodas. Depois, fui entrevistada pela revista Gula. Em seguida, dei entrevista para o programa Mais Você, da Ana Maria Braga. Enfim, ganhei vários prêmios, certamente porque coloco o ingrediente insuperável que é o amor à arte de bem atender.

            Por tudo isto e por muito mais, grafei em bom papel os versos toscos abaixo. Esta, sim,  uma irresistível vontade de demonstrar o meu afeto de homem da noite por todos os que por ali pululam.

UM POEMA NOTÍVAGO

Viola feita do pinho,

Só mesmo muito carinho,

E um talento afinadinho,

Para fazê-la chorar.

Uma canção gota a gota,

Entre uma nota e outra,

A vida corria solta,

Nos acordes do Ademar.

Meia noite, lua a pino,

Discutíamos o destino

Daquele sertão menino,

Desta terra, deste lar.

Ali, quase atei a rede,

Era muita a minha sede,

Em casa era como estar.

Depois do último solfejo,

Ainda mandei um beijo,

Só pra matar meu desejo

E um poema pra embalar.

Daí a noite se fez fria

E a rua ficou vazia

Antes de raiar o dia

Em casa me vi chegar.

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*Autor de Janelas do tempo, livro de crônicas, de 2008; e O inverno dos anjos do sol poente, romance, de 2014, à venda na Livraria Nobel do Via Verde Shopping.