quinta-feira, 19 de julho de 2018

A Copa do Mundo e as eleições

Celso Tracco

Mais uma vez, a seleção brasileira foi eliminada em uma Copa do Mundo. Caímos nas quartas de final. Nesses tempos de uso intensivo das redes sociais, muito se vê e ouve que o resultado do torneio pode ou irá influenciar o resultado das eleições. Mas, a história não diz isso.

Desde 1994, quando começou a coincidência de eleições diretas para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, com a realização da Copa do Mundo os resultados não justificam que o brasileiro carrega para as urnas a emoção da vitória ou da derrota da seleção.

- 1994, o Brasil conquistou sua 4ª. Copa, vencendo a Itália nos pênaltis, após agoniantes 0x0 nos 120 minutos de jogo. A situação, FHC, obteve 54% dos votos contra 27% dados a Lula. A eleição foi resolvida no 1º turno. Influência do sucesso do plano real e não do futebol.

- 1998, perdemos da França, na final, por incontestáveis 3x0. "Vergonha nacional". FHC, que havia proposto a emenda da reeleição, venceu no 1º turno novamente contra Lula, 53% a 31%. Após a reeleição, houve uma maxidesvalorização do real.

- 2002, Brasil campeão, venceu a Alemanha na final por 2x0. A oposição, Lula, venceu o candidato da situação, José Serra, no 2º. turno obtendo 61% dos votos contra 39%.

- 2006 Brasil eliminado pela França nas quartas de final, outra "vergonha nacional". Lula é reeleito no 2º turno com 61% dos votos contra 39% dados a Geraldo Alckmin.

- 2010 – Brasil eliminado pela Holanda nas quartas de final. A situação, PT, elege o sucessor de Lula – Dilma Rousseff – com 56% dos votos contra 44% de José Serra, no 2º turno.

- 2014, o Brasil passa pela maior vergonha futebolística da história: é eliminado por acachapantes 7x1 para a Alemanha em pleno Mineirão. Dilma é reeleita, 2º turno, com 51,6% contra 48,4% dados a Aécio Neves. Após as eleições, o Brasil mergulhou na maior crise econômica de sua história.

Não há correlação entre o resultado da Copa e da eleição. Se aprofundarmos a pesquisa veremos que os estelionatos eleitorais e as falcatruas, praticados por ambos partidos entre 1994 – 2014, influenciaram muito mais as eleições do que o futebol. Resumindo: há muito tempo não somos o país do futebol, já nem há mais comoção quando o Brasil perde, a não ser o falso choro de atletas que devem milhões de reais para a Receita Federal. Também não somos o país do futuro. Mas somos o campeão mundial da corrupção, dos altos impostos, da desigualdade social, dos privilégios da máquina pública. E somente pelo voto consciente de toda população, poderemos expulsar esses políticos lesa-pátria de campo. E nem vai precisar do árbitro de vídeo. Renovar é preciso e necessário.

Celso Luiz Tracco é economista e autor do livro Às Margens do Ipiranga - a esperança em sobreviver numa sociedade desigual.

O Papa e o aborto

João Baptista Herkenhoff

O Papa Francisco autorizou que todos os padres da Igreja Católica possam perdoar o aborto. Com esta decisão, quem fizer aborto – médicos e pacientes – não será mais excomungado pela Igreja.

Francisco recomenda que os casos sejam analisados à luz da misericórdia divina. Ressaltou o pontífice que a misericórdia é um valor social. Deve devolver dignidade a milhões de pessoas. Ninguém pode impor condições à clemência de Deus.

Feito este preâmbulo, exponho minha opinião.

Sou a favor da Vida. Contra a pena de morte e a guerra. A favor de políticas públicas que favoreçam o parto feliz e a maternidade protegida. Contra a falta de saneamento nos bairros pobres, causa de doenças e endemias que produzem a morte.

Discordo da percepção limitada dos que reduzem a defesa da vida à proibição do aborto. Abomino a hipocrisia dos que sabem que a defesa da vida exige reformas estruturais, mas resumem o tema a um artigo de lei porque as reformas mexem com interesses estabelecidos e ofendem o deus dinheiro. Sou contra o pensamento dos que não admitem o aborto nem quando praticado por médico para salvar a vida da mãe, mas aceitariam essa opção dolorosa se a parturiente fosse uma filha. Sou contra a opinião que obscurece as medidas sociais, pedagógicas, psicológicas, médicas que devem proteger o direito de nascer. Reprovo a opinião dos que lançam anátema contra a mulher estuprada que, no desespero, recorre ao aborto quando, na verdade, essa mulher deveria ser socorrida na sua dor. Se não tiver o heroísmo de dar à luz a criança gerada pela violência, seja compreendida e perdoada.

Hoje debato esta questão doutrinariamente. Quando fui Juiz, eu me defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia, que recebi. Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu. As testemunhas informaram que a acusada toda noite embalava um berço vazio como se no berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo. Disse a ela, chamando-a pelo nome:

“Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber outra criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que permanece no seu coração. Esse gesto de embalar o berço mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está livre, vá em paz.”

João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), palestrante e escritor.