terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Feliz Ano Novo aos corações velhos

Frei Betto

Feliz Ano Novo aos que praguejam sobre o solo árido de suas vida sem garimpar alegrias, e aos que amarram o espírito em teias de aranha sem se dar conta de que os dias tecem destinos. Também aos que desaprenderam o sorriso e abandonaram ao olvido a criança que neles residia.

Feliz Ano Novo aos que perambulam às margens da memória e semeiam ódio no quintal da amargura; guardam dinheiro na barriga da alma e penhoram a felicidade em troca de ambições; são náufragos de lágrimas, cegos aos arquipélagos da esperança, e fantasiam de asas as suas garras, voejando em torno do próprio ego.

Feliz Ano Novo aos que sonegam carinho e ainda cobram atenção, alpinistas da prepotência que os conduz ao abismo; àqueles que, alheios ao que se passa em volta, ilham-se na indiferença enquanto o mar arde em fogo; e a quem gasta saliva tentando se justificar por se disfarçar em pomba e agir como raposa.

Feliz Ano Novo aos que escondem o Sol no armário, sopram a luz das estrelas e põem espessas cortinas no limiar do horizonte. Aos que nunca tiveram tempo para a dança, ignoram por que os pássaros cantam e jamais escutaram um rumor de anjos.

Feliz Ano Novo aos que bordam iras com agulhas afiadas e desperdiçam palavras no furor de suas emoções desabridas; seqüestram dignidades e, como os colecionadores de borboletas, sentem prazer em espetá-las no interior de cavernas obscuras.

Feliz Ano Novo aos faquires da angústia e aos que, equilibrados num fio de sal, trafegam por cima de montanhas de açúcar. Também aos que jamais dobraram os joelhos em reverência aos céus e acreditam que a história do Universo tem início e fim neles.

Feliz Ano Novo às mulheres que destilam antigos amores em cápsulas de veneno e aos homens que, ao partir, mostram, às costas, a face diabólica que traziam mascarada sob juras de amor.

Feliz Ano Novo aos jovens enfermos de velhice precoce e aos velhos que, travestidos de adolescentes, bailam aos desafinados acordes do ridículo. E aos que atravessam o tempo sem se livrar de bagagens inúteis e ainda sonham em ingressar numa nova era sem tornar carne o coração de pedra.

Feliz Ano Novo aos que já não sabem conjugar os verbos no plural; agendam sentimentos e estão sempre atrasados na vida; mendigam admiração e se prostituem frente à sedução do poder.

Feliz Ano Novo àqueles que dão "mau-dia" ao acordar, afogam em trevas interiores a alegria que lhes resta, encaram a vida como madastra de história infantil. E aos que julgam que laços de família se cortam com a ponta afiada da língua e ignoram que o sangue escreve letras indeléveis.

Feliz Ano Novo aos que se apegam ao poder como a fuligem ao lixo, infantilizados pelas mesuras, prenhes de mentiras ao agrado do ouvido alheio, solícitos às providências que assassinam a ética. Sejam também felizes os que tentam corromper os filhos com agrados materiais e nunca dispõem de tempo para olhá-los nos olhos do coração.

Feliz Ano Novo aos navegadores cibernéticos, mariposas de noções fragmentadas, amantes virtuais que se entregam, afoitos, ao onanismo eletrônico, digitando a própria solidão.

Feliz Ano Novo aos poetas que não sabem tragar emoções e engolem com ira palavras que trariam vida ao mundo. E aos que abominam a arte por desconhecerem que o ser humano é modelado em barro e sopro.

Feliz Ano Novo a todos que temem a felicidade ou consideram, equivocadamente, que ela resulta da soma dos prazeres. E aos que enchem a boca de princípios e se retraem, horrorizados, diante do semelhante que lhe é diferente.

Feliz Ano Novo às mulheres que se embelezam por fora e colecionam vampiros e escorpiões nos lúgubres porões do espírito. E aos homens que malham o corpo enquanto definha a inteligência, transgênicos prometeus acorrentados ao feixe dos próprios músculos.

Feliz Ano Novo a todos os infelizes, aos que o são e aos que se julgam, cegos às infinitas possibilidades da luz e das rotas. Sejam todos agraciados pela embriaguez da alegria divina, abertos ao Deus que os habita e ao amor que, como um rio cristalino, jamais nega água a quem se ajoelha, reverencia o milagre da vida e aprende a beber do próprio poço.

Frei Betto é escritor, autor do romance "Entre todos os homens", entre outros livros.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cabra de Xapuri

Claudio Porfiro

Ai do vento se ali não fizer a curva.
Vire brasa o céu se ali não cair a chuva.
Toquem as trombetas porque um povo se agiganta.
Desembainhem as espadas porque a luta será tanta,
Que o inimigo há de clamar por misericórdia.
Eu sou Zé e Zé não é um só nem é tanto,
É breu, cajá e paxiúba,
Canjica doce, feijão gurgutuba,
Paçoca e mugunzá.
Sou um, sou dois, sou cem,
Sou metade do mundo e ninguém,
Nem queira me perguntar.
Sou cabra de Xapuri,
Machado, maxixe, maduro e doce,
No pipoco da bala o
Ou no arranco da foice,
Dependurado nos sonhos meus...
E tudo poderá novamente acontecer,
Como aconteceu outrora,
Quando ainda era aurora
E nós os tivemos que chacinar.
E conquistamos todos os louros, sim,
Buscados pela via do destemor,
Da alma cega e do muito amor...
É preciso ter coragem, certamente,
E hoje ou amanhã, se for o caso, e por assim dizer,
Com a mesma energia, sem recuar, sem cair, sem temer,
Ainda poderemos voltar a lutar bravamente,
Mas amando a terra tão docemente
Como nos versos do Chico Mangabeira.

E POR ASSIM DIZER, UM BRINDE ÀS NOSSAS BOAS QUALIDADES... FELIZ ANO NOVO, MEU POVO! O ACRE É MESMO ASSIM... FELIZ!

domingo, 29 de dezembro de 2013

70 janeiros

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Aniversaria neste domingo, 29, o radialista Odahil Cardoso Monte, um dos nomes mais tradicionais da comunicação radiofônica em Xapuri. São 70 anos de vida e mais de trinta dedicados, entre indas e vindas, à Rádio Educadora 6 de Agosto.

Criador de um estilo inconfundível, o dono do bordão “cheguei, baixei, saravei”, tomado emprestado à composição do cantor João Só, possui uma profunda identificação com o público da zona rural, o mais assíduo e fiel que a emissora possui.

Mas também faz grande sucesso na cidade, onde bem cedo, a partir das 5 da matina, centenas de rádios ecoam seus “alôs” e tiradas bem humoradas que são sempre seguidas de uma risada sui generis que já se tornou folclore.

O blog presta esta singela, mas sincera homenagem ao grande comunicador, desejando-lhe saúde e sucesso no seguimento da vida. Importante registrar também que além do amor ao rádio, Cardoso Monte ainda se dedica a comandar o grupo de escoteiros de Xapuri.

Vida longa ao Odahil!

sábado, 28 de dezembro de 2013

O principado de Xapuri

Rubens Menezes de Santana, o Rubinho, via página dos Filhos e Amigos de Xapuri no Facebook.

Começou na segunda-feira, 28, a Semana Literária de Xapuri. A Associação dos Filhos e Amigos de Xapuri esteve representada por Elisângela Horácio, Simone Daniel, Emir Mendonça, Sérgio Souza, Simone Daniel e eu.

Tive o privilégio de assistir a uma apresentação do Coral do IFAC, a alegria de saber que o projeto de formação de novos músicos tem boa aceitação entre os jovens, bem como notícias alvissareiras sobre o Grupo de Escoteiros, comandado por Odail Monte, e também o andamento do PROERD, formação de novos grupos de artes cênicas e danças. Há uma ebulição cultural em Xapuri.

Em pronunciamento de jovem professor de Química do IFAC, foi comunicada a facilidade com que os jovens xapurienses assimilam e respondem bem aos estímulos artísticos. Segundo o mesmo, “há um tendência nata para as artes”.

Por sua história, Xapuri, desde antes da Revolução Acreana, a Princesinha já possuía estrutura urbana, enquanto o restante do Acre era constituído apenas de seringais, à exceção de Porto Acre.

Xapuri possuía os melhores seringais do Vale do Acre, as maiores casas comerciais, teatro, cassino e a maioria dos portugueses e sírios libaneses que até hoje se constituem na elite econômica acreana atual. Estes trazem consigo a noção de estrutura urbana e a capacidade de buscar solução por seus próprios meios. Época de Sadalla Koury, que em face do declínio da economia seringueira, montou a primeira usina de beneficiamento de castanhas do Acre e que era movida a lenha.

Muitos dos filhos da elite foram mandados a estudar nos grandes centros brasileiros, mas muitos deles menos afeitos aos estudos ou mais umbilicalmente ligados ao lugar, resolvem permanecer em Xapuri; outros tentam e não conseguem prosseguir.

De nosso acervo de fotos antigas, vemos times de futebol (este esporte é introduzido inicialmente em Xapuri) datadas de 1944, onde se misturam a elite e trabalhadores braçais, como Guilherme Zaire e Sebasto. É de pressupor, que a interação não se dava apenas no campo esportivo, mas que outros valores e conhecimentos também fossem compartilhados.

Em outra foto, também constante de nosso acervo, estão alguns dos que migraram em busca de qualificação técnica: Careca, Marcos, Henrique, Carlos Ferreira, Gilberto Ferreira, Belmar do Antonino que vinham passar as férias de final de ano na terrinha. Traziam e compartilhavam conhecimentos novos.

Não é à toa que Alberto Zaire é considerado um dos maiores oradores do Acre em todos os tempos. As importantes figuras de Jorge Kalume, Adib Jatene, Jarbas Passarinho, Eliana Pereira, Guilherme Zaire, Armando Nogueira, Félix Pereira, Glória Peres e Chico Mendes dentre outros, são reconhecidos como modelos a ser seguidos. Até hoje, as proezas de Afonso Zaire são contadas nas praças, pelos mais velhos. Todos receberam a têmpera do caldo cultural que é Xapuri que torna o xapuriense pacato, gozador, hospitaleiro e... espertíssimo.

Em meio a toda esta ebulição cultural, é interessante ressaltar que, em Xapuri foi fundada a primeira Loja Maçônica do Acre e até hoje em funcionamento e prestando serviços à comunidade.

Sob o comando da Ordem dos Servos de Maria, o colégio Divina Providência rivalizava-se, em qualidade e eficiência, com o de Santa Juliana em Sena Madureira. Como recebia, no regime de internato, as filhas das prolíferas famílias de trabalhadores, a socialização dos ensinamentos não obedecia à estratificação social. O ensino público seguia-o, à reboque.

É a única cidade do Acre a ter uma Banda de Música que, formou e forma, novos talentos, em seguimento a uma linhagem de músicos como Lourival Capivara, Aurélio Salim, Roldão, Adalcimar, Luiz Beleza, Carlos Koury, Camaleão Colorido, Magão Rocha, Lennon Amanda, Elaís Meira (já com 90 anos, ainda ministrava aulas de música) e Maísa Farias - um novo talento.

As gerações contemporâneas já não necessitam migrar em busca de qualificação; a última a necessitar foi a nossa. Há cursos superiores e técnicos. Xapuri está com excelente estrutura de ensino e o bom desempenho de seus jovens nos diversos certames nacionais, atestam o acerto das medidas.

Um dos motivos da montagem do Grupo e da Associação dos Filhos e Amigos de Xapuri, foi nosso contumaz hábito de apenas reclamar contra o estado de abandono da Princesinha, após tê-lo feito, todos esqueciam o que haviam discutido e voltavam-se à suas rotinas.

Na verdade, além das reclamações, terminava-se a conversa com uma velada cobrança de que se haveria de fazer algo; mais na esperança de que seu interlocutor tomasse a iniciativa. Era a necessidade de interagir, compartilhar informações e inserir-se na busca de soluções para a lastimável situação a que foi relegada a Princesinha.

Após um período em que as desconfianças e receios mútuos foram minimizados (algo de ressentimento, por uma suposta quebra de compromisso tácito), novamente os Filhos e Amigos de Xapuri estão unidos em busca do resgate cultural de Xapuri e mais uma vez, volta-se a sonhar com realizações a partir do esforço conjunto.

Há, talvez, o melhor time que Xapuri já produziu: Profª Euri, Cláudio Porfiro, José Porfiro, Sérgio Souza, Carlos Estêvão Castelo, Nabiha Bestene, Eurilinda Figueiredo, Marcela Figueiredo, Marcela Monteiro, Ofélia Valle, José Andrias Sarquis, Ronei Sant’Ana, Nilton Cosson, Simone Daniel, Elisângela Horácio, Alan Ferreira, Ana Lucia Cunha, Daniel Zen, Rui Sant’Ana, Almir Ribeiro, Dalmo Rufino, Luis Celso, Clênio Monteiro, Milena Barros, João Garrinha, Roberto Matias, Antonio Ferraz, Carlos Afonso, Emir Mendonça, Clenes Guerreiro, Alarice Botelho, Antonio Rocha, Diego Ferraz, Victor Pontes, Jessé Advíncula, Hermes Brasileiro, Cleilson Alves, Mariete Costa, Maisa Farias, Chiquinho Barbosa, Joscíres Ângelo, Nader Sarkis, Carlos Ciro e muitos mais. Respeitável! Falta-nos apenas maior inserção no esforço.

Por tudo isto, é necessário que Xapuri seja reconhecida não mais como a Princesinha do Acre, mas sim, como o Principado de Xapuri, por sua contribuição nos diversos ramos do conhecimento humano, por sua cultura, pelo papel de vanguarda desempenhado nos últimos tempos, através do pensamento de Chico Mendes que modificou as relações Homem x Natureza no mundo inteiro.

Quando Armando Nogueira outorgou-se a si mesmo, o título de Marquês de Xapuri, ele sabia exatamente a que se referia e também que estava em débito para com seu lugar e os seus.

Resta-nos saber se iremos cumprir nosso destino manifesto ou se queremos ser mais uma geração a reclamar e murmurar à socapa.

Em busca de um novo tempo: o do Principado de Xapuri.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Projeto “Xapuri é nossa”

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Janílson Queiróz, via Facebook.

Você sabia que 22 de Março de 2014 Xapuri fará 110 anos de existência, pelo menos oficialmente, afinal as andanças começaram em 1903?? O avanço deveria ser maior.

Pois bem, uma das motivações pela qual entra ano e sai ano, entra prefeitos... após prefeito, vereadores após vereadores e nada muda é basicamente o que está inserido logo abaixo:

A não valorização firme da construção e produção educacional.

Olha só algo interessante sobre os repasses federais a Xapuri... Tem mais valores ao recebimento de bolsa família do que valores a investimentos educacional e saúde... A priori deduz que a situação do desemprego é enorme, além da vulnerabilidade social inerente...

Gente boa parte da população recebe bolsa família!!! Gente esse benefício é para pessoas sem renda, ou com quase nenhuma.

O governo criou esse benefício e criou um outro chamado pronatec, que tem como finalidade profissionalizar os beneficiários para que tenham emprego e renda e não dependam mais da bolsa.

Uma cidade que tem mais recursos para questões de assistência social do que educacional continuará com ruas esburacadas, sem luz, sem saúde, sem desenvolvimento, sem segurança e sabe por que???

Por que o povo continuará sem reivindicar, pois não conhece seus direitos e muito menos o que entra e sai do município...

Veja mais na página do Projeto Xapuri é Nossa: Podemos e Devemos Mudar.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Ano Novo

Autor desconhecido

À luz da ciência, a virada de ano não passa de um limite cronológico, o período de 365 dias e 6 horas da translação, quando a Terra completa uma volta ao redor do Sol.

E a tradição nos permite dar a essa passagem o clima feérico que nos leva a pular ondas, fazer brindes, vestir o branco, comer lentilha, romã e distribuir louros.

Debaixo das superstições, contagiados pela oportunidade que o novo começo nos dá de recomeçar, talvez seja a hora de mudar. E a mudança brota da consciência para se concretizar na química que nasce da união de coração e mente.

Quem sabe seja a hora de parar de fumar, de recuperar a boa forma, de buscar o novo trabalho, de comprar um carro, encontrar a cara-metade, morar na casa própria...

Mas, melhor seria que, ao mesmo tempo, tivéssemos olhos para as conquistas abstratas, para a renovação dos valores e das prioridades.

Já passou do tempo do ser humano entender que a felicidade não é um bem material, mas um estilo de vida que se adota e se preserva em cada atitude, em cada pensamento, em cada palavra. Demoramos a notar que as mansões de nada valem quando seus ocupantes são incapazes de transformá-las em lares. Desperdiçamos tempo sem perceber que anéis não reluzem sem dedos que os ostentem, carrões não se justificam quando rodam com passageiros e rumo a destinos incertos.

O mundo ainda gira em torno do homem e o homem se perde na vertigem de rodar numa busca desesperada do que só se encontra dentro de si próprio.

Que o ano novo exerça a magia e o poder de nos induzir à reflexão para que, nas entranhas do pensamento e do sentimento, cada um de nós se conscientize de que o erro que nos beneficia hoje pode ser a cobrança do amanhã em forma de tragédia. Que as pessoas sejam capazes de fazer o bem sem olhar a quem, para receber o bem sem saber de quem. Que o respeito seja a moeda essencial nas relações humanas. Que a ética e a moral sejam práticas rotineiras em nome do bem coletivo. Que o mundo resgate o dom de se reinventar em suas verdadeiras evoluções, sem maquiar as mazelas que nos fazem reféns de sonhos vazios.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Feliz Natal

Frei Betto

Feliz Natal aos infelizes cativos do desapreço ao próximo, da irremediável preguiça de amar, do zelo excessivo ao próprio ego. E aos semeadores de alvíssaras, aos glutões de premissas estéticas, aos fervorosos discípulos da ética.

Feliz Natal ao Brasil dos deserdados, às mulheres naufragadas em lágrimas, aos escravos do infortúnio condenados à morte precoce. E aos premiados pela loteria biológica, aos desmaquiadores de ilusões, aos inconsoláveis peregrinos da vicissitude.

Feliz Natal aos órfãos do mercado financeiro, pilotos de vôos sem asas e sem chão, fiéis devotos da onipotência do mercado, agora encerrados no impiedoso desabrigo de suas fortunas arruinadas. E também aos lavradores da insensatez espelhada na linguagem transmutada em arte.

Feliz Natal às lagartas temerosas de abandonar casulos, ao desborboletear de insignificâncias cultivadoras de ódios, aos exilados na irracionalidade do despautério consensual. E aos dessedentados na saciedade do infinito, no silêncio inefável, nas paixões condensadas em prestativa amorosidade.

Feliz Natal a quem escapa dos indomáveis pressupostos da lógica consumista, dessufoca-se em celebrações imantadas de deidade, livre do desconforto da troca compulsória de presentes prenhes de ausências. E aos hospedeiros de prenúncios do leque infinito de possibilidades da vida.

Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta, e coleciona no espírito aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.

Feliz Natal aos devotos do silêncio recostados em leitos de hortênsias a bordar, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura. E a quem arranca das cordas da dor melódicas esperanças.

Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e carregam no peito a saudade do futuro. Também a quem mergulha todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identifica a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.

Feliz Natal aos dançarinos embalados pelos próprios sonhos, ourives sapienciais das artimanhas do desejo. E a quem ignora o alfabeto da vingança e jamais pisa na armadilha do desamor.

Feliz Natal a quem acorda todas as manhãs a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas a quebrar convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.

Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas para atirá-los no lixo do olvido, e se guarda no recanto da sobriedade. E a quem se resguarda em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.

Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar.

Feliz Natal aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores, aos escritores sem palavras. E a quem jamais encontrou a pessoa a quem declarar todo o amor que o fecunda em gravidez inefável.

Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia acobertados de compaixão. E a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos.

Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove despudorada liturgia eucarística, transubstancia o corpo em copo, inunda-se do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.

Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão, bordam toalhas de cumplicidades, secam lágrimas no consolo da fé, criam hipocampos em aquários de mistério.

Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia se pronunciar onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a quem voa inebriado pelo eco de profundas nostalgias e decifra enigmas sem revelar inconfidências; nu, abraça epifanias sob cachoeiras de magnólias.

Feliz Natal a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas. Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Mistério em Xapuri

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Na ecológica Xapuri, a população se indigna com a suposta ação de um “serial killer” de árvores. Há algum tempo, benjamins e outras espécies que adornam as ruas da cidade têm sido alvo do que se acredita ser envenenamento. Foi assim com a frondosa árvore que se localizava ao lado da Casa de Chico Mendes, tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e com um pequeno benjamin que fazia sombra para a tradicional barraca do Café da dona Maria, quase em frente à agência do Basa no município.

Desta vez, a vítima da série de estranhas ocorrências foi a mangueira da imagem acima, localizada em frente ao Posto Português, na rua Cel. Brandão. Provavelmente afetada por alguma substância, a árvore começou a definhar e já apresenta os primeiros sinais de que sucumbirá. Quase centenárias, as muitas mangueiras que orlam a principal rua de Xapuri foram plantadas nas primeiras décadas do século passado e são um dos símbolos da cidade.

Vários internautas se manifestaram nesta semana através das redes sociais protestando contra os supostos crimes. Como é comum nesses casos, todo mundo reclama, mas impera a lei do “ninguém sabe, ninguém viu”, apesar da última vítima, a mangueira, estar localizada em um dos pontos mais movimentados da cidade e onde geralmente sabe-se tudo o que ocorre no pequeno povoado.

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Resta indagar das autoridades ligadas à proteção do meio ambiente e do patrimônio municipal o que está sendo feito para desvendar o mistério. Na imagem acima, o benjamin ao qual me refiro acima.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Sem fronteiras

Olá Raimari, tudo bem?

Sou de Fazenda Rio Grande, PR (Região metropolitana de Curitiba), gostaria de parabenizá-lo pelo seu blog. Meu avô e sua família por parte de mãe moram aí em Xapuri, eu não os conheço, acho que ano que vem vamos nos conhecer, pois eu e minha mãe iremos para aí,  e pesquisando coisas sobre a cidade, achamos seu blog, e através dele vi a noticia sobre a horta do meu tiohttp://raimari9.blogspot.com.br/2012/07/exemplo-que-vem-do-sul.html”. Fiquei muito feliz ao ver essa reportagem.

Muito obrigado por ter nos (eu e minha mãe) proporcionado de ter lido essa reportagem sobre minha família!

Obrigada, e continue escrevendo pois eu o leio direto!

Att. Renata Gabriela.

Resposta do blog: Renata, é sempre um prazer servir. O blog esteve parado por um tempo, mas começa a se reanimar. Manifestações como a sua representam um dos principais motivos para essa retomada. Ao chegar a Xapuri, que seja muito bem-vinda. Estarei por aqui sempre às ordens. Tenha um feliz Natal e excelente Ano Novo.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Mera questão de justiça

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A história, a luta e o martírio de Chico Mendes, cujo assassinato completa 25 anos neste domingo, pela sua inquestionável importância para Xapuri, para o Acre e para o mundo, não merece ter nenhuma mentira, por ínfima que seja, relacionada aos fatos que ocorreram naquele 22 de dezembro de 1988, como a que consta na legenda da imagem acima, veiculada na página Uol Educação

A falsa informação que diz: "A rádio de Xapuri ficou fora do ar durante todo o dia de sexta-feira (23 de dezembro). O prefeito Vanderlei Viana, do PMDB, tirou a rádio do ar sob o pretexto de luto oficial na cidade. O objetivo era evitar que a notícia circulasse dentro da floresta de onde estão vindo os seringueiros que atuavam com Chico Mendes", seria retirada de uma reportagem da Folha de S. Paulo de 25 de dezembro de 1988.

O funcionário que estava de plantão na Rádio Educadora 6 de Agosto naquele fatídico começo de noite era este blogueiro, que aos 15 anos de idade acabara de iniciar sua história como radialista na pequena emissora. Ao contrário do que diz a legenda da fotografia em que Sandino carrega uma imagem do pai, a rádio sofreu uma pequena pane elétrica tendo retornado ao ar ainda na mesma noite.

No tenso e movimentado dia seguinte, também trabalhei no período da manhã e a emissora funcionou normalmente. O então prefeito Wanderley Viana jamais ordenou que a emissora fosse retirada do ar. Até penso que ele fosse bem capaz disso, mas não o fez. E para quem não sabe, garanto que Viana seria a última pessoa no mundo a quem eu defenderia de qualquer acusação. O faço por mera questão de justiça.

O blog vive!

Depois de mais ou menos três meses sem atualizar esta página, percebo que cerca de 80 teimosos leitores continuam a visitá-la diariamente. A insistência destes, somada às inúmeras cobranças que tenho recebido sempre que paro para conversar com alguém nas ruas de Xapuri, me fez resolver dar um sinal de vida, afinal o blog não morreu, mas apenas entrou em estado de catalepsia.

Escrever aqui me faz muita falta, e saber que o que aqui eu escrevo faz falta a alguém me envaidece e me anima a retomar as postagens e a movimentar os assuntos que tanto interessam àqueles que – assim como eu – nutrem um amor profundo por essa terra sofrida. Dias desses, ouvi de um declarado fã do blog que estava com bolhas nos dedos de tanto clicar – sempre em vão - no link que remete a este espaço. 

Aproveito a oportunidade para agradecer a todos e desejar um Feliz Natal e um próspero Ano Novo. Que a festa máxima da Cristandade seja celebrada em sua verdadeira essência, e não apenas como o mero evento comercial que a insanidade do capital tem produzido. Que 2014 chegue trazendo muitas energias positivas e, mais do que nunca, respeito pelas liberdades e diferenças.

É o que o Xapuri Agora! deseja.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Os velhos ladrões

CLÁUDIO MOTTA

A sua mãe um dia lhe disse que mentir para os outros é muito ruim, mas você não ouviu direito. Nem ligou. Rodopiou sobre o salto quinze. Sorriu como uma hiena. Olhou de lado feito um javali mostrando os dentes sem nenhum medo. Chutou o pau da barraca. Deu de ombros como uma mariquinha descalça com os nervos à flor da pele de bumbum de bebê. Nem aí. Dane-se o mundo que eu não me chamo Edmundo.

Então! Parece ilusão. Mas não é. É burrice mesmo, da grossa. E assim, para que estes escritos sigam para muito além do purgatório, em verdade vos digo que, segundo Maomé, 364, nos Textos islâmicos, os homens apreciarão as mentiras até o fim do mundo e relatarão anedotas como nunca ouvistes vós e vossos pais.

Na Bíblia Sagrada, para ser politicamente correto, está escrito que cada qual mente ao seu próximo falando com lábios fluentes e duplo coração. (Salmos 12,3)

Ora! Se eu quero roubar a tua alma ou o teu coração, ou se pretendo tomar posse do bem material que é teu, o meu ardil virá enfeitado por uma ou mais mentiras muito bem urdidas exatamente pelo ladrão que te pretende enganar. Ora, para te fazer o bem, dificilmente eu usaria a mentira. Nunca!

Pois bem. Ao contrário da afirmação do parágrafo lá de cima, quando se disse que mentir para os outros é feio, mentir para si próprio é adultério contra a própria alma que, no vai e vem da eternidade, está sempre a esconder-se das labaredas da casa do demônio, tal qual o Dante de Alighieri pregava no seu inferno, em A Divina Comédia.

Como sobreviveram e prosperaram os enganadores e ladrões maiores que a Humanidade conheceu desde tempos imemoriais, como espanhóis, franceses e italianos? Alguém os financiou, mas já não os financia. Os saques, a pirataria e as invasões às terras estrangeiras eram feitos por obra e graça de financiamentos milionários vindos dos monarcas patrões desses delinquentes históricos, juntos com os judeus neo-ortodoxos, ambos, mancomunados com a Santa Madre Igreja que àquela época  -  na Idade Média, e até depois  -  via-se envenenada por uma malta de padres assassinos, como os templários e os antigos jesuítas.

Sim, os jesuítas que vieram para o Brasil não eram tão somente pregadores da boa nova do reino de Deus... Não, senhoras! Eles vieram para cá com o objetivo de iludir os índios para que estes trabalhassem como escravos para o enriquecimento de Portugal e da antiga Igreja Católica. Segundo eles, depois de mortos de fome e inanição os nossos silvícolas habitariam o reino dos céus. Uma ova!

Eu próprio, em mil seiscentos e oitenta e poucos, na época em que ainda era um querubim de bunda gorda, conheci um sujeito de batina apelidado Frei Antonil... Este, sim, um grande pilantra, mandatário da Companhia de Jesus, uma espécie de administrador dos interesses da ordem e da Coroa portuguesa nos tempos do Brasil Colônia. E como esse camarada roubou! Pense num ladrão danado de metido a santo! Ele carregava no peito uma cruz de um palmo, em madeira escura, com o Cristo crucificado. Ah, ordinário!

Esse Antonil, ao chegar à Bahia, tornou-se logo o inimigo número um de Antônio Vieira, o célebre pregador de boa alma e autor do fantástico Sermão da Sexagenária.

Vieira discordava completamente dos métodos escravagistas do Antonil com relação aos índios brasileiros. Àquela época, o padre ladrão dizia aos quatro ventos que a consciência moral (católica) já estava inteiramente dobrada às razões do mercantilismo colonial. Por que a igreja não podia escravizar os índios se todos os fazendeiros já o faziam?

Colocações como esta, inscrita no livro Cultura e opulência no Bra-sil, mais tarde, fizeram as delícias de Karl Marx. Eu, de minha parte, associei tudo isto diretamente às relações entre seringueiros e seringalistas amazônicos do século passado.
Vamos dar um salto de quatro séculos. Já sou um humano comedor de tripa, bucho e mocotó. Virei macho, maxixe, maduro e doce. Se me lembro hoje nunca fui nenhum anjo ontem, até porque esta é uma época em que os espadachins devem exercer o seu papel de reprodutores com extrema competência, sob pena de serem acusados de atentado violento ao pudor e ao poder  -  gaypower  -  da rapaziada do chiclete e da alegria.

Quando o Vargas Llosa escreveu A guerra do fim do mundo, a pata do boi já machucara, e muito, as últimas raízes de seringueira. Os homens da floresta, inclusive os índios, já se alojavam em barracos fétidos na periferia das cidades maiores do Acre. Chico Mendes, o ecologista, já se fora a passear em outros mundos em busca de mais e mais emoções.

O roubo praticado pelos ingleses, segundo o Joe, veio para matar a sede de riqueza dos seringalistas acreanos  -  muito em especial  -  que escravizavam os seringueiros no meio da floresta à cata de látex.

A grande senhora dos mares era a Inglaterra. Era esta nação que dava as cartas e manobrava como queria o comércio internacional. Todavia, os magnatas ingleses não tinham nenhum controle sobre a borracha, que era exclusividade da floresta amazônica.

Conforme o escritor americano Joe Jackson, acima descrito, para o Brasil do início do século vinte, a borracha era o que hoje é o petróleo para a Arábia Saudita. Uma riqueza estupenda.

A Inglaterra colocou em prática, então, o primeiro e mais marcante plano de biopirataria registrado nos anais da roubalheira mundial, quando contratou a peso de ouro um bioladrão chamado Henry Wickham que, de posse de um navio de grande calado, entrou de madrugada pelo Rio Amazonas adentro, enganou índios e seringueiros e os fez embarcar setenta mil sementes de seringueira que foram plantadas no Jardim Botânico de Londres. Daí as mudas foram para se tornar, depois, árvores adultas no Ceilão, Malásia, Cingapura e países vizinhos que, dominados pelos ingleses, passaram a ser os grandes produtores atuais da borracha com que são fabricados os pneus para os bilhões de carros que circulam pelo mundo inteiro.

E mais uma vez me vem a mente o Chico Buarque. Enquanto isto, dormia a velha pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações...

Então, voltando para o imponderável século dezesseis, é preciso observar que os ladrões dos tempos gatunos  -  esses que dizimaram incas, maias, astecas e toltecas  -  foram importados diretamente de Espanha, pagos a bom dinheiro por dois monarcas altamente sacanas, o Fernando e a Isabel. O dinheiro ganho nos saques e nas invasões era dividido entre o rei, a rainha e a bandidagem extremamente habilitada para tal em treinos e matanças nas ruelas e becos escusos de Madrid, Barcelona, Pamplona, Alicante, Bilbao, dentre outras.

Em aqui chegando, os assassinos espanhóis passaram a exercitar o seu esporte predileto: matar índios americanos do sul e do centro e roubar-lhes riquezas geradas a partir da prata e do ouro produzidos em quantidades suficientes para arregalar a butuca dos ladrões mais audazes de que a Humanidade tem notícia, o rei Fernando de Aragão, o ganancioso, e a rainha Isabel de Castela, a aloprada.

Os piratas e congêneres eram os ratos do mar. Ficavam por até seis meses à deriva, comendo peixe e bebendo água de chuva. Morriam de beribéri. Corpos pútridos eram atirados diariamente às águas. Até que um dia, avistavam uma ponta de pedra. Ali haveria o que roubar. Eles lá iam, matavam as pessoas e delas tomavam tudo o que havia de valor.

E hoje? O que é feito dos espanhóis? Onde estão os herdeiros dos velhos corsários, piratas e bucaneiros de Itália, de Espanha, de França, de Inglaterra? Em quais dos infernos se escondem esses salteadores? Eles não mais roubam tanto porque já quase não têm a quem roubar. Os judeus são muito espertos. Os americanos do norte ensinam padre nosso a vigário. Os americanos do sul são muito pobres, e assim por diante. Em verdade, os europeus gatunaram meio mundo e agora são vítimas dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que eles próprios criaram. É deveras engraçada a história. Talvez eles estejam mais pobres que nós cá do terceiro mundo.         

Veja bem, dona principesca. Trago comigo interpretações da história bem ao meu modo, em que sejam consideradas as possibilidades de um engano ali e dois acolá. Todavia, uma falha dessas seria desculpável, pois, como escrevi dia desses, não mais sou um cientista. Habito já os campos etéreos da literatura. Exerço a tal licenciosidade poética. Por aí tem dito de mim ser apenas um cronista de meia tigela. Nem pronto, nem acabado, mas ao ponto.

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*José Cláudio Mota Porfiro foi dado à luz de um abril qualquer no Principado de Xapuri.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A opulência dos espíritos

*CLÁUDIO MOTTA

As almas ali habitantes eram de uma riqueza nunca dantes vista. A pobreza de coração lá não tinha guarida. Ali não havia espíritos mesquinhos, porque todos estavam prontos a se ajudarem, a se complementarem. Na hora necessária, no momento do infausto, nos golpes aplicados pela vida, todos estavam reunidos para resolver o problema ou para chorar a dor do irmão que sofria.

Falo-vos da Xapuri do meu tempo de criança e adolescente, uma época em que os meus pais foram alvos de favores que iam da assistência ao pé do leito de minha mãe que se contorcia com as dores do parto, às aulas particulares, de cortesia, com que fui brindado por aqueles corações infinitamente benignos. Por Deus!

Com relação à vida de menino pobre por mim vivida, em verdade vos digo que foi, às vezes, um tanto azeda, mas, na maioria das ocasiões, foi mesmo bem divertida, apesar das limitações e da falta de oportunidade para ir à matinê do vetusto Cine Rialto.

As minhas primeiras lembranças vêm dos anos sessenta, época em que aprendi a ler, aos cinco anos, contando com o talento da Regina, irmã de criação, hoje viajante de outros mundos, que me ensinou as primeiras letras e que ainda é o meu ponto inicial de referência na arte da busca da letra e da rima doce da poesia perfeita. Benza-nos o Onipotente!

Em casa, havia uma mesa grande, onde Regina, a irmã, dava aulas particulares para os filhos da elite média baixa lá dos meus cafundós. Foi lá que tomei contato pela primeira vez com José Edmilson Gomes Figueiredo, o Bacana, José Raimundo Barroso Bestene, o Marrau, e Cláudio da Costa Ferreira, o Cadite, expoentes da escolinha. Havia ainda o João Amorim Caminha, o Pançudo, e mais dois garotos um tanto arredios, atônitos, filhos do Seu Dino, o do Café, dentre outros menos cotados. Vi alguns pais  -  que não são necessariamente destes garotos  -  levarem varas de bambu para que os filhos fossem alcançados à distância pelo açoite da professora que nunca ficava enfezada e nem batia em ninguém. Mas ameaçava. Enfim, era aquela a raiz mestra do método brabo do carrancismo baseado na pancada, a fórmula básica a partir da qual grandes homens foram criados lá em Xapuri.

Observador que nem coruja, bem ao lado da professora Regina, eu me postava atento aos mínimos detalhes do que devia e do que não devia aprender. Em suma, aquela primeira escola foi a grande escola da minha vida, uma vez que os alunos todos tinham idade maior que a minha, uns mais, outros muito mais.

Eis, então, a base a partir de onde alcei os primeiros voos. Mas tudo ocorreu da melhor forma possível porque a pequena cidade era formada basicamente por parentes, amigos, compadres, camaradas. Lá, até havia um homem cujo nome era Parente Amigo. Verdade!

E o vai e vem ainda é grande na memória mais anterior. Há personagens dos mais variados matizes possíveis. Uns marcantes. Outros bem pior que isso.

Todo menino observador tem um ou dois ídolos moleques maiores que fazem as proezas mais incríveis que poucos conseguem. Tinha um molecão meio doido e um outro, primo dele, mais maluco ainda. A barra era uma brincadeira que consistia em um grupo correr atrás do outro até tocá-lo. Perdia o grupo que menos conseguisse alcançar os integrantes do outro. Esses dois carregavam codinomes bastante sugestivos. Um era o Índio-ruço. O outro era o Dapuí. Quanta vadiagem! Que apelidos fantásticos! As mães deles não foram tão criativas quando lhes pespegaram os nomes verdadeiros de Jorge e Antônio, como o santo da Capadócia, na Turquia, e o outro de Pádua, na Itália. Aliás, no Xapuri da minha época, todos ou quase todos tinham os apelidos mais alusivos que já vi na vida. Já pensou o tanto de poesia que cabe no nome de um moço chamado Caboclo da Morena? Espetacular! Magistral!

Certa noite, então, aí pelas oito, da janela da casa da minha tia Lourdes, na Rua Batista de Moraes, só assistia o movimento dos meninos, posto que a minha avó cearense furibunda jamais permitiria que eu participasse de uma contenda tão doida.

O ápice da doidice era quando os dois primos atravessavam o Rio Acre, à noite, a nado, claro, um atrás do outro, com a finalidade exclusiva de não perder o jogo... E iam e voltavam, como se nada tivesse acontecido, apesar de molhados até as almas pouco santas e nada virtuosas. Jamais.

Nunca fui dado a apanhar sol, de forma alguma, a não ser quando, aos quinze e dezesseis anos, fui obrigado pela vida a trabalhar calçando as ruas da nossa pequena e famosa Xapuri. Apesar do subterfúgio que era me esconder das moças, minhas amigas do colégio, que transitavam pela cidade e poderiam me reconhecer com a camisa amarrada à cabeça, foi também um tempo de bastante aprendizado ao lado de figuras como o Aurélio da Maria de Belém, o Antônio Maria, o Fernando Rasteireiro, o Célio Tigurão, o João Uchôa, o Edgar Mão de Pilão e o Estêvão da Dona Amélia. Joias raras da coroa da cidade princesa.

Pois, então. Em menino, via o sol brandir meio dia em ponto e uns moleques de famílias abastadas misturados a uns outros um tanto desfavorecidos, mais ou menos da minha idade, ficavam a empinar  papagaio no meio da rua ou nos espaços urbanos entre o grupo escolar e a igreja. Era mesmo assim, minha senhora. Lá havia as famosas guerras de pipas no céu, tal e qual é descrito na poesia do Chico Buarque. E, como em qualquer área da experiência humana na terra, aí também se destacavam talentos natos na arte de ficar de cara para o sol tentando cortar a linha das pipas um do outro. De novo, eu cá da janela do meu observatório, agora instalado na Rua Vinte e Quatro de Janeiro, ficava a analisar os truques e manhas e trejeitos dos craques cujas almas voavam nos céus através dos seus sonhos de moleques de futuro. Lembro um melhor que o outro, como o já citado Cadite, o Mirim, o Luís Carlos Simão, o Bainha, o Tufizinho, dentre muitos.

Boas lembranças estas, meus amigos! Que Deus lhes abençoe onde quer que estejam.

Eu aprendia tudo, na teoria, uma vez que, na prática, nunca consegui levantar um papagaio, jamais joguei peteca bolinha de gude, não derrubei sequer uma manga porque não acertava pedradas, apesar das dezenas de mangueiras e apesar de estes frutos amadurecerem em profusão na época no início do inverno. Estrategista de dar gosto à minha mãe, não fui craque de futebol porque a escola deveria ser levada a sério porque a escola forma para a vida e a vida deve também ser levada muito a sério. Era esta uma das máximas e a filosofia dela, da Dona Nenen do Seu Gibiri.

- É preciso caprichar em tudo, meu rapaz! - Eram as palavras de mamãe desde muito cedo da minha vida, até por último, quando o dia dela se fez noite escura, depois de oitenta e quatro voltas ao redor do sol de Deus.

Já aos doze, quase um adulto, pela manhã, ia ganhar alguns trocados, mas também estava em busca de uma profissão. Trabalhei ou fui aprendiz do moveleiro mais exímio de Xapuri, o Elias Monteiro Luz, codinome Breque. Aprendi, principalmente, a manusear ferramentas de marceneiro que hoje não mais existem, como o graminho, a galopa, o sargento, a torquês, a serra de volta e o arco de pua. Ajudei o bom homem a fazer os caixões nos quais enterramos homens e mulheres de muita eminência da minha cidade. Muitos foram diretos para o céu. Outros, nem tanto.

Aos domingos, na missa das crianças, às nove da manhã, lá estávamos nós, eu e os meus irmãos mais velhos e também os mais novos que sempre acreditaram nas obras da  Divina Providência. De início, pouco entendia do riscado, uma vez que a Santa Missa era rezada em latim.

Ave Maria, gratia plena. Dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus, et benedictus frutus ventri tui, Iesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.      

O Padre Carlos Maria Zuchinni  mandava muito bem, mas eu tinha uns cinco anos e não manjava patavina. Só depois é que estudei latim, na Ufac, e consegui entender as idas e vindas do genitivo, do possessivo e do ablativo da língua dos romanos da era clássica da Humanidade.

Com as bênçãos da avó cearense iracunda, pertencente à Congregação de Nossa Senhora das Dores, aquelas mulheres que portavam uma fita roxa ao pescoço, tornei-me, enfim, um sacristão de brilho um tanto opaco cujo currículo não foi dos mais brilhantes posto que, apesar de uns quatro anos no ofício, poucas vezes cheguei ao posto máximo da ordem cuja função mais importante entre os nossos era balançar o badalo ou a campainha do Padre José na hora do Santíssimo.

Também, pudera! Havia um garoto, quase um rapaz, que quase levava para casa o instrumento de fazer o barulho divinal da Consagração. Era o Tião da Dona Oneide, um quase irmão nosso que se preocupava muito mais em vigiar o badalo ou dar cascudos nos menores que mesmo com alguma outra coisa que tivesse a ver com os preceitos dogmáticos da Santa Madre Igreja.

E por aí a vida foi sendo tocada de barriga cheia, porque o estivador lá de casa, além do grande pai que foi, era ainda um competente caçador.

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*Cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br   -  Dê sugestões!

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O juiz, a imprensa, o mensalão

João Baptista Herkenhoff

Este artigo não se refere a pessoas, mas sim a princípios jurídicos. Suponho que a reflexão sobre esses princípios será proveitosa, especialmente na semana em que algumas pessoas pretendem, de maneira equivocada, julgar moralmente o Ministro Celso de Mello, a partir de seu voto de desempate no chamado processo do Mensalão.

Os princípios são aplicáveis hoje, como foram aplicáveis ontem e serão aplicáveis amanhã.

Tentarei elencar alguns princípios que constituem a essência do Direito numa sociedade democrática.

1. Jamais o alarido da imprensa deve afastar o magistrado da obrigação de julgar segundo sua consciência. Ainda que a multidão grite Barrabás, o magistrado incorruptível caminhará sereno através da corrente ruidosa e, se não estiver plenamente convencido da culpa do acusado, proferirá sentença de absolvição. Da mesma forma, se as ruas gritarem “inocente”, o magistrado reto e probo condenará, se a consciência lhe apontar o veredicto condenatório como o justo à face do caso.

2. O princípio de que, no processo criminal, a dúvida beneficia o réu permanece de pé. Resume-se nesta frase latina: “In dubio pro reo”. É melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente.

3. A condenação criminal exige provas. Não se pode basear em ilações, inferências, encadeamento de hipóteses, presunções, suposições. Mesmo que o juiz esteja subjetivamente convencido da culpa, não lhe é lícito condenar se não houver nos autos prova evidente da culpabilidade.

4. No estado democrático de direito todos têm direito a um julgamento justo pelos tribunais. Observe-se a abrangência do pronome “todos”: ninguém fica de fora. Este princípio persevera em qualquer situação, não cabendo excepcioná-lo à face de determinadas contingências de um momento histórico.

5. Todo magistrado carrega, na sua mente, uma ideologia. Não há magistrados ideologicamente neutros. A suposta neutralidade ideológica das cortes é uma hipocrisia. Espera-se, porém, como exigência ética, que a ideologia não afaste o magistrado do dever de julgar segundo critérios de Justiça.

João Baptista Herkenhoff, 77 anos, é Juiz de Direito aposentado, palestrante e escritor. Seu mais recente livro tem este título: Encontro do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves. (GZ Editora, Rio de Janeiro).

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mônica, Cebolinha, Cascão e o hábito de leitura das crianças

Antonio Luiz Rios*

Numerosos estudos demonstram que as crianças que leem têm mais facilidade de aprendizagem e melhor rendimento escolar. Ante tal constatação e a certeza de que os livros são caminhos obrigatórios na busca do conhecimento e formação dos indivíduos, é fundamental toda iniciativa que estimule o hábito de leitura na população infantojuvenil.

Nesse sentido, as feiras de livros cumprem missão importante, ao desenvolverem atrações lúdicas para as crianças que as visitam, seja em companhia das famílias ou nos programas coletivos organizados pelas escolas. Há toda uma magia nesse contato tão próximo entre os leitores mirins, as obras e os autores, cuja presença, autógrafos e interação com o público são fatores estimulantes ao ingresso dos pequenos no universo fascinante da leitura.

Corroborou minha crença sobre a importância para as crianças dessa integração de autores e leitores, a XVI Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, de 29 de agosto a 8 de setembro de 2013. No evento, foi possível testemunhar, em numerosas oportunidades, o encantamento que o livro pode causar no público infantil, quando apresentado como algo que instrui, educa, diverte e ensina de modo atrativo e instigante.

De modo mais especial, observei esse fenômeno ao lançarmos a coleção “Biblioteca da Turma”, série com seis livros multidisciplinares, voltada ao apoio didático, que trata de civilizações antigas, animais pré-históricos, esportes olímpicos, Floresta Amazônica, crianças no mundo e arte nos museus brasileiros. A alegria e a energia do contato entre o público mirim e o autor, Maurício de Souza, eram sintomas inequívocos de queMônica, Cascão e Cebolinha estavam conquistando novos e perenes leitores. Esse caráter lúdico também reforça a importância do e-book, em suas distintas formas, como fator indutor da leitura no público infantil. Também foi possível verificar isso na Bienal do Rio de Janeiro, ao lançarmos plataformas e aplicativos. Esses livros “conversam” com a criança do Século XXI numa linguagem que ela entende e gosta desde os primeiros impulsos da consciência.

Enfatizada a importância das feiras, não podemos, contudo, subestimar o insubstituível e crucial papel das escolas e das famílias no estímulo das crianças. A última edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, elaborada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), mostra algo interessante: os professores são, hoje, os principais incentivadores da leitura, ultrapassando as mães, que figuram em segundo lugar.

O mesmo estudo mostra que esse processo de estímulo tem funcionado, pois no universo dos estudantes (64% da população ou 114 milhões de pessoas), o nível de leitura atingiu 3,41 exemplares per capita nos três meses anteriores à realização da pesquisa. Desse total, 2,21 livros são indicados pelas escolas, divididos em didáticos (1,72) e literatura (0,49). Com certeza, podemos e devemos avançar ainda mais, conduzindo nossas crianças e jovens ao universo do livro. Este é o caminho mais seguro para a definitiva conquista de nosso desenvolvimento; é o nosso melhor legado às presentes e futuras gerações.

*Antonio Luiz Rios, economista, é o diretor-superintendente da Editora FTD.

domingo, 15 de setembro de 2013

Premeditando a solidão, como no samba

*CLÁUDIO MOTTA

Ele estava afixado à parede do velho solar há pelo menos sessenta anos. Amarelecera. Cansara de ficar dependurado ali naquele canto por tanto tempo. Os bigodes caíam-lhe para dentro da boca. Algum bolor chegava a parecer catarro escorrido do grande nariz aquilino. Os olhos já não eram vistos devido o fluir da poeira do tempo. Já não agüentava mais.

À meia noite, dele para ele mesmo e para quem estivesse por perto, havia um revirar de olhos, um ranger de dentes, um arrastar de alpercatas de couro cru feitas ainda no Ceará. As tábuas do assoalho gemiam taciturnas sem que ninguém as pisasse. Um pigarro curto e grosso também era ouvido depois de anos em vida fumante. A gravata tornara-se uma mancha. O paletó era preto, a camisa branca, a foto era em preto e branco, obtida em um tempo distante, quando ainda não havia fotografia, mas tiravam-se retratos.

Os filhos se foram em busca de estudos e nunca mais voltaram nem em visita à casa paterna. Abandonaram os pais, à época, já com bastante ouro negro nos alforjes. Casaram-se, um no Rio de Janeiro e a menina em Belém. Nunca mais deram as caras, mas continuavam recebendo o dinheiro que o velho mandava para as suas contas no Banco da Lavoura.

A esposa libanesa desaparecera em meio a uma friagem seca de dez dias causadora de um surto de gripe forte que assolou o rincão e matou pra mais de dez velhinhos, só na pequena cidade. Depois do enterro, o velho encarquilhara ainda mais e já voltara pra casa com os bigodes brancos, tamanho foi o dilema.

Pela cidade, andava com as mãos para trás e os olhos postos no chão da sua história de rico dono de seringais a perder de vista. Dizia ele que gostava de manter a vista baixa, para não topar no pedregulho que lhe impunha uma vida antes tão calorosa e animada pela presença dos filhos pequenos, em alegria borbulhante à custa de muito dinheiro.

Arrendara a terra para um outro nordestino na base do meio a meio. O mais novo trabalhava e transformava tudo em dinheiro. Ele, bem mais velho, levava a sua metade e a guardava em um cofre forte de ferro fundido vindo de Belém do Pará. Como gastava pouco  -  a não ser o que mandava para os filhos e com alguns víveres para a sobrexistência miserável  -  o dinheiro exorbitava, vazava pelas beiradas dos alforjes de couro cru por ele próprio fabricados quando ainda moço... Uns duzentos.

O tempo passou com a rapidez de um maçarico de beira de rio de verão. Uma tumba antiga hoje é a sua morada na parte mais velha do cemitério da cidadezinha anciã. Jamais uma vela ali foi acesa por ninguém e muito menos pelos filhos que talvez já não tragam nem o seu sobrenome, Serzedelo. Não há uma rua ou uma viela no lugarejo que leve o nome do velho cearense de chapéu grande. Viveu mais de quarenta anos e vegetou outros trinta e poucos. Andava pelas ruas da cidadezinha com as mãos nos bolsos fartos e as vistas assentadas no chão da sua história de cachorro velho solitário. Tendo sofrido muito por esta vida de Deus, morreu sem conseguir aprender o mínimo sobre a arte de ser só, o que não é tão fácil, nem tão difícil, basta ensaiar.

É por isto que tenho visto por aí muitos a fazerem treinamentos diários cujos objetivos são aprender a ser só, a viver sem nenhuma lástima do futuro que não foi construído com o cuidado e com a argamassa do amor. Se ele queria carinho, teria feito germinar e cultivaria bem querer, apego, afago, afeto. Mas assim não aconteceu. Dizia não ter encontrado tempo para certas mesuras com gente muito delicada, para ele, que era apenas um bronco muito fanático por ganhar um dinheiro que foi para as contas bancárias dos filhos que do pai sequer um dia chegaram a gostar.

Cá de minha parte, a velhice que há de vir não me parece, de modo algum, o melancólico vestíbulo da morte. A mim, ela se afigura, antes, com as verdadeiras férias grandes, depois do esgotamento dos sentidos, do coração e do espírito que foi a vida. Pare o mundo que eu quero descer. Será chegada a minha hora e a minha vez. (Deixa está! Quem não quer ficar velho deve morrer enquanto moço. Receita facílima.)

Sabemos que tudo neste mundo depende do esforço que empreendemos para o alcance dos nossos objetivos. Está claro que o meu poder de concentração há de me levar longe demais. Não devo perder o foco. Por isto, quando não mais me quiserem enquanto diretor de coisa alguma, para os tempos de inverno da minha existência, guardei uma nova profissão que se fará bem rentável, em termos financeiros mesmo.

Volto-me a ti, mais uma vez, ó pecador contumaz!

Há um treino diário através do qual tu te tens tornado um escritor de meia pataca, mas que defenderá o teu milhão de dólares vorazmente, uma vez que sonhar vem de Deus e é sempre na base do zero oitocentos. Ademais, a cada dia ficas mais fera no campo da cibernética. Noto até que aprendeste o excel e cloud computing. Nunca tiveste medo dessa máquina dos infernos chamada computador. Na verdade, praticas um puta exercício para que os neurônios não morram colados um ao outro ou emparedados em cérebro pouco produtivo. Fazendo uso de gíria antiga, aos setenta, daqui a vinte e poucas voltas, ainda estarás na crista da onda e irás para a balada curtir um rock n’roll... Afinal, as academias de ginástica e os suplementos existem para nos deixar prazenteiros até o fim dos dias.

Quer aprender a ser só? Viajar por aí sozinho já é um bom exercício. Nas últimas férias, por exemplo, tu ficaste por vinte dias no Rio de Janeiro a meditar sobre as coisas da vida, acerca da razão e da emoção que já voa para longe de ti, esta última. Refletiste a respeito das paixões e das aventuras por esta vida mundana, sobre os últimos acontecimentos que envolveram o coração vagabundo, isto, é claro, entre um chopinho e outro porque também vós não sois de ferro.

É bom olhar com carinho as palavras do Millôr. Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver. Um homem começa a ficar velho quando já prefere andar só do que mal acompanhado.

Tu tens vivido, por último, a lembrar que, no romance Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Marquez deixa registrado que o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

Sem querer radicalizar, não é necessário ficares preso a fórmulas como a que prega que há apenas uma diferença entre o lobo e o homem, na velhice. Enquanto o lobo entra nos bosques para esperar o seu fim sozinho, o homem, quanto mais sente que a morte se aproxima, mais busca companhia, mesmo se ele se aborrece e se ela o aborrece.

Não há essa necessidade pequeno burguesa para os espíritos preparados para a solidão. De bem com a vida e ainda com o espelho, se é que tu conseguirás, ó camafeu, hás de pagar, do teu bolso, e não às expensas da previdência social, a bom dinheiro  -  cinco mil pratas, talvez!  -  uma bela e jovem atendente de enfermagem, sem nenhuma formação intelectual, que te fará o acompanhamento ao médico, além de uns carinhos quando os estimulantes sintéticos o permitirem. Deus te fez assim. Mariposo dos infernos! Segue o teu tempo e o teu caminho em paz, ó fauno mulherengo!

Afinal, haverá de prevalecer a máxima fora de moda segundo a qual o ancião merece respeito não pelos cabelos brancos ou pela idade, mas pelas tarefas e empenhos, trabalhos e suores do caminho já percorrido na vida.

É claro que tu muito o fizeste. Ide em paz e muitos te acompanharão até a tumba, se tiveres ainda algum dinheiro que se faça suficiente para pagar o velório e o féretro na maior orgia, na base do champanhe e ova de esturjão.

Ora! Viveste porque viveste... E bem, obrigado.

*Cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

domingo, 1 de setembro de 2013

Meritíssimo

João Baptista Herkenhoff

Quando eu era Juiz de Direito em atividade, causava-me certo incômodo o tratamento “meritíssimo”. Meritoso, adjetivo que significa digno de apreço ou de elogios, ainda seria aceitável. Mas meritíssimo, superlativo de meritoso, parecia-me um exagero totalmente sem propósito. Mas se eu advertisse a parte, fosse advogado ou cidadão comum, a respeito da impropriedade do tratamento, certamente não seria entendido. A ressalva, que eu fizesse, seria recebida como censura ou descortesia. Por esta razão, se o advogado, com a melhor das intenções, colocava a frase “meritíssimo, peço a palavra”, eu simplesmente respondia: “tem a palavra, doutor”.

O homem do povo, o trabalhador, o agricultor fica perturbado com o palavrório da Justiça. A palavra deve ser fonte de entendimento. Através do verbo as pessoas se comunicam, agradecem, fazem pedidos, manifestam sentimentos. No caso da Justiça, as expressões difíceis, as sessões secretas, as cancelas e muros, as togas, o aparato, tudo isto dificulta a relação dos cidadãos com as cortes forenses. Daí que os excessos devem ser evitados. Entretanto, numa outra vertente, há um certo encantamento com o mistério das palavras e a solenidade judicial. Relato um episódio a respeito deste ângulo da questão.

Numa comarca do interior onde judiquei, havia um homem que amava o vocabulário refinado. Ele era muito estimado na cidade. Fazia parte do júri. Vibrava de contentamento quando era sorteado para o conselho de sentença. Alguém lhe deu um dicionário de presente e ele se deliciava mergulhando naquele mundo encantado.

Certo dia ele foi ao forum e disse ao porteiro dos auditórios que desejava uma audiência com o juiz. Conduzido até a sala onde eu me encontrava e pretendendo me dirigir um grande elogio, disse-me com reverência:

“Meritíssimo, eu admiro sua petulância senil.”

Certamente o Santiago (que era o nome desta pessoa) ficou maravilhado com a sonoridade do proparoxítono petulância e com a força do oxítono senil. A junção das duas palavras pareceu-lhe maravilhosa. Deve ter consumido muito tempo em esforços, pesquisas e canseiras para construir aquela frase através da qual pretendia homenagear o meritíssimo.

Eu não podia responder apenas com um “muito obrigado”. Iria decepcioná-lo se me valesse de uma forma tão modesta de agradecimento. Era preciso manifestar minha alegria no mesmo diapasão. Foi o que tentei fazer, dizendo:

“Muito obrigado, preclaro amigo Santiago, muito obrigado por sua nobilíssima intenção”.

Falando desta forma eu não estava mentindo ou sendo hipócrita. Na verdade, estava agradecendo ao grande Santiago seu desejo de prestar sincero tributo ao juiz que ele tanto estimava.

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.

sábado, 24 de agosto de 2013

Basta dizer que sou do Brasil

*CLÁUDIO MOTTA

No mundo encantado da poesia e do bem querer, conhecemo-lo por Rimbaud, o poeta tosco nascido no verdejante vale do Akiri. Versos escandalosos ou ensimesmados, então, personalizaram-se e houveram por bem nascer nos domínios de Girão, em um tempo em que o rio comandava a vida e a seringueira sangrava, porque a feriam de morte morrida todos os dias de fartas décadas.

A última viagem feita pelo poeta à Irlanda, ou Eire, como era chamado antigamente, rendeu um conto de estação aclamado pela crítica quase nacional. Têm dito por aí coisas fantásticas relativas aos voos rasantes que são dados por sobre pântanos em alagação, campos em flores e corações aos pedaços.

Ele conheceu gentes e monumentos de estilos e épocas bem diferenciados. Teria ficado restrito a Oslo, a Noruega, mas a achou com um gosto de bacalhau fresco ou ardido, que lhe fez ruídos nas narinas e pigarros nos tímpanos, ou vice-versa. (Só para enrolar o bom intérprete com o qual seria melhor nunca se arriscar, se é que é possível... Eles têm a alma ruidosa e dizem ver naquele, ou em outros escritos quaisquer, coisas jamais tratadas por Carlos Drummond de Andrade, ou pelo meu amigo poeta bêbado, o Charles Baudelaire, com quem o bardo tem o prazer de se engalfinhar em tertúlias alcoólicas na pérgula da Vivenda do Petrópolis, à beira da piscina, ou no Pato Tropical, o boteco escolhido por dez entre dez acreanos de boa origem, como aquele que, felizmente, nasceu em Xapuri, daí o condão poético melífluo e quase afrodisíaco, escrevamos assim.)

O Charles Baudelaire, meticuloso até as tripas, houve por bem perguntar os porquês de o vate haver ambientado o seu conto logo na tão longínqua Irlanda, como se ele tivesse alguma coisa a ver com o tempo, o espaço e os personagens ali descritos.

Para quem já esteve em Dublin, como o poeta, torna-se fácil responder. Trata-se de uma velha e muito bem cuidada cidade da Europa medieval, como tantas, tão bela e tão romântica quanto os braços curtos e magros e nus da donzela da segunda fila  - aquela florzinha  - do meu teatro de gozos; mais, muito mais aconchegantes que as pernas grandes e voluptuosas da morena sentada ao fundo do pavilhão das lindas tetas ou das belas artes.

Com a primeira anja, a poesia poderia fazer amor. Com a outra, os versos fariam sexo frugal, acasalamento, algo mais selvagem e bruto e trivial e suculento e rude, como a alma do seringueiro que repudiou a mocinha só porque a via enquanto lânguida demais. Lamentável para um rincão onde, naqueles tempos áureos da borracha, mulher era igual agulha na folhagem caída da castanheira hoje morta.

Como um Quixote, em sua viagem miraculosa, ele varreu quase toda a Europa. Esteve sob os encantos dos alabastros e das prostitutas  -   as almas gêmeas da primeira dama da safadagem romana, Messalina, de dezessete anos, casada com Claudius, o Imperador, de sessenta e duas voltas do velho ponteiro mundano cansado e jamais exaurido.

Como Barba Azul, ele ouviu as trombetas do inferno tocarem meio-dia em ponto, quando uma mosca amarela zumbiu-lhe ao ouvido dizendo ser aquela a hora exata de cair fora, porque corações despedaçados podiam colar-se e, numa revolta macabra, reclamarem o sangue das cem virgens devoradas pela lascívia do sedutor tarado.

E os séculos voaram vertiginosamente no rumo de cá. Chegaram, enfim, ao terceiro milênio.

O poeta envelhecido em tonéis de carvalho, qual vinho tinto, saiu por aí, mais uma vez, a manchar os vestidos alvos das musas de um tempo de recreio em média idade.

Um dia, então, novamente ensandecido sob o efeito do suco da cevada podre, aportou em Lisboa para uma revisitação depois de anos que já se iam distantes. Foi ainda à Cidade do Porto e à Vitória de Setúbal. Dali, seguiu o caminho mais uma vez para Málaga, Barcelona e Sevilha, na Espanha. Em trem acrobático reluzente, foi a Paris e, depois, a Nice e Bordeaux, onde, em um lupanar caro da zona portuária, conheceu dama de vida idílica com quem engendrou romance pinga fogo. Chamava-se Antoinette, uma lourinha em unhas, lábios e vestidos vermelhos e ancas descomunais, em cuja companhia impermeável viajou por cinco longos anos a conhecer a Europa pelo lado do avesso, o da sacanagem. O dinheiro era proveniente da jogatina, esporte no qual ainda é uma águia dos Alpes ou um gavião de Xapuri.

Em camisa onde o amarelo predominava sobre o verde, estava escrito Sou do BRASIL. À sua passagem, cavalheiros e damas, da plebe ou da aristocracia, faziam reverências e espalhavam sorrisos e votos de boas vindas.

O doidivanas troteava à cata de cassinos, inclusive, em Monte Carlo, Mônaco e Lichtenstein. Não havia tempo ruim. Tratava-se de um brasileiro festivo e feliz admirado, inclusive, por aqueles que para ele perdiam grandes quantias em euros.  

A dama de companhia explicava a todos em um sotaque arredio, uma vez que viajara do Brasil para fazer a Europa, como prostituta, ainda infanto ou juvenil,  na década passada:

- Piranha é mulher que transa para morder fundo, tirar o sangue e ganhar muito dinheiro. Já galinha é aquela que se apaixona pelos amantes e morre na pobreza... No Brasil é assim. Cada qual no seu cada qual. As pessoas são muito felizes. Não dizem que rico ri à toa? Pois é. Os brasileiros são mesmo muito abonados, inclusive, espiritualmente. – No que era apoiada pelo poeta tosco:

- Além do Carnaval, do futebol e do samba, as mulheres do Brasil são as mais belas do mundo. Afora o fato de serem muito prendadas e atléticas nas alcovas tropicais, são esposas muito dedicadas, como é o caso de Antoinette, a minha amada que hoje se diz francesa.

Perguntaram-no, então, acerca do que fazia ou no que trabalhava para manter um padrão de vida tão luxuoso, uma vez que morava em uma garçoniere ampla com vistas para o mar de Bordeaux. Sem nenhum pejo, ele arremeteu:

- Sou brasileiro e, como tal, aprendi truques e fórmulas que me fazem viver bem sem ter que fazer tanto esforço. Afinal, os estrangeiros que vêm para a França para fazer a parte suja e pesada do trabalho que não é feito pelos franceses são os turcos do norte da África, para quem qualquer gorjeta já vale toda uma vida de privações e preconceitos.

O meu herói sabia onde dormiam as andorinhas e onde se divertiam os magnatas, os banqueiros e os armadores ricos do sul europeu. Lá estavam eles e para lá é que o poeta tosco rumava. Sem muitas cartas na manga do fraque, só algumas, ganhava do primeiro para dividir o lucro com o segundo, com quem combinara tramóia irremediável que não levantava suspeita. Vivera no Rio de Janeiro e aprendera as artes marciais, as da capoeira e as do amor, além da arte do trambique, esporte no qual os brasileiros são campeões antes de iniciada a primeira partida do campeonato carioca.

Um dia, então, o poeta Rimbaud foi perguntado por que folgava tanto enquanto se divertia pela Europa afora. Foi extremamente incisivo ao responder:

- Não esquenta não, mermão... Basta dizer que sou do Brasil!

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*Cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br  -  Acesse e opine!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Cena inusitada

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Numa dessas tórridas tardes de agosto, no cemitério de Xapuri, uma  persistente dupla monta guarda em um túmulo em cuja capelinha se abriga uma cadela no cio.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Cães nas ruas de Xapuri

Sou Médico veterinário e prometi cuidar dos animais, mas também me sinto responsável pela saúde humana e não é de hoje que vejo e me indigno em que situação chegou a população de cães de rua em Xapuri, em ver inúmeros animais doentes, ver quantidade de vezes pelas ruas e mais, muitas vezes em uma lanchonete ficamos rodeados de cães.

Não sei porque a população aceita isso, porque a prefeitura não tenta fazer algo para conter a proliferação destes animais. Muitos cães possuem donos, mas parece que aculturou-se criar animais nas ruas e não em casa, até onde eu sei o cão é um animais doméstico e deve ser criado em casa.

Os cães de rua além de representarem um risco físico, causar acidentes, também podem ser veiculador de inúmeras doenças para outros cães como a parvovirose e cinomose, inclusive ser um poderoso vetor de zoonoses – doenças transmitidas de animais para o homem. Entre as zoonose mais temida, esta a raiva, entre outras como sarna e a leishmaniose que apesar dos cães não transmitirem a leishmaniose  diretamente ao homem ele acaba sendo o hospedeiro desta doença.

Deixo aqui minha indignação.

Fábio Fernandes
Méd. Veterinário

sábado, 17 de agosto de 2013

Brasil inicia testes da vacina contra a dengue

Anvisa autorizou o Instituto Butantan a iniciar a etapa clínica do imunobiológico. O Ministério da Saúde está investindo R$ 200 milhões na pesquisa da dengue e outros produtos biológicos.

O Brasil começa avançar no processo de desenvolvimento da vacina contra a dengue com a permissão do teste em seres humanos. A Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (Anvisa) emitiu nesta sexta-feira (16) comunicado especial que autoriza o Instituto Butantan a iniciar a etapa de pesquisa clínica do imunobiológico. O Ministério

da Saúde está investindo R$ 200 milhões no Instituto Butantan, o que inclui a pesquisa para a vacina da dengue e projetos de outros produtos biológicos.

A pesquisa do laboratório público deverá ser realizada com 300 voluntários e terá cinco anos de duração. A autorização é para a fase dois do estudo e tem como

finalidade analisar a efetividade, a eficácia e segurança da vacina tetravalente, que pretende prevenir a população contra quatro sorotipos da doença (1, 2, 3 e 4). Os

testes em humanos serão realizados em três centros de pesquisas clínicas em São Paulo: no Instituto Central (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-

USP); no Instituto da Criança (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e no Hospital das Clínicas (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP).

O Instituto Butantan iniciou a pesquisa da nova vacina em 2006 e, para tal, contou com a construção de um laboratório piloto, bancos de células e de vírus dos quatro

sorotipos da dengue. Se a vacina for aprovada em todas as etapas de pesquisa clínica, poderá ser comercializada e distribuída à população. A perspectiva do governo

brasileiro, em caso de sucesso em todas as etapas, atender a demanda global e exportar a vacina contra a dengue.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, considera que a autorização para o início dos testes em humanos é um grande passo para o enfrentamento da doença. Ele ressaltou

que a medida está alinhada aos esforços do governo para proteger a população contra a dengue. “O avanço da pesquisa de um laboratório público, no caso o Butantan,

reforça o comprometimento do país com o combate à dengue, uma das priorioridades para o Ministério da Saúde”, afirmou. Além disso, o ministro ressaltou o caráter de

vanguarda do imunobiológico, que ainda não é produzido no mundo.

A PESQUISA - A segunda etapa da pesquisa, também chamada de estudo terapêutico piloto, visa demonstrar a segurança, em curto prazo, do princípio ativo e a

bioequivalência de diferentes formulações do produto. Os testes são realizados em um número limitado – e relativamente baixo – de pessoas e registram como os voluntários

respondem às doses administradas. A partir desses resultados, a pesquisa poderá ser ampliada para um público maior, em larga escala, a chamada fase três do estudo. O

imunobiológico também é pesquisado em outros países e por laboratórios privados.

Além do Butantan, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também está pesquisando uma nova vacina contra a

dengue com apoio do Ministério da Saúde. Os estudos são realizados desde 2009, em parceria com o laboratório privado GSK.

INVESTIMENTOS - O Ministério da Saúde tem investido fortemente em políticas para o controle da dengue. Diversas ações foram implementadas nos últimos anos

em apoio aos estados e municípios, entre elas o aprimoramento da capacidade de alerta e resposta à doença, por meio dos sistemas de vigilância para detecção

precoce de surtos. Também foram destinados recursos, aos estados e municípios para financiamento das ações de vigilância, o que inclui o controle da dengue: R$ 1,05

bilhão em 2010; R$ 1,34 bilhão em 2011; e R$ 1,73 bilhão em 2012. Além disso, todos os municípios receberam adicional de R$ 173,3 milhões, efetuado em dezembro de

2012, para ações de qualificação das atividades de prevenção e controle da dengue, visando prevenir a intensificação da transmissão que sempre ocorre no verão. Em

2011, foram R$ 92,8 milhões para 1.159 municípios.

Em novembro do ano passado, o Ministério da Saúde lançou campanha de mobilização contra a dengue e intensificou a sua divulgação durante todo o período de maior

ocorrência da dengue em 2013. Também foi oferecido aos profissionais de saúde ensino a distância em manejo clínico do paciente com dengue, por intermédio de

curso promovido pela UNASUS, conhecido como Dengue em 15 minutos. Além disso, as secretarias de Atenção à Saúde e de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde,

vem prestando assistência técnica para organização da rede de serviços de saúde ao atendimento dos pacientes com a doença e apoio às atividades de prevenção e

investigação dos óbitos suspeitos de dengue.

Por Daniela Martins, da Agência Saúde-Ascom/MS.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

De amores e de bolachas

CLAUDIO MOTTA

Se não fosse volúvel como sou, seria um santo bem à moda das carolas mais fundamentalistas do século anterior ao meu. Tiro daí, então, advertência cruel segundo a qual uma das grandes perfeições do universo está exatamente na instabilidade do humano. A inconstância marca o passo da humanidade que se arrasta pelos becos e vielas do mundo, e não tem certeza da sua aposta no futuro que pertence tão somente a Deus.

Veio a mim gentil senhorita a dizer que a perfeição não é assunto a ser tratado comigo. Disse-me que muito me assemelho ao anjo exatamente porque tenho buscado ser o homem que anda nos trilhos com a certeza de que o trem não me atropelará. Tem razão a Isadora!

É por isto que vou vivendo e arrastando, com os andrajos mundanos, a volúpia do meu tempo chorão e ensaboado como a pele macia da morena da terceira fila, o quindim de jerimum da minha prosa poética, às vezes tão corrosiva ou sardônica ou irônica ou satírica. Em outras ocasiões, está lá estendida no chão duro da história uma poesia tão esquelética e melíflua e bela e sensual e nua e crua, como o arroz sem sal com o que mamãe me alimentou aos onze meses. Quanto encantamento!

É verdade, senhora lucidez. Varri o barraco do chão. Derrubei a vela e a tapera conjugal pegou fogo. Resolvi, enfim, dar um basta no relacionamento. Vossa Mercê mesmo há de lembrar, certamente, aquela máxima segundo a qual o sujeito perdeu uma chave velha e mandou logo fazer uma novinha em folha. Passados uns dias, então, ele achou a chave antiga e, morrendo de amores tardios, resolveu guardar a chave recente no fundo do coração e passou a fazer uso da anterior... É aquela coisa do até que a morte os separe, se é que a Isabela me compreende.

Ah, pois bem. Certo é que voltei às velhas manias, ao amor mais antigo do mundo, pensando naquelas certas coisas que já não são comuns nos nossos dias, numa alusão à modinha bem conhecida, como o gesto singelo que é mandar flores à professorinha jeitosa e linda.

Há mais de vinte voltas, eu houvera abandonado o velho amor por um amor do finzinho dos anos oitenta, quase noventa, novinho de dar gosto. Pitéu. Uma delícia e uma carícia a cada minuto dessa vida bandida e devassa engendrada por Deus e mantida por Ele mesmo. Esse era o nosso diapasão de muitos filhos insolentes e orgias indizíveis, tendo em vista o horário contra pornográfico e os censores da época.

Era feliz, sim. Mas sou e serei volúvel, sempre e de uma vez por todas. Viver uma aventura a cada duas décadas, ou a cada três semanas, é sempre bom para fígado e para os olhos dos que têm a alma vadia vaca cara lavada com sabão neutro, como eu.

O caso de amor barulhento, que substituiu o primeiro, teve real início quando nós juntamos os panos de bunda, isso, em noventa e um. Eu não a conquistei. Ela me seduziu. Vivemos dias felizes ao redor dos filhos gerados, paridos e criados com muito gosto e austeridade. Ganhamos bastante dinheiro. Quase ficamos ricos juntos, um tirando proveito do outro. Eu usufruía o que ela podia me dar e ela comprava com o que podia gastar, a rodo, na fuzarca e no carnaval das ilusões mais pífias.

Ela me fez largar de beber, digamos assim, por uns cinco dias, como costumeiramente faço desde os tempos de devaneio. (Bebo às sextas e nunca aos domingos, sem nenhuma sobriedade, é lógico.) Com muito gosto, segui-lhe os conselhos e passei a receber, aos sábados e demais dias, visitas de filósofos e historiadores de outros mundos, de Platão a Lênin, de Heródoto a Marc Bloch. Fabriquei o bem querer da academia. Dei à luz teses acadêmicas laureadas e de muito fôlego. Filhos gloriosos que logo cedo ficaram adultos e adúlteros, como eu. Sem nenhum pejo.

Mas o tempo não se rendeu e o destino fez das suas. Foi-se embora a volúpia das primeiras épocas. A libido passou a andar de bar em bar à procura de um amor dos velhos ou de novos tempos. Havia chegado, então, a época em que o verdadeiro grande amor não é tão durável e quase vira incesto... (É sabido por todos que, com a convivência por tanto tempo, o marido passa a ver a esposa como se fosse a sua irmã intocável.) A Gaia Scienptia, meu segundo amor, já dera o que tinha de dar.

Larguei-a solenemente em meio a um desses rendezvous da vida. Já a alma sacana se apaixonara perdidamente por Artêmis Littera, uma deusa de rua ligada a uma família de literatos de cordel vindos do sertão do Ceará.

Gaia foi por mim repudiada. Era já terceiro milênio. O casamento era bom, mas fadado ao fracasso dadas as diferenças de objetivos entre as partes. Ela, já em média idade, quis de mim o rigor, a seriedade, o corte epistemológico sem desvios. Ao passo que Artêmis Littera, prima de Mnéster, é jovem e sensualíssima, principalmente, porque vai falando uma linguagem que renasce a cada dia de cada milênio.

Numa rodada de cerveja, então, no boteco do Pato Tropical, apareceu moça esguia, alta, loura e divinal na sua dança de ancas largas, vinda de uma longa viagem por mundos distantes de mim. O meu amor de infância havia feito plástica. Colocara seios zero bala, botox e bunda arrebitada de carne sintética, além do modelito a la Bündchen.

Por que não correr para aqueles braços de pelo em blondô? Por que não voltar? Voltei e hoje temos já quase mil e duzentos filhos que pensam em se tornar milionários, como nós, tão fúteis, mas tão cheios de amor pra dar e jamais para vender.

Em suma, na adolescência, namorei a bela e sensual literatura. Depois, já na idade adulta, tive um caso de doze anos com a filosofia. Hoje, mais uma vez, já ao cair dos dentes, estou de amores ensandecidos nos braços da sempre jovem poetisa que me quer de novo depois de se ter deitado com milhões de pulhas e poetas farsantes como hoje o sou.

Eu era sonso em um tom acima. Depois evolui e passei a volúvel, inconstante mesmo, habilidoso demais com a poesia feita de palavras voadoras que cortaram corações pulsantes sob seios juvenis.

Assim é a vida. Há amores novos que substituem os anteriores, e amores anteriores que ficam no lugar dos novos. A fila é grande e não nos é permitido perder o tempo que vale ouro enchendo-nos de tantos escrúpulos e atitudes vãs.

Um dia, então, um desses varões ilustres do meu século vinte, houve por bem falar que mulher é que nem bolacha, porque em todo canto se acha. Ao que a fêmea, inteligentíssima, pra lá de sacana, respondeu que homem é como biscoito, pois vai um e vêm dezoito...

Minha queridíssima madrinha Eulália Brasileiro. Que a vaidade não me enfeie e a verdade não me minta. Lembras? Foi bem no meio dessa gente que eu nasci e cresci cafajeste para um mundo cheio de bordões, picardias e mil malandragens próprias do gênio do labirinto e da moça despudorada e nua, que encanta os mil pretendentes fazendo uso de uma flecha voadora mágica e sensual. Ah, os meus amores!

Era aquele um tempo fantástico e de paixões avassaladoras. Cruzes!

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José Cláudio Mota Porfiro é um mero cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

domingo, 4 de agosto de 2013

A irresistível saga da moça que roubou o homem de alguém

*CLÁUDIO MOTTA

Viver a modernidade em alto estilo é algo bastante dispendioso, oneroso e até certo ponto insidioso ou capcioso, digamos assim. Se não bastasse a seda e o linho, ainda há que comprar amor como se compra o vinho, quando, na busca da mais cristalina verdade, há o bem querer na praça, onde o amor pode vir de graça, bem devagar, solertemente... E basta ter paciência e um pouco de pertinência, quando o sentimento puder valer à pena.  É também conveniente o ser sensível dos que farejam a felicidade que está em qualquer canto da cidade ou em lugar algum.

Ainda bem que eu sou um mero inexperiente para quem tudo é urgente, embora sequer tenha estilo e muito menos um afeto. E o mal pior é que não sei mais onde está o apego, o meu chamego, a mulher de um homem só. Tenho-o observado exposto, à venda, em bancas de revistas, no boteco da esquina, em restaurantes caros e lojinhas do mercado popular. Então, o órgão do peito acelera e a poesia flui severa. Ah, quem me dera, viver ainda essa quimera, talvez eu a tenha deixado escapar ontem, anteontem ou em século algum. Foi, sim, por esses dias que o poetinha disse ao meu pé do ouvido:

- Ei, menino! Arrisca-te... É preciso muito siso, muita seriedade e pouco riso, para viver um grande amor.

E foi aí que ela acordou. E foi aí que a briga começou.

Estava a esposa a emprestar pistas sobre o que gostaria que houvesse no seu aniversário próximo. Ela disse que queria algo que fosse de zero a cem em cerca de três segundos. Disse o marido então que lhe compraria uma balança... E foi aí que o pau quebrou. Sobrou presença de espírito. Faltou sensibilidade.

Daí em diante, os temporais se sucederam a cada dia de cada semana de cada mês. A vivenda virou cabana e, depois de um vento brando, uma leve aragem, a casa caiu, o barraco desabou, no dizer do poeta quase acreano. Vinte anos de casados, dois filhos adolescentes que presenciaram o caos.   Coisas da modernidade.

Foi quando a moçoila adentrou o restaurante caríssimo em cadência de ancas largas e ligeiramente fagueiras. Vendia amor a preço irrisório ou por valor alto, dependendo do contato, daquela coisa de pele, que virou moda entre os mais sensíveis ao toque, ao olho no olho, ao lábio com lábio, ao voyeurismo das mãos irrequietas. (Isso já tá ficando sacana demais!)

Ele meditava sozinho à luz do dia do restaurante de primeira linha. A mão balançava as chaves do carro de luxo à porta. As coisas já iam de mal a pior e aquela beldade se derretia em sorrisos, sozinha, em uma mesa próxima, bem em frente à dele, um cinqüentão de roupas finas, anti rugas, visitas ao dermatologista, academia de ginástica por religião, poses e sorrisos estudados, educados, poesia requentada nos lábios, cartões de crédito internacionais e tudo o mais, em síntese, pronto para viver o amor em média idade com aquela florzinha de apenas duas dezenas de primaveras. Um quindim de jerimum!

- Vamos assumir o relacionamento. O que é que tem? Não há porque não. Esquece aquela doida lá de casa, e pronto! – Foi o que disse a ele a alma aventureira própria, que se acostara bem ao seu ouvido.

- Sou executivo de uma empresa internacional do ramo de automóveis. – Ao que ela respondeu:

- Eu, cá de minha parte, estou prontinha da silva para uma aventura secreta ou a céu aberto, do jeito que for.

Houve uma troca de celulares naquele lugar espaçoso, próximo ao banheiro, onde os homens se diferenciam dos meninos. Em nada mais que três minutos, ali bem próximo ao píer, já ele gentilmente abria a porta do bólido preto luxuoso que lhe servia de meio de transporte. Em menos de duas horas, já estavam os dois naquele local divino, ninho da sacanagem e do acasalamento frugal. E haja fôlego para não se fazer de rogado na frente de uma atleta de pouco tempo de serviço, e cheia de habilidades aprendidas em almanaques onde se ensina como bem vender o amor de verdade, o amor a esmo, misturado com torresmo, seja lá como for.

Deu certinho. Nem se deram ao luxo da discrição. Saíram do motel com os vidros abaixados. Já na praça, tomaram o tacacá da maria preta, um na mesma cuia que o outro. O Zé havia nascido para aquela alminha linda, morta de gostosa na sua tez alva como as nuvens da Ilha de Páscoa, do Pacífico Sul, onde passariam as próximas férias do verão asiático. Principalmente, ele acabara de nascer, sim, para assumir todas as continhas dela, na boutique, na perfumaria, no esteticista, na loja de jóias, na concessionária do carrinho dourado, e assim por diante. Seriam e são felizes por dois anos ou para sempre até trocarem tiros no boteco, na cantina ou na garagem da esquina. Talvez até dê certo. Tudo depende de ser ou estar sempre ereto, de prontidão, na boa, sem recuar, sem cair, sem temer... E sem ficar pobre, claro, isso nunca. Cruzes!

Mas tem sempre uma vizinha fofoqueira e enrugada para quem os anos perderam o sentido do ser e do estar. Foi aí que a Fifi entrou em cena sem nenhum pudor. Morta de ciúmes porque a filhinha encantadora, de quinze aninhos, houvera caído nas graças e estava barriguda de um zé ruela qualquer, desses que invertem noite e dia em busca de prazeres entre basilares e cheiradas letais, ela fez comentários atrozes:

- Essazinha aí, heim! Deu-se muito bem. E como é que não ia dar e gostar se ele tem com o que pagar? Descolou o velhote metido a besta. No futuro, dá-lhe um chute na bunda, fica com as coisas dele, e pronto. Com o vidro preto no carrão, ninguém chega sequer a ver a cara do come gente. Cá entre nós e o povo da Estação, ela roubou o marido de alguém. No mínimo, há agora uma família sem arrimo, uma esposa em desatino e filhos que já não contam com a presença do pai salafrário e pegador feito a peste. Arre égua!

É assim a vida moderna. Cada um dá o que tem, ou vende a preço de banana, ou em troca de uma bêemedábliu, de um corolla preto, ou de um palacete em Jurerê Internacional, Floripa... Melhor que em Vegas. Lá, o pessoal do cassino fala inglês.

Fiquei, digamos, meditabundo, depois das ocorrências drásticas. O amor tem sentido, vale a pena, mas também vale ouro trabalhado pelas mãos melhores ourives.

Ó minha caríssima Amanda, razão dos meus ais. Por ti esses sinos malvados e outras cositas mais dobram, a minha cuíca repica e o meu florete desembainha. Tudo é tão normal para os pós-modernos, como esses meus botões viciados e os zíperes escorregadios. Muito embora os fundamentalistas teimem, o casamento continua a ser como o submarino, posto ter nascido para afundar... Enquanto uns lutam, choram e se descabelam para não perder a consorte, a amada amante que lhe reservou Deus, outros, ao contrário, têm uma puta vontade de que um dia ela ou ele lhes afirme estar gostando de alguém, este, já um clichê em meio aos que começaram a trair para jamais deixarão de coçar.

Voltando aos pombinhos da irresistível saga, um dia, então, ainda em idade imatura, ela houve por bem enviar a ele um bilhete ensimesmado, um pouco aguado, mas cheio de amor pra dar. Anotou a ninfa que eram eles feito água de moinho que jorra para o futuro, sem medo do escuro. Vento no varal de um tempo que ainda vem, de barco ou de trem. Afã da juventude afoita tremeluz sorrateira, daquela maneira. O élan da vida viva ativa a borbulhar, e encantar. Farfalhar de folhas na primavera, uma quimera. Acalanto pra quem sofre ou é feliz, ou por um triz. Aragem no quintal do primeiro sol que marca o dia. Da ciranda de crianças no pátio escolar, nada devagar. Orvalho leve da madrugada tardia, não mais fria. Amanhã tem mais poesia e hoje é dia de ser feliz mais uma vez, e sonhar... É assim a vida vadia de quem é feliz mesmo sem saber.

Dois anos depois, o adeus foi inevitável e a bancarrota também.

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*José Cláudio Mota Porfiro é um cronista desatrelado: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.