terça-feira, 30 de março de 2010

The best player

por Armando Nogueira

Está fazendo 50 anos, este mês, a instituição popular mais conhecida no mundo inteiro; mais conhecida e mais cortejada também. Onde quer que apareça, dá-se logo uma alegria entre as pessoas. Pedem-lhe autógrafo em Los Angeles, no corredor de um Jumbo em pleno vôo, na mais longínqua maloca africana, na alfândega de Moscou e na porta do Vaticano. Aqui no Brasil, nem se fala. Até parece que ele acabou de fazer um gol de placa no jogo da véspera. E, no entanto, não chuta uma bola de súmula há cerca de vinte anos.

Mas, quando chutava, ah!, com que graça e beleza ele exercia o dom de jogar futebol. Sua arte tudo suportou e a tudo suplantou: craque, chuva de vento, pontapé, perna-de-pau, campo careca, guerra de nervos, quebranto. Trocava com a bola assombrosas figurinhas, e com Coutinho, idem, idem, tabelinhas. Os outros subvertiam a lei do jogo para não deixá-lo passar, e ele, a da gravidade, para não chegar atrasado. Tinha sempre mais um gol a fazer. Um, por Nossa Senhora da Ajuda, outro, para uma criança doente, outro mais para comprar a mobília de quarto do roupeiro do clube. Promessas que ele assumia em nome de seu grande amor ao futebol.

Fez mais de 1 000 gols e muito mais teria feito se não fora, como canta Camões, para tão longo amor tão curta vida.

Conheci-o numa noite remota no Maracanã. Acabara de marcar dois dos cinco gols que o Santos enfiou no América, paixão de Lamartine Babo. Fui vê-lo de perto no vestiário. Tinha, então, 16 anos.

Era franzino, uma criança. No corpo retinto reluzia ainda o suor do jogo. Perguntei-lhe:

- Quem é o melhor centroavante do Brasil?

- Eu - respondeu com naturalidade.

- E o melhor meia-esquerda?

- Eu também - já agora, com um sorriso.

Deixei o Maracanã sem saber direito se acabara de conhecer um pirralho convencido ou um eleito dos céus.

Como estávamos no ano de 1957, o leitor já percebeu que minha dúvida não durou muito tempo. O menino do vestuário ganharia com o Brasil, já no ano seguinte, o Mundial da Suécia.

Felizes os que pressentem. Louis Armstrong fazia uma temporada de show em Santiago. Jogava-se, então, o Mundial do Chile. Ao assinar o caderno de um fã, Armstrong dá com o autógrafo de Pelé, destacado na página. Entre a assinatura dele e a de Pelé, Armstrong abre parêntese e escreve com letra de imprensa: The best player in the world. Fecha parêntese e celebra, com uma gostosa gargalhada, a feliz circunstância que lhe permitia homenagear o nosso craque com um frase que, em inglês, podia se aplicar a ele também.

O magistral trumpetista não entendia de futebol, mas teve o lampejo que eu não tive aquela noite longínqua do Maracanã. O menino prosa que entrevistei tinha a luz dos predestinados.

Pelé já era o melhor muito antes de ser; e continua sendo, mesmo depois de ter sido.

Texto escrito em 1990 e publicado no livro O Vôo das Gazelas.

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