segunda-feira, 9 de abril de 2007

Prospecção de petróleo e gás no Acre: solução ou ameaça?

Na próxima quinta-feira, dia 12, em Rio Branco, acontecerá o primeiro debate público sobre a prospecção de petróleo e gás no Acre, quando toda a população do Estado será informada e poderá se manifestar sobre o polêmico projeto para o qual o senador Tião Viana destinou emenda ao OGU no valor de R$ 75 milhões. O evento, que deverá ser realizado no Teatro Plácido de Castro, acontecerá, coincidentemente, na mesma semana em que a revista Veja e o Fantástico da Rede Globo chamaram a atenção para a ameaça do aquecimento global, cujo principal elemento causador é a queima de combustíveis fósseis.

O debate tem prevista a participação do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que irá relatar a experiência de exploração de petróleo do Alaska, e do professor Arsênio Oswaldo Sevá Filho, doutor em Geografia Humana pela Universidade de Paris-I e professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. Formado também em Engenharia Mecânica de Produção pela USP, Sevá é um dos grandes especialistas brasileiros no assunto e se confirmar a sua presença, será uma oportunidade definitiva para todas as pessoas interessadas no assunto conhecerem melhor o projeto e contribuírem com suas participações para as decisões que virão no futuro.

Acompanhando à distância as discussões acerca do tema, a única coisa que se pode perceber de real e concreto é o total desconhecimento do assunto por parte da população acreana, não da matéria em si, mas dos significados, importância e aspectos negativos e positivos que o projeto pode apresentar para o futuro do Acre. Os debates sobre o tema estão restritos à troca de farpas entre defensores e opositores da prospecção, jornalistas e representantes de movimentos ambientais, ficando, portanto, o cidadão comum alheio àquilo que, entre outros princípios, caracteriza o Estado democrático de direito em acreditamos viver, o acesso à informação com condições que permitam ao homem simples do povo expressar seu pensamento e opinião.

Um veículo que tem contribuído sobremaneira com o debate aberto e democrático é o weblog do jornalista Altino Machado (que é contra a prospecção), mas, infelizmente, a internet ainda está longe de ser um espaço acessível às classes menos favorecidas do ponto de vista social e econômico, que compõem a maior parte da massa humana que vive e sobrevive nesse Estado. A discussão precisa ganhar os veículos de comunicação de maior alcance, pois somente a informação nua e crua, na maioria das vezes eivada pela parcialidade e pela defesa de interesses pessoais, não é suficiente para colocar luz sobre um assunto que pode representar a possibilidade de profundas mudanças no futuro do Estado, sejam elas boas ou ruins. O debate dever ser expandido sim, mas à luz do bom senso político e da coerência com os valores, princípios, vocação e necessidades da maior riqueza que o Acre possui que é o seu povo.

O projeto de prospecção de petróleo e gás coloca o Acre diante de um terrível dilema. Considerando-se a real existência de jazidas em condições viáveis de exploração, seria justo denegar ao Estado, um dos mais pobres da federação, as vantagens econômicas, geração de emprego e renda, que poderiam advir dos royalties oriundos da produção de petróleo e gás? Por outro lado, seria correto submeter a região alvo dos estudos e os povos que nela vivem aos supostos perigos dos impactos ambientais que podem (e devem) resultar do processo de exploração? São questionamentos que não podem e não devem ser respondidos sob a tutela de argumentos simplistas, preconceituosos e superficiais, do ponto de vista do conhecimento técnico e científico da questão. O fórum de debates deve apontar, longe das divergências político-partidárias e ideológicas, para as saídas que mais se aproximem da condição de possibilidade de desenvolvimento para o Acre, conjugada com preservação ambiental e garantia de melhoria da qualidade de vida dos povos que habitam no entorno da região, que representam o elemento mais importante do tema em epígrafe.

Algumas justificativas – contra e a favor - colocadas com relação à prospecção são inconsistentes. Não se pode utilizar os diversos impactos ambientais já causados no Acre e suas mazelas, para justificar outro possível risco de desequilíbrio ambiental. Deve-se, sim, combater esses impactos, minimizar seus efeitos, e evitar a sua progressão. Por outro lado, a experiência do município de Coari, onde a Petrobrás possui uma base de exploração de petróleo e gás, na Província de Urucu, que mesmo com os benefícios decorrentes dos royalties pagos pela Petrobrás continua enfrentando sérios problemas sociais como prostituição generalizada, aumento do consumo de drogas, enriquecimento dos traficantes de maconha e cocaína, desestruturação familiar, gravidez precoce e etc, não pode significar que no Acre o resultado será o mesmo.

O resultado desastroso de Coari, do ponto de vista da manutenção de sua pobreza, como afirma o editor do blog Coaripolis, Francisco José Lima da Silva, radicado na cidade, certamente é fruto da má utilização dos recursos públicos por parte dos seus governantes, que não investiram o dinheiro no combate aos problemas sociais básicos da comunidade, nem na melhoria das condições de vida da população, consequentemente. É, então, uma outra história. O problema aí não está no fato da exploração do petróleo e gás ocorrer em Urucu e sim na má gestão política da cidade de Coari.

No Acre, segundo o que escreveu o jornalista Romerito Aquino, após acompanhar a visita da comitiva acreana a Urucu, “os royalties advindos da exploração de petróleo e gás seriam aplicados em projetos de uso múltiplo florestal em todas as regiões do estado, gerando renda para os povos da floresta e fazendo o Acre ser o primeiro estado da Amazônia a deixar de derrubar e queimar sua floresta, que por si só poderá representar milhões de dólares com o avanço do mercado internacional de crédito de carbono. Um mercado onde quem tem floresta pode receber muito dinheiro de quem não tem, ajudando a reduzir a emissão de gases de efeito estufa que podem superaquecer o planeta”. É uma possibilidade tentadora.

Em documento dirigido ao senador Tião Viana, o ambientalista Miguel Scarcello, secretário da Associação SOS Amazônia, afirma que “a exploração de petróleo é dinheiro certo. Caso venha de fato a acontecer, trará muitos recursos e empregos para os municípios acreanos. Porém, a exploração pelo homem do recurso natural petróleo, o transformou em um dos principais motivos para acelerar o efeito estufa e as mudanças climáticas que estão em curso. Apesar da tecnologia moderna e avançada, sua exploração é responsável pelos mais graves acidentes ambientais no planeta, que causam fortes alterações aos ambientes afetados e as populações atingidas”.

Scarcello também fez referência à construção das duas hidroelétricas em Rondônia e da hidrovia no Rio Madeira. Segundo ele, não houve repasse antecipado de informação e discussões prévias com as comunidades da região. “Quando o projeto foi anunciado, o mesmo já estava pronto e acertado. As audiências que ocorreram foram apenas para fazer os acertos finais e melhorar os acordos políticos”, disse o ambientalista, temendo que o mesmo ocorresse no Acre.

Ao voltar de Urucu, quando acompanhou a comitiva acreana junto com senador tião Viana, para conhecer Urucu, Scarcello já se mostrava menos preocupado. Uma dos primeiros a se opor ao projeto de prospecção de petróleo e gás no Acre, Scarcello demonstrou entusiasmo com os aspectos ambientais da experiência da Província de Urucu. Mudança de concepção ou ajustamento de idéias? Verdade é que a grande maioria dos representantes de movimentos ambientais que estiveram lá voltaram tranqüilos e satisfeitos com a idéia da prospecção no Acre.

Percebe-se então que até mesmo alguns ambientalistas possuem dúvidas quanto ao tema e não têm, ainda, uma opinião definitivamente formada sobre o assunto. A propósito, antes que me perguntem, vou logo dizer que sou a favor de que sejam realizados estudos sobre a existência de jazidas e, junto a isso, que todos os níveis de riscos existentes ao meio ambiente sejam rigorosamente estudados, cuidadosamente diagnosticados com a apresentação de laudos inquestionáveis e que seu detalhamento seja, em tempo real, informado população que têm que dar a última palavra.

Quanto à queima de combustível fóssil e as iminentes mudanças climáticas, antes de pertencer ao Acre, essa questão pertence ao mundo. O Brasil mesmo, de acordo com o ambientalista Fábio Feldmann, em entrevista à revista Veja, tem se negado a assumir compromissos maiores com os acordos de redução de emissões de gases poluentes em nome da sua condição de país em desenvolvimento. Se o petróleo ainda é a principal matriz energética do planeta e o país ainda luta para manter a condição de auto-suficiência no produto, o Acre pode, sim, fazer a sua experiência em descobrir e explorar jazidas petrolíferas, mas dentro de todos os critérios e normas já citados e mantendo o compromisso de apreender os avisos que estão sendo feitos pela comunidade científica internacional de reduzir emissões e continuar procurando alternativas para esse modelo de produção.

Um comentário:

ALTINO MACHADO disse...

Caro Raimari, parabéns pelo artigo, que contribui para o bom debate sobre a questão. Está reproduzido parcialmente no meu blog. Bom trabalho!