Entrevista: Geógrafa Bertha Becker defende o desenvolvimento na Amazônia na luta contra o aquecimento global e seus efeitos
O melhor remédio para a Amazônia contra as mudanças climáticas e as transformações que essas podem gerar no seu ecossistema está no desenvolvimento responsável e sustentável da região segundo a professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bertha Becker.
Mais do que a simples preservação, a professora acredita que a região precisa encontrar uma maneira de gerar renda com a exploração equilibrada de seus recursos e biodiversidade para se proteger da ameaça do desmatamento. Em entrevista exclusiva ao site Amazônia ela defende o investimento público e privado em ciência e tecnologia, a produção de alimentos e até o aumento da geração de energia para combater o aquecimento global na região.
Que papel a Amazônia pode vir a ocupar em um cenário de aquecimento global?
A minha idéia é de que a Amazônia poderá ter um papel enorme se ela se desenvolver na medida em que eu tenho visto e proposto: utilizando a biodiversidade, as águas da floresta de uma forma não destrutiva. Isso porque se ela não sofrer muito com essa condição climática, ela poderá ser uma área mais importante ainda no sentido da produção de alimentos, geração de energia e outros produtos. Não se pode deixar que continue havendo a expansão de frentes agropecuárias, para derrubar e queimar a floresta.
De que maneira se pode conter esse avanço na região de floresta?
Com desenvolvimento. O desenvolvimento de tecnologias adequadas, de ciência adequada, sabendo o quê, como e onde tem que desenvolver o quê. É necessário promover produção capaz de gerar lucro e renda que possam ser distribuídos com o trabalho para o bem estar para a população. Não se pode alcançar o bem estar da população na região sem o crescimento econômico, sem o crescimento da produção. Não há desenvolvimento social sem rendimento econômico. Na Amazônia especificamente, tem que ser crescimento econômico baseado no uso do potencial natural regional, sem destruí-lo. Para isso precisa de ciência e tecnologia, precisa de mudanças institucionais e precisa de adequação diferentes sub-regiões Amazônia, e não se pode investir igualmente em todos os lugares. Desenvolvimento é importante do ponto de vista da população, para que tenha emprego e renda baseados na produção que na Amazônia tem que ser muito especial para usar todos os recursos que ela tem sem destruir esses recursos. É o grande desafio.
Como a senhora vê possível a geração de energia na região?
A geração de energia pode se dar, por exemplo, com a construção chave de algumas pequenas usinas e outras maiores na Amazônia, mas nunca isoladamente. Elas têm que ser implantadas dentro de um planejamento integrado pensando na navegação, na eletricidade, na pesca, nas pessoas, na produção de alimentos, etc. De maneira que se possa fazer um planejamento integrado de toda uma a região e não algo isolada de uma usina que arrebenta tudo. Além disso, na Amazônia há a possibilidade de se desenvolver bioenergia. Há múltiplas possibilidades para a bioenergia. Já há experiências bem sucedidas com o dendê, mas se deve ter muito cuidado com a maneira como organizar essa produção, suas técnicas. Isso também precisa de planejamento integrado que envolva todas as dimensões do meio ambiente, sociedade e economia.
O aquecimento global deve diminuir ou restringir essas possibilidades de desenvolvimento na Amazônia que ainda não foram exploradas?
Até pode, mas o que pode acabar com as possibilidades de desenvolvimento da biodiversidade, da bioenergia, de toda potencialidade farmacêutica disso que não desenvolve direito, é a produção mais avançada em outros lugares, de transgênicos, sintéticos, etc. Ela pode realmente perder o trem com a competição com o avanço tão rápido dessas tecnologias. Nos próximos vinte anos há uma grande possibilidade de desenvolvimento com o uso dos recursos naturais da Amazônia e se não se mudar agora a forma de produzir, deixando de ser destrutiva, e não se aproveitar esses recursos de maneira adequada se corre o risco de perder o trem do desenvolvimento.
É possível que a Amazônia passe a chamar mais a atenção internacional para si a partir dessa questão do aquecimento global?
Pode ser que sim, porque se você tem por aí outras áreas que vão ser mais afetadas, como a Europa, o Brasil tem esse extenso território e floresta que podem ser considerados um trunfo, porque mesmo que um território tão extenso como esse seja afetado, ele terá vantagens sobre outras áreas. Então pode aumentar mais ainda o olho sobre a Amazônia.
Como a Amazônia pode ajudar no combate ao aquecimento?
Como eu falei, com organização da produção avançada tecnologicamente em áreas selecionadas. Fazer um planejamento integrado e consciente.
Como as políticas públicas podem incorporar esse planejamento na região?
Eu diria que as políticas públicas têm que incorporar mais a sociedade civil desde a articulação dessa política. Isso, ao invés de fazer algumas consultas efêmeras à sociedade civil. A população tem que participar de todo o planejamento das ações de forma esquemática e contínua. Há a necessidade de um planejamento em sub-regiões dentro da Amazônia e da participação mais ativa das populações dessas áreas em todo o processo. Além disso, tem que se colocar a empresa privada nacional nessa história e também as multinacionais que não podem mais chegar à Amazônia e só extrair o que lhes interessa e levar tudo para outras regiões. Esse dinheiro tem que ser investido na região, em ciência, tecnologia e numa nova forma de produção que dê emprego e garanta renda para os produtores e habitantes da região. Outra coisa importante para a Amazônia também é a produção de alimentos para a região e para o Brasil, mas tudo isso dentro de um planejamento sustentável, sem que se perda nada da floresta.
Por Mariane Gusan
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