domingo, 13 de janeiro de 2013

O Brasil que eu amo

JOSÉ CLÁUDIO MOTA PORFIRO*

O amor é mesmo assim. Lembra uma velha inimiga íntima, já morta, que viveu um casamento de trinta anos com um gringo tosco. Ela trabalhava na roça de sol a sol, cozinhava em fogão de barro e rachava a lenha, asseava as cuecas do marido sujas de sexo extraconjugal, levava um grito a cada instante, apanhava como cadela, era traída diariamente, intitulou-se escrava de si mesma e da vida real e, corajosa, ainda dizia que chifre é igual à assombração, pois só aparece para quem tem medo.

Que amor doido é esse, pelo amor de Deus? É, em síntese, o que eu vivo no aqui e agora desta vida terrena brasileira nata, como descendente de retirantes cearenses sem eira nem beira como a rama da figueira.

Pode-se amar assim, certamente. Ame-o ou deixe-o, foi o que nos disse um dos engalanados generais da minha republiqueta de papel amassado, parece-me, o Garrastazu Médici, ainda nos anos 70. Eu preferi a primeira assertiva, mesmo sabendo que apanharia muito.

Feito rapariga deprimida, eu amo demais o meu Brasil varonil, machista, impulsivo, enjoado, esnobe, posudo, bom de cama e de ginga, branco, preto, mulato como a pele macia de Oxum, numa referência a Vinícius de Mores que, bêbedo, ainda dizia que tecnologia de ponta é chifre mesmo.

Hoje, a onça não virá beber água. Março está à vista e será a vez do leão do imposto de renda tirar polpudos nacos de carne da bunda de cada brasileiro que sustenta o diapasão opulento da politicanalha nacional, com as minhas honrosas e raras exceções, é claro.

As obrigações de pai de família me levam ainda a pagar os impostos de dois veículos automotores, um meu e o outro do meu filho estudante focado na engenharia elétrica da Ufac. Pagarei, por todo o ano, o colégio dos gêmeos que completarão nove anos em fevereiro. O plano de saúde caríssimo não poderá ser esquecido. O homem da moto que passa à noite em frente à minha casa, a cada hora, deve receber a sua cota de participação nos meus vencimentos.

Em síntese, os impostos levam quase a metade do meu salário de barnabé folgado. Todavia, as benesses que seriam garantidas pelo pagamento dos tributos nunca vêm, uma vez que a escola pública de péssima qualidade me obriga a pagar colégio particular. A assistência à saúde da família por parte do poder público não é confiável e eu me ferro nas rodas gritantes da Unimed. A segurança é meio faz de conta e o homem da moto diz dar conta do recado, mas não dá. Outro dia mesmo, na calada da noite, veio alguém e desligou a energia elétrica da minha residência e a de dois vizinhos. O projeto de engenheiro lá de casa ligou para o 190 e até hoje ninguém apareceu para contar quantas foram as vítimas do possível malfeitor. Uma grande porcaria.

Eu riria como ri ao ler pela primeira vez a frase lapidar de Charles De Gaule, ex-presidente da França: não, o Brasil, definitivamente, não é um país sério e nós não podemos levar muita coisa a sério, pelo menos agora, porque chegou o Carnaval. Geleia geral. Bagunça total.

Não ri. Chorei copiosamente, abundantemente. O Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal espanhol El Pais, foi taxativo e categórico quando disse não entender porque no Brasil juntam-se milhões para a participação numa parada gay, muitas centenas vão a uma marcha a favor da maconha, mas ninguém é mobilizado contra a corrupção. Boa sacada. Genial, esse cara.

E outras lambanças mais me aturdem. Estou insone. O Brasil chegará, mais uma vez, em alta madrugada, bêbedo, melado de batom, besuntado nas partes pudendas e cheirando a cerveja misturada a perfume de prostituta barata. O sono prevaricador me faz lembrar que o meu amigo Malta, motorista do Senado, ganha mais para dirigir um automóvel do que um oficial da Marinha para pilotar uma fragata. É mole ou quer mais?

Quer sim!

Um ascensorista da câmara federal ganha mais para servir os elevadores da casa do que um oficial da força aérea que pilota um avião supersônico. Um diretor que é responsável pela garagem do senado ganha mais que um oficial-general do exército que comanda uma região militar ou uma grande fração do Exército. Um diretor - sem diretoria - do Senado, cujo título é só para justificar o salário, ganha o dobro do que ganha um professor universitário federal concursado, com mestrado, doutorado e prestígio internacional. Um assessor de terceiro nível de um deputado, que também tem esse título para justificar os seus ganhos, mas que não passa de um aspone ou um mero estafeta de correspondências, ganha mais que um cientista-pesquisador da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, com muitos anos de formado, que dedica o seu tempo buscando curas e vacinas para salvar vidas. O sistema único de saúde paga a um médico, por uma cirurgia cardíaca com abertura de peito, a importância de setenta reais, bem menos do que uma diarista cobra para fazer a faxina num apartamento de dois quartos. Uma meleca!

O espaço que me cabe para levar aos leitores minhas mensagens às vezes tão corrosivas é mínimo diante da farra que nós patrocinamos para, em Brasília, os mandões da República agirem como se todos nós pudéssemos ser enganados. Ora, ninguém engana a tantos por tanto tempo. O que os brasileiros estão precisando, na realidade - urgentemente - é de um choque de moralidade nos três poderes da união, estados e municípios, acabando com os oportunismos e cabides de emprego. Os resultados não justificam o atual número de senadores, deputados federais, estaduais e vereadores. Temos que dar fim a esses currais eleitorais, que transformaram o Brasil numa oligarquia sem escrúpulos, onde os negócios públicos são geridos pela brasiliense cosa mostra, sem nenhum exagero.

O país do futuro jamais chegará a ele sem que haja responsabilidade com os gastos públicos. Já perdemos a capacidade de nos indignar. Porém, o pior é aceitarmos essas coisas, como se tudo tivesse que ser assim mesmo, ou que nada tem mais jeito. Vale a pena tentar, sim.

E tudo continuará assim, pelo menos enquanto essa nossa geração de dorminhocos sobrexistir, se nada fizermos, se nós não levantarmos as nossas bandeiras contra toda essa corja que hoje habita os corredores dos poderes públicos. Vigiai e orai!

Ah, o bom Niemeyer se foi. Mas, reverenciando este poeta da ética e da estética, agora morto aos cento e cinco anos, vale registrar comentário supimpa. É de admirar uma sacada dessas vindas da verve de um cidadão em idade centenária.

Projetar Brasília para os políticos que vocês colocaram lá foi como criar um lindo vaso de flores pra vocês usarem como pinico. [...] Hoje eu vejo, tristemente, que a minha cidade dos sonhos nunca deveria ter sido projetada em forma de avião, mas sim de camburão.

E haja chope e pode colocar aí um filé aperitivo porque eu, cá deste boteco bacana do Leme, em verdade vos digo que o meu brasileiro amor maior me trai, mas, como um traído inquieto, indignado, tiro o laço dos chifres e não irei exatamente à forra, mas talvez haja de considerar o ditado caipira segundo o qual o casamento é como a gasolina: custa caro, acaba rápido e pode ser substituído pelo álcool. Ora tá!

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*Escritor: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

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