segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Darly, Raimari e eu

“Cumpliciando”

Altino Machado

Pensei que levaria um tiro e morreria. Era dezembro de 2008, 20 anos após o assassinato do líder sindical e ecologista Chico Mendes.

Havia inventado naquele mês de entrevistar o fazendeiro Darly Alves da Silva, que fora condenado como mandante do crime.

Pensei bastante sobre quem poderia mediar meu encontro com o fazendeiro. Lembrei do repórter Raimari Cardoso, da Rádio Educadora de Xapuri. Deu certo e o fazendeiro aceitou nos receber.

Chovia muito quando chegamos à sede da fazenda Paraná, na BR-317. Autorizaram a nossa entrada. Ficamos esperando até que apareceu distante, no pasto, Darly Alves da Silva debaixo de um guarda-chuva preto, de boné e camisa azul.

Eu estava com uma jaqueta e dentro do bolso esquerdo carregava um gravador. Logo que a conversa começou enfiei sorrateiramente a mão no bolso para acionar o gravador. Em vez de apertar a tecla "rec", apertei na tecla "play".

O gravador começou a reproduzir outra entrevista, o fazendeiro olhou irado, levantou-se e falou para o Raimari Cardoso:

- Eu venho aqui lhe atender e você traz um comparsa. Você tá "cumpliciando?"

O tempo ficou ainda mais nublado. Inventei uma desculpa qualquer para minha falha. Argumentei que era melhor que aceitasse que a entrevista fosse gravada para evitar interpretação incorreta do que tinha a dizer sobre o crime.

Falei que deixaria com Raimari Cardoso uma cópia do áudio da entrevista, para que pudesse conferir se havia sido ou não reproduzida com fidelidade.

O fazendeiro aceitou e eu me senti aliviado. "Chico Mendes foi um mártir e eu também", disse Darly. Para quem não leu, vale a pena conferir a entrevista. Clique aqui.

Nota minha: Na tensão desse dia, eu, Altino e Eden, irmão do jornalista, comemos quase um queijo coalho inteiro servido por Guinaldo, o filho mais novo de Darly com dona Natalina. De tão gostosos, levamos para casa, eu e Altino, dois queijos cada um. Ao ser deixado de volta em Xapuri, esqueci os meus no carro e Machado os levou para Rio Branco tendo feito, obviamente, bom proveito do laticínio. Contei a história a Guinaldo, dias depois, e fui presenteado com outra peça. Comentei sobre a qualidade do produto aqui no blog e o fazendeiro voltou para reclamar, com bom humor, da propaganda que fiz: “Agora não estou mais dando conta dos pedidos”.

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