quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Crise e carnaval no Acre

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Sérgio Roberto Gomes de Souza

No dia 02 de março de 1922 o jornal Folha do Acre publicou uma interessante e curta matéria sobre a realização do carnaval na cidade de Rio Branco, capital do Território do Acre. No período a situação financeira não era das melhores, ainda repercutia fortemente na região a crise econômica que tivera início no ano de 1912, quando a borracha nativa, produzida nos seringais amazônicos, perdeu a supremacia no mercado internacional para os seringais de cultivo do sudeste asiático, o que acarretou na falência de vários seringalistas e comerciantes da região. Percebe-se então que, pelo menos aparentemente, o momento não era lá muito propício para festa, principalmente para as elites locais, as voltas com infindáveis notas promissórias que não tinham como pagar, atolados em dívidas e, como disse Márcio Souza em “A Expressão Amazonense”, tendo que empenhar suas cuecas inglesas para não morrer de fome (SOUZA, 1977).

Para minimizar tanto desânimo, o governador do Território a época, Sr. Epaminondas Jácome, decidiu entregar-se as tentações “momescas” e terminou por propiciar um pequeno entretenimento para a “decadente elite tupiniquim”. O fato foi registrado com regozijo pelo jornal Folha do Acre, que afirmou: “não fora o Sr. Epaminondas Jácome ter aberto os portões do palacete de sua residência e ali, numa alegria comunicativa comparecerem muitas famílias, terça-feira, improvisando-se um baile, passava-se friamente os três dias de carnaval em Rio Branco”. Pelo menos algumas poucas horas de alegria foram propiciadas para os mais abastados, afinal, o sofrimento por terem de dispor-se de patrimônios construídos através da exploração de milhares de seringueiros os angustiava.

Mas e o povo? O que faziam os comuns? Já que o carnaval “oficial” terminou por ficar restrito aos mais próximos de Epaminondas Jácome? O povo foi comemorar, ao seu modo, no segundo distrito, ou Distrito de Empresa como era conhecido o lugar. O ambiente de Empresa não era muito bem visto pela “vitoriana” e hipócrita elite de Rio Branco. Abguar Bastos na obra Certos Caminhos do Mundo descreveu o lugar e seus habitantes a partir da seguinte perspectiva:

Empresa é o lado do comércio. Antigo seringal elevado ao poderio de parte oriental da cidade. Pedaço de terra livre, não se apega a preconceitos. Uma excitante vida noturna. Aos domingos funciona um cinema. Vêm-se marafonas enchapeladas nos camarotes e senhoras honestas, afrontadas, timidamente, nas cadeiras de fila. Cruzam-se nas ruas o rebanho e a matula, profissionais do jogo, “camelots”, ganadeiros, marítimos, contratadores de seringa, contrabandistas, vendedores de coca. Ferozes malsinações escapam dos becos e nas vielas há um crescente rumor de escândalo e vícios. (BASTOS, 1936, p. 66).

O lugar escolhido para homenagear “momo” foi o clube “O Rio Branco”, clube popular situado próximo ao “beco do mijo” e que não deve ser confundido com o “aristocrático clube de cores vermelho e branco cuja sede fica situada no primeiro distrito de Rio Branco. O Folha do Acre descreveu a “festa popular” da seguinte maneira:

O Rio Branco foi o ponto procurado pelos foliões que, conservando ainda as ilusões da brincadeira, mal grado o arrocho de “D. Flagelo”, prepararam suas máscaras e, ajustando a face esses pedaços de papelão pintados, vestidos de ganga, fazenda muito usada em tempos passados, quando Adão ainda era rapaz, ao som da música deliciaram-se dançando chorosos tangos.

Como o período era de crise, champagne e “cerveja fria”, bebidas comumente consumidas durante o período de ápice da borracha, foram substituídas por alternativas, digamos, mais regionais: “A rapaziada chupa algumas frasqueiras de aluá, que com muita honra foi eleito substituto local da champagne e da cerveja, destronadas nesta paragem do inferno verde”.

A espontaneidade do “populacho”, que mesmo sem ser convidado para a festa do Epaminondas resolveu, por conta e risco, mas com muita criatividade criar a sua própria, não foi bem vista pelo jornal que sapecou: “Rapazes assentes junto às bancas dos botequins deixavam ver, no meio de suas boemias, as tristezas que lhes iam a alma”, em uma clara discordância com os festejos populares. Para o jornal, bom mesmo foi o carnaval do Epaminondas; “o baile do palacete do governador correu-se animadíssimo, dançou-se a valer”.

O pequeno artigo, se é que pode ser assim denominado, não procura fazer juízo de valor sobre o poder público organizar ou não o carnaval, apenas ressaltar o caráter popular da festa e dizer que, muito provavelmente, ela ocorrerá com o sem patrocínio oficial, mesmo que com muito aluá e em algum botequim de “caráter duvidoso”.

Sérgio Roberto Gomes de Souza é professor da UFAC.

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