quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dor e culpa: “Acabou-se a minha vida”

Usuário de drogas, pai da garota Maiquele, 4 anos, estuprada e assassinada em Xapuri, diz que em memória da filha abandonará o vício para se dedicar à família.

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O trabalhador braçal Antônio Nonato de Oliveira, 37 anos, é uma das muitas vítimas da mazela social chamada tráfico de drogas. Sua aparência esquálida e sofrida é característica daqueles que por anos a fio se entregam à escravidão do vício, deixando exposto aos perigos da sociedade embrutecida em que vivemos o seu bem mais valioso: a família.

Antônio Nonato já não sabe dizer há quanto tempo faz uso de substâncias entorpecentes, mas se recorda bem de quando foi a última vez que fez isso. Foi há cinco dias, um pouco antes de sua filha de apenas 4 anos de idade ser brutalmente estuprada e assassinada por um conhecido de infância, o maníaco sexual Jaisson Moreira de Moura, o Pitbull. 

Em uma conversa em “off” no estúdio principal da Rádio Educadora 6 de Agosto, na manhã desta quarta-feira (23), o pai de Maiquele contou um pouco de seu drama, da luta contra as drogas e o do sentimento de perda e culpa depois da tragédia que, segundo ele, poderia ter sido evitada. Antônio tem mais 4 filhos, com idades que vão desde 11 meses a 14 anos.

Morador de uma das regiões mais pobres de Xapuri, o conjunto Armando Nogueira, e sem qualquer escolaridade, Antônio tira o sustento da família do trabalho em uma pequena colônia, localizada às margens do Rio Acre, e de serviços de diarista que presta em propriedades rurais do município como, por exemplo, “bater veneno” em pastagens de gado.

Com os olhos marejados, ele diz que sempre teve vontade de não mais usar drogas para poder oferecer mais conforto e proteção à sua família. Afirma que tentou por diversas vezes, por conta própria, abandonar o vício, mas suas condições de vida e o apelo dos entorpecentes sempre foram mais fortes, o empurrando de volta para aquele mundo.    

Mesmo negando que sua relação com o assassino de sua filha tenha se dado em razão do uso de drogas, Antônio Nonato reconhece que jamais poderia ter permitido que Pitbull tivesse tanta proximidade com sua família. Ele afirma que era conhecedor do histórico do criminoso, que inclusive já tinha assediado a filha mais velha do casal, que tem 14 anos de idade.

Perguntado pelas razões de não ter denunciado Pitbull à polícia no episódio do assédio, ele cala, respira fundo e balança a cabeça negativamente, num gesto que demonstra desorientação e falta de senso de realidade. Com 4 filhas dentro de casa, o casal Antônio e Marinalva tolerava a presença de um monstro de índole conhecida e lhe punham a mesa.

Numa postura diferente, motivada pela morte da filha, Antônio alerta que no seu bairro reside outro indivíduo que tem atração por crianças. O homem, que atende, segundo ele, pela alcunha de “Jack”, já teria desaparecido com uma menina de 11 anos tendo sido encontrado antes que tivesse tempo de cometer alguma violência contra a garota.

Uma rápida reflexão sobre o comportamento de Antônio, um homem dominado pelo vício, leva-me a crer que sua relação próxima com pessoas envolvidas em diversos tipos de malfeitorias o submetia a uma condição de medo e submissão. Sabia que o perigo espreitava a sua casa, mas se sentia acovardado ou então imune aos riscos por fazer parte daquele grupo de pessoas perigosas.

Antônio Nonato disse que sua vida está destruída e garantiu que agora abandonará as drogas em memória de sua filha. “Acabou-se a minha vida. Minha filha era uma menina alegre, cheia de vida, que corria para me receber quando eu chegava em casa de moto-táxi. Nunca mais usarei drogas em homenagem a ela e vou me dedicar mais aos outros filhos”, prometeu.

É claro que não existe qualquer garantia de que o homem abandone as drogas e ofereça mais atenção à sua família apenas porque foi impactado por essa tragédia terrível, mas provavelmente sua vida não será mais a mesma. Carregará para sempre em seus ombros o peso da culpa e no coração a dor irremediável da perda.

E certamente ninguém em Xapuri será mais o mesmo depois dessa barbárie; e talvez nem mesmo a cidade, não habituada com tanta selvageria, seja mais a mesma depois do martírio vivido pela pequena Maiquele, um anjo de apenas 4 anos, que tinha como maior diversão brincar na rua com seus amigos. Pode até parecer clichê, mas sua morte não foi em vão.

Comentário do professor Beneilton Damasceno, jornalista dos bons, como poucos no Acre:

Amigo Raimari!

Primoroso texto, dotado de um conteúdo social isento, diferente da prática execrável do sensacionalismo hodierno que exalta o "mundo cão", preocupando-se apenas com o aqui-e-agora, e dane-se o ontem... Seu ponto de vista analisa o "day after" de uma família despedaçada pelos malefícios da droga - a mesma que arruinou para sempre a vida do assassino, que também tem família. Parabéns, e que seus comentários sirvam de paradigma a tantos quantos se perdem nesse mundo tenebroso do vício e, ainda, a muitos profissionais da imprensa, nossos colegas de ofício, infelizmente influenciados pelo dever de divulgar - às vezes com indisfarçável sadismo - o que a sociedade tem de mais condenável.

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