sábado, 21 de julho de 2012

Vida nova na Corte

AC1145

A sinuosidade do rio, agora, faz com que as distâncias amazônicas pareçam eternas. É lancinante a inalterabilidade de tudo. O tempo, deveras vagaroso, é como se descesse ou subisse por uma escada de linha zero. Até no voo dos pássaros há algo de mais lento. Em nada há pressa. A vida segue devagar e bem fria, principalmente, de madrugada ou de manhã cedo, entre uma friagem e outra.

Logo depois da Boca do Lago, de baixada, o Rio Acre faz três sacados como se fossem esses bem fechados um sobre o outro. No inverno, se duas embarcações passarem simultaneamente pelas curvas fechadas, dá para os viajantes de uma acenar para os da outra. É a natureza a ditar suas regras mais uma vez. A viagem é feita, sim, mas a estrada de água faz a sua cobrança ao exigir que o viajante pague a penitência que é percorrer todas as mil e uma curvas e voltas que nos levam a Rio Branco.

O olho espichado pelo longo estirão à frente parece cansar de tanta esperança que carrega a sua luz já enfadada. A cada hora, a paisagem constante é mudada, na maior tranquilidade, por uma pequena barraca de ribeirinho ou por um barracão de seringal à beira do rio. Afora isto, de vez em quando, desvia-nos a vista um jacaré ou um tracajá que mergulham mansamente, como se não os perturbássemos. É verão e a água corre mansa. Há espumas flutuantes, como os versos do poeta. É como se fosse um tapete lisinho que é cortado abruptamente pela força do pequeno barco. A monotonia é grande demais e a vontade de me tornar funcionário público é maior ainda. Enfim, como se vive sempre de esperar o dia seguinte, esperemos apegados à confiança em Deus.

Eu e o Ovídio fizemos um quebra jejum à base de pão de milho e carne moída. Depois das despedidas de uma ruma de gente  -  meus queridos amigos, com os quais convivi quase ano e meio  -  deixamos o Seringal Boca do Lago às cinco da manhã de um dos últimos dias de junho de 1940, debaixo de uma névoa úmida e fria aqui chamada cerração. 

Tinge-me a mente alguns pensamentos longínquos demais. Ah, a mulher amada! E os filhos queridos! Lembro os bons tempos do namoro em Belém que agora estarão de volta, no Acre. Assim espero. As saudades da esposa são indizíveis, mas podem ser escritas. O companheiro de viagem não diz uma palavra. Não vemos um barco maior que vá ou que venha. Poucas vezes, alguém nos acena de uma ou outra canoa movida a remo ou a varejão. Ele passa horas e horas com os olhos fitos no rio à frente. Com um lápis rústico, faço rabiscos num papel de embrulho, apesar da trepidação do motor atrás de mim. À moda dos poetas da Semana de Arte Moderna de 1922, elaboro uma poesia romântica  -  o que é controverso  -  inspirada numas poucas que li de Oswald e Mário de Andrade, paulistas. Vivo épocas de devastação íntima e é só assim que se faz a boa poesia. É muito bonita, pelo menos para mim que não sou crítico caótico de mim mesmo. Chama-se Canção em Retalhos.

Continue lendo no blog do autor: Impressões Gerais.

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