segunda-feira, 12 de março de 2007

Pensar globalmente, agir localmente

Vilmar Berna*

“Falar sobre o futuro só é útil se levar à ação agora. E o que podemos fazer agora, enquanto ainda estamos em condições de afirmar que ‘a vida nunca foi tão boa’? (...) Cem gramas de prática geralmente valem mais do que uma tonelada de teoria.” E.F. Schumacher

Jogamos fora alguma coisa quando ela deixa de ser útil para nós. Primeiro, não nos ocorre que essa coisa possa continuar sendo útil, por exemplo, utilizando-se o outro lado da folha de papel. Ou ser útil de uma outra maneira, como um saquinho de leite, que pode virar porta-semente para uma muda de planta. Segundo, não nos ocorre que, o que não é mais útil para nós pode ser para outros. Sobras de alimento podem virar comida para animais ou adubo para plantas. Terceiro, muita coisa que usamos já é feita para virar lixo, como as embalagens e objetos descartáveis feitos para jogar fora. Quanto maior o lixo, mais material é desperdiçado. Podemos diminuir bastante o volume do lixo limitando nossa tendência consumista e evitando comprar supérfluos ou cosas desnecessárias. Quarto, jogamos as coisas fora, num canto distante, como se bastasse colocar nosso lixo longe de nós para ele deixar de nos importunar. Esquecemos que lixo é o lugar ideal para a proliferação de moscas, ratos, mosquitos, baratas, que voltam voando ou rastejando para dentro de nossas casas, trazendo doenças com eles, além descontaminar o meio ambiente. E depois, o fundo do quintal ou um terreno distante podem ser fora de nossa casa ou do município, mas é dentro do Estado ou do planeta. Não existe "lá fora" dentro do planeta Terra.

Não adianta você só ler ou estudar muito sobre ecologia ou questão social, e não fazer nada para mudar. A transformação da realidade começa primeiro em nós próprios, depois à nossa volta, no bairro, no país. Muitas vezes não participamos de um mutirão de limpeza ou plantio de árvores em nossa comunidade porque ninguém nos convida. Esperamos sempre que alguém venha fazer alguma coisa por nós: que a prefeitura venha melhorar o lugar onde vivemos, cuidar de nosso lixo; preservar nosso meio ambiente; que os vizinhos façam algum movimento em defesa e melhoria da rua ou do bairro; que os cidadãos elejam um governador ou presidente da república melhor. Na verdade, nada muda se você não mudar primeiro.

A preservação do planeta, uma sociedade mais justa e igualitária, uma relação mais fraterna e menos egoísta entre as pessoas, tudo isso depende de grandes e pequenas tarefas. Se você fizer sua parte, estará contribuindo para tornar isso possível. A humanidade não é nada mais que a soma de indivíduos como você. As instituições, os governos, são seres abstratos, mas dirigidos por pessoas reais, de carne e osso, cheias não só de defeitos, mas também de virtudes, como nós. Comece primeiro no nível pessoal. Reveja seus valores, objetivos de vida, sua perspectiva de Futuro. Remova tudo o que é autoritário e provoca ódio ou ressentimento em você mesmo e nos outros. Exija menos do mundo e dos outros, e mais de você. Mude hábitos, atitudes e comportamentos agressivos, desperdiçadores ou poluidores do meio ambiente.

A despoluição do planeta depende também da despoluição do nosso próprio ser. Uma pessoa que defenda a ecologia, por exemplo, e se relacione de maneira egoísta e agressiva com seus semelhantes, não conseguirá convencer ninguém de seus propósitos. Nós costumamos acumular muito lixo e poluição mental e espiritual, como ressentimentos, intolerância, preconceito, insegurança, descortesia, etc., que impedem que possamos ver o que há de bonito no mundo e nas outras pessoas em volta de nós. Faz com que percamos a perspectiva de que a realidade nada mais é que a soma dos bons e maus momentos. Faz com que cometamos o erro maniqueísta de dividir o mundo e as pessoas com quem nos relacionamos em boas e más, como se houvesse a bondade e a maldade absolutas.

Não espere, no entanto, tornar-se perfeito. Ninguém consegue. O processo de busca do eu e de melhoria como ser humano é uma conquista permanente, que não acaba nunca. O importante é que você não se sinta culpado por estar investindo em seu próprio aperfeiçoamento interior, enquanto o mundo se afoga cm injustiças e violências, pois você tem o direito e o dever de ser feliz, e não seria justo com ninguém abrir mão disso por uma felicidade social futura e hipotética, que exige muito mais que o esforço de uma única geração, ou de um indivíduo.
E, além disso, só quem é feliz pode transmitir felicidade. Só quem se ama pode amar outras pessoas. Só quem é justo, consigo mesmo pode construir um mundo melhor com outras pessoas Isso não significa de maneira nenhuma que devemos nos fechar para o mundo, numa atitude egoísta diante da dor e sofrimento alheios. E importante que você se engaje nas lutas pela transformação da realidade, pois de nada adianta ser ecológico sem lutar pela ecologia, democrata sem lutar pela democracia, justo sem lutar pela justiça. Nossas ações acabariam no descrédito além de não servirem de exemplo para os outros.

Também não espere que alguém, ou algum livro, ou um líder carismático venha lhe indicar o caminho sobre como viver a sua vida. Não há caminho, nem jeito de caminhar, pois o que pode ter servido para alguém num determinado tempo e lugar, pode não servir novamente. A realidade é dinâmica, a história é recriada permanentemente, não há indivíduo igual ao outro, portanto, fique de olhos abertos para o mundo. Descubra o que há de belo nas pessoas em volta de você. Não cometa a tolice de se proteger do mundo ou dos outros para não sofrer, muito menos desista diante das dificuldades ou obstáculos. Crescemos quando enfrentamos a realidade.
Nosso cérebro nos engana. Procure perceber a realidade, e as outras pessoas, também com os sentimentos e a instituição, sem abandonar o conhecimento racional, naturalmente, mas buscando a integração mente-sentimento-intuição-experiência. E tome cuidado com os falsos conceitos que, apesar de mentirosos, podem ser lógicos e fazer sentido, como nossa noção de progresso e desenvolvimento, por exemplo, que não costuma levar em conta o planeta, seus ecossistemas, os animais e as plantas, nem mesmo as populações nativas e indígenas, que possuem outro modo de viver a vida. Nossa visão utilitarista considera o planeta como armazém de recursos para nosso “desenvolvimento”, e os povos nativos e indígenas como “atrasados”. O progresso, para nós, “civilizados”, é basicamente produzir para consumir e criar para produzir, numa lógica de produção-consumo, onde o ideal é a aceleração deste ciclo, até que todos tenham acesso ao mercado de consumo. Pouco se percebe que isso é apenas um modo de vida, e que podem existir outros, como o dos índios. Ou seja, o que é “progresso” em nossa sociedade, pode não ser em outra. Se, para nós, abrir uma estrada em plena selva pode ser chamado de progresso, para os povos da floresta e para a fauna e a flora, é atraso. Não é só a espécie humana ou só a sociedade de consumo que tem direito ao planeta.

*Prêmio Global 500

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