terça-feira, 26 de março de 2013

SERES

Francisco Braga

Tem gente que mostra quem realmente é até sem perceber, com atitudes viscerais, instintivas. Com palavras delatoras de seu caráter e meneios, gestos, expressões corporais específicos que expõem sobremaneira sua índole, seu temperamento, sua alma. Me lembrei agorinha de algumas dessas pessoas as quais desejo fazer conhecidas e conhecedoras de minha impressão sobre sua conduta e a consideração que devidamente lhes dou.

Havia o Roberto, um colega do bairro. Pessoinha completamente desprovida de moral e honra, um cara inescrupuloso, covarde e detestável. Oriundo de uma família cujo pai era um conhecido voyeur (brecheiro, como se diz em Fortaleza, Ceará), que se esgueirava nas madrugadas, pelas sombras dos arbustos de quintais e frestas de janelas, em busca dos corpos nus e adormecidos de vizinhas incautas.

Odiava me aproximar deste sujeito nojento, o Roberto. Como a maioria de seus tios, primos e irmãos mais velhos, que achavam engraçado soltar peidos fedorentos em público, arrotar e dizer palavrões aos gritos e xingar transeuntes com apelidos ofensivos, este pulha tinha a mania detestável de “cumprimentar” os amigos com uma dedada no traseiro. Ser repugnante e desprezível de quem não guardo uma sequer lembrança agradável.

A gente costumava catar maços vazios de cigarros e colecionar. Desmanchávamos as chamadas carteiras de cigarros e as dobrávamos em forma de notas de dinheiro. Era uma das diversões da molecada do início dos anos setenta, no meu distante bairro Aldeota, em torno da mercearia do Seu Antõe Beto e da Dona Albertina. Nessa aventura divertida encontrei o novo menino do bairro, neto da Dona Haideé e de Seu Osmundo, o Sérgio Ricardo.

Com um sorriso cativante e grande simpatia, não foi difícil para o Serginho conquistar minha amizade, fui o seu primeiro amigo da rua. Logo estávamos brincando nos quintais de nossas casas. Sabe aquele negócio de melhor amigo? Pois é, éramos os melhores amigos. Eu magrela e baixinho, o Sérgio gordo e desajeitado. Nós dois juntos formávamos a dupla do barulho que nos valeu apelido de seu tio Osmundinho: dupla pinga-fogo.

Serginho pinga-fogo e Chico pinga-fogo. Eu era um molóide, ruim de briga que Deus me livre. O Sérgio era outro cara da paz, apesar de grandalhão, não era violento e engolia vitupérios e piadas de mau gosto calado ou com um sorriso encabulado. Sabe que criança, menino de rua principalmente, é bicho cruel, né?! Sem uma gota de remorso, não titubeia quando quer fazer alguma traquinagem mais agressiva com o coleguinha mais bobão.

Pois bem, o Serginho era, na verdade, uma bomba-relógio, um vulcão adormecido. Uma folha de cansanção arre-diabo que não se deve tocar nem de leve. Enquanto estivesse no plano verbal, o moleque podia ofender e destratá-lo como quisesse, porém o imbecil do valentão Roberto, burro como qualquer cavalgadura de seu naipe, tinha que ir mais além, era de sua natureza doentia, não podia se controlar e foi parado sobremaneira.

Numa velocidade assustadora, num piscar de olhos o Sérgio virou-se e o Roberto sucumbiu sob o impacto fulminante do direto de direita, na tábua do queixo. Caiu duro tremendo a escrota mão invasiva que jamais tocaria a bunda de um cabra macho novamente. Todo mundo aplaudiu e o Sérgio Ricardo Pessoa virou herói e o melhor amigo do resto da molecada. Deste sim, ser do bem, eu só tenho boas lembranças e grande consideração.

Francisco Braga é cartunista.

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