O número incomum de ocorrências policiais registradas em Xapuri nos primeiros meses de 2013, com especial atenção para os quatro homicídios ocorridos na urbana do município, suscitaram um salutar debate através dos escassos veículos de comunicação locais e também por intermédio da rede social Facebook, uma espécie de ágora dos tempos modernos.
No entanto, o trabalho da imprensa local e as opiniões emitidas pela população não foram entendidas como saudáveis por alguns setores da segurança pública. De maneira contrária, foram tratadas como impertinentes e até ofensivas por membros da 2ª Cia. Ambiental de Polícia Militar de Xapuri, que se sentiram acusados de omissão, sendo que um deles, o sargento Giocondo Gondim, acionou a justiça contra este blogueiro.
A razão do melindre que descambou para a vitimização foi a publicidade dada à acusação de omissão feita pelo estudante Antônio Elio dos Santos Silva, 22, o Elinho, contra a Polícia Militar. Elinho, que na madrugada do dia 10 de março matou com duas facadas Valmir Monteiro da Silva, 21, em frente a uma festa noturna denominada Bar da Vivi.
O acusado relatou em seu depoimento à Polícia Civil que antes de perpetrar o assassinato abordou uma guarnição da PM para denunciar que havia sido agredido fisicamente pela vítima. Afirmou que os policiais não o atenderam alegando que estavam atendendo uma pessoa ferida, que seria levada para receber atendimento médico no hospital local.
Antônio Elio afirmou que os policiais poderiam ter evitado que ele cometesse o crime, pois ao não ser atendido foi tomado por uma raiva incontrolável decidindo fazer justiça com as próprias mãos. O estudante disse ainda que no momento em que abordou os policiais solicitou providências do sargento Giocondo Gondim, conhecido pela alcunha de “Cuca”.
O assunto foi comentado por mim e pelo radialista Nader Sarkis através da programação da Rádio Educadora 6 de Agosto no dia 11 de março. Não fizemos, no entanto, nenhum juízo de valor ou crítica quanto às acusações feitas por Elinho contra a guarnição da PM. Telefonamos para o quartel na tentativa de falar com o sargento Giocondo, mas não o localizamos.
Através do policial que atendeu o telefonema, nos colocamos à disposição tanto de Giocondo quanto do tenente Sílvio Araújo, comandante da corporação em Xapuri, mas este preferiu prestar esclarecimentos através do blog Xapuri Amax, da Associação de Militares e Amigos de Xapuri. Em nota, repetiu a explicação do motivo pelo qual a guarnição não atendeu ao chamado de Antônio Elio e afirmou que “a Polícia Militar não colocou a faca na mão de ninguém”.
Dias depois, o blog Xapuri Amax publicou uma postagem com o título de “Algo precisa ser feito”. As aspas não são minhas, mas do próprio blog da associação militar. Isso porque o autor do texto, que não assina o post, tomou emprestado o título de uma postagem deste blog, na qual eu comento a anormalidade das ocorrências do início do ano e afirmo que algo precisa ser feito. Na resposta, o autor atira contra os pontos de venda de bebidas alcoólicas a culpa pelo aumento das ocorrências policiais e afirma que “as mídias locais” devem cobrar mais dos outros órgãos e não apenas da Polícia Militar.
Xapuri Amax se apega a dados estatísticos relacionados às ocorrências policiais nos últimos dois anos para traçar um paralelo entre a quantidade de festas e bares existentes na cidade e o crescimento do número de crimes no município, tentando dessa maneira simples e rasa justificar uma situação de insegurança que na realidade pode ter origem na falta de policiamento ostensivo e na ausência de ações preventivas.
Argumentar que os bares e festas noturnas são responsáveis pelo aumento de ocorrências policiais é tergiversação. Bebidas alcoólicas são legais no país e os estabelecimentos comerciais que as vendem, desde que devidamente autorizados pelos órgãos competentes, não podem ser acusados de contribuir com os crimes. Donos de bares e boates que pagam seus impostos e geram empregos, desde que cumpram as determinações e horários estabelecidos pela legislação, estão no pleno exercício dos seus direitos civis e não podem ser molestados.
A relação entre bebidas alcoólicas com crimes de homicídio, lesões corporais e brutalidades em geral é evidente e indiscutível, mas isso não significa que bares, festas noturnas e congêneres devam ser demonizados. Trata-se de um assunto que demanda uma discussão mais abrangente e menos simplista. A sociedade pode e deve dar início a um debate a respeito da questão para que medidas como a redução de pontos de venda de bebidas alcoólicas numa cidade tão pequena, por exemplo, possam um dia ter amparo legal.
Por enquanto, o Estado tem o dever de garantir a segurança dos cidadãos independentemente da quantidade de bares que existam em uma cidade. Se efetivo de agentes de segurança não é suficiente para tal, isso deve ser declarado ao governo. Simples assim. Quanto às festas noturnas, a título de sugestão, poderia haver um entendimento entre a Polícia Militar e o Furepol, o Fundo de Reaparelhamento Policial, que é o responsável pela expedição de licenças de segurança, para que apenas fosse autorizada uma quantidade de festas que a PM tivesse condição de garantir a segurança e ordem nas suas imediações.
Voltando ao episódio do homicídio que gerou uma acusação de omissão contra a PM, ressalto que ela foi feita pelo acusado, Antônio Hélio, que solicitou auxílio de uma guarnição da polícia depois de tomar um tapa na cara e não foi atendido pelos militares. Se ouve ou não omissão dos policiais, é uma outra questão, mas o que quero deixar cristalino com água é que não fiz qualquer acusação ou juízo de valor a respeito do comportamento dos policiais militares que não prestaram atenção a uma pessoa agredida fisicamente e que instantes depois revidou de maneira violenta matando seu agressor a facadas.
Como minha isenção e imparcialidade não evitaram que mais uma vez eu fosse acionado judicialmente em razão de meu trabalho, passarei a dizer o penso daquela situação. Uma guarnição da Polícia Militar é comumente formada por quatro policiais militares. Mesmo atendendo a uma outra ocorrência e tendo de transportar uma pessoa ferida ao hospital, os policiais poderiam ter atendido à denúncia de agressão feita por Antônio Elio. Deveriam ter se dividido e prestado atendimento às duas ocorrências.
De acordo com o que informa o comandante da PM de Xapuri em sua Nota de Esclarecimento, os policiais que atendiam a citada ocorrência informaram a Antônio Elio que não podiam lhe atender naquele momento e pediram que o mesmo não revidasse e esperasse que a guarnição fosse até o hospital e retornasse ao local. Ocorre que os militares em vez de acionarem uma outra equipe ou retornarem ao local em que Antônio Elio pediu ajuda, permaneceram no pronto-socorro aguardando que o homem ferido fosse atendido para ser lavado à delegacia.
Segundo o boletim de ocorrência da PM, a pessoa que estava sendo atendida deu entrada no hospital a 1h05 da manhã, e quando era por volta de 01h20 foram acionados via rádio para que se deslocassem até o Forró da Vivi, pois lá havia um cidadão esfaqueado no local, nesse momento o autor da ocorrência anterior ainda estava na viatura. Chegando lá, perceberam que deixaram de evitar um crime ao não prestar atendimento a uma pessoa que acabara de ser agredida fisicamente em um local onde comumente os indivíduos estão exaltados e sob efeito de bebidas alcoólicas.
Não é verdade que Antônio Elio tenha dito que matou por que não foi atendido pela polícia. Ele apenas afirmou que a atitude impensada poderia ter sido evitada caso a pendenga inicial tivesse sido resolvida por aqueles que possuem as prerrogativas para isso. Não existe nenhuma justificativa ou desculpa que minimize ou transfira a responsabilidade pela decisão que ele tomou. A guarnição da PM não tem culpa de Antônio Elio ter matado o seu desafeto, mas pesará eternamente sobre cada um dos policiais a responsabilidade por terem feito pouco caso de um pedido de ajuda feito por uma vítima de agressão.
Segundo escreveu o escritor xapuriense José Claudio Mota Porfiro em artigo publicado neste blog há alguns dias, o mal não deve ser imputado apenas àqueles que o praticam, mas também àqueles que poderiam tê-lo evitado e não o fizeram. A Polícia Militar diz que não colocou a faca na mão de Antônio Elio, que com a arma consumou um crime covarde e brutal. Certamente que a polícia não pôs a faca na mão do acusado, mas com certeza poderia a ter tirado ou até mesmo evitado que ele a empunhasse; mas não o fez.
Quanto à ação judicial movida contra mim no Juizado Especial Cível de Xapuri, ela é tão sem propósito que o reclamante sequer soube informar a data e o veículo de comunicação através do qual eu teria o acusado de omissão. É inaceitável que em vez de fazer esclarecimentos e procurar mostrar que a decisão de não atender ao acusado do crime em questão foi correta, o policial militar tente combater o efeito e não à causa de situações como essa. Mas, será mais uma demanda que responderei com a convicção de que o único meio de evitá-las é se omitir de dar publicidade e repercussão àquilo que é do interesse todos.
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