quinta-feira, 21 de março de 2013

Luto em Xapuri

Morre Tia Vicência, um dos símbolos da colonização nordestina na Amazônia

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Faleceu na manhã desta quinta-feira, 21, em Rio Branco, a cearense Vicência Bezerra da Costa, 84 anos, uma das pioneiras da colonização nordestina no Acre. Tia Vicência, como era conhecida por todos, não resistiu a um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido na madrugada do último domingo, 17. Transferida para Rio Branco, onde foi submetida a uma cirurgia de emergência, foi a óbito nas primeiras horas de hoje.

Tia Vicência era proprietária do mais famoso restaurante de Xapuri, um dos últimos lugares onde ainda se pode apreciar a verdadeira comida caseira com “gosto de seringal”, como ela mesma costumava dizer. Profundamente identificada com a história da cidade, se tornou conhecida e querida a partir da maneira simples como desenvolvia o seu ofício e de como divulgava e valorizava as histórias, dramas e tragédias de pessoas como ela, refugiadas da seca nordestina.

Devota fervorosa de São Sebastião, padroeiro de Xapuri, dona Vicência contava que a sua fé foi trazida do Ceará, sua terra natal, e que já na viagem que teria como destino final o Acre, sua família foi abençoada pelas graças do santo protetor dos xapurienses. “O navio em que eu viajava com meus pais rumo ao Pará esteve na mira de um submarino alemão. Foram momentos de pânico, mas graças a São Sebastião nada aconteceu e escapamos todos”.

Mãe de Francisco, Getúlio, Maria de Lurdes e Maria das Graças, além de cerca de 40 netos e bisnetos, Vicência se dizia seringueira na alma e no coração. Chegou a compor um hino aos soldados da borracha, que gostava de cantar às pessoas que visitam seu restaurante, como forma de enfatizar que o trabalho dos nordestinos que para cá vieram mandados pelo governo para cortar seringa durante o grande conflito armado era realmente um esforço de guerra.

Vicência chegou ao Acre aos 14 anos de idade em meio à campanha de guerra e ocupação da Amazônia empreendida na década de 1940 pelo Governo Brasileiro. Como a grande parte dos nordestinos arregimentados pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), ela viu as famílias viajarem amontoadas a bordo dos navios do Loyd, sempre, de acordo com ela, acompanhados por caça-minas e aviões de guerra.

De acordo com o historiador Marcus Vinicius, da Fundação Garibaldi Brasil, cerca 60 mil pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos entre 1942 e 1945. Desse total, quase a metade morreu por causa das precárias condições de transporte, alojamento e alimentação durante a viagem, além de fatores ligados ao ambiente extremamente hostil da Amazônia.

Os nordestinos recrutados para trabalhar nos seringais foram chamados de "soldados da borracha", porém nunca receberam qualquer remuneração ou homenagem pelo esforço de guerra. A saga de Vicência e os soldados da borracha está retratada no filme "Mais borracha para a vitória". Nele, Vicência conta histórias e canta as músicas que serviam de conforto numa época de dor e sofrimento.

Vicência e os pais moraram durante 34 anos no Seringal São Francisco do Iracema, numa colocação ao centro do barracão dirigido primeiramente por Said Rachid e seu genro, Milton. Vieram outros patrões depois, até que em 1979 a figura do seringalista deixou de existir e deu lugar aos fazendeiros "paulistas". Nesse período, ouviu falar de Chico Mendes, mas nunca chegou a encontrar-se com o líder ambientalista.

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O corpo de dona Vicência chegará a Xapuri no começo da tarde desta quinta-feira, de acordo com previsão da família. O velório acontecerá em sua antiga residência, localizada na Rua Major Salinas, no centro de Xapuri. A decisão da família de não velar a pioneira nordestina em local público (o velório deveria acontecer no prédio do Museu Casa Branca) obedece a um último pedido de Tia Vicência: queria ser velada na sua antiga casa em Xapuri.  

Com informações de Edmilson Ferreira em reportagens anteriores pela Agência de Notícias do Acre. As imagens são do fotógrafo Sérgio Vale.

Comentário do jornalista Beneilton Damasceno, que uma vez ou outra corria a Xapuri para saborear a deliciosa comida caseira de Tia Vicência:

“Tia Vicência, outra heroína de Xapuri que vai embora...

Acabo de tomar conhecimento da morte da Tia Vicência, matriarca de Xapuri, uma das mais amáveis e sensíveis almas que conheci e tida popularmente como "mão de fada", pelos pratos que preparava com incomparável requinte.

Tratava todos com a mesma candura de mãezona. Não me conhecia pelo nome - sequer sabia que eu era de Rio Branco, de onde saí não poucas vezes somente para degustar sua profusão de sabores tipicamente amazônicos -, mas me abraçava efusivamente como se eu fosse tão conhecido quanto o ex-presidente Lula, que por vezes degustou sua culinária sem igual.

Há alguns anos deixara de cozinhar - apenas transmitia sua experiência às empregadas mais novas, e recepcionava os comensais com alegria, a despeito da lentidão do andar e do corpo tênue e curvado”.

5 comentários:

Jorgewan Hadad disse...

Muito triste pela perda de D. Vicência que soube honrar dignamente os seus 84 anos muito bem vividos. Senhora de mãos prendadas que tive o prazer de saborear diversas vezes seus deliciosos pratos. Daqui vão os nosso mais profundos sentimentos a toda a família Bezerra da Silva. Jorge Hadad e família.

Jorgewan Hadad disse...

Muito triste pela perda de D. Vicência que soube honrar dignamente os seus 84 anos muito bem vividos. Senhora de mãos prendadas que tive o prazer de saborear diversas vezes seus deliciosos pratos. Daqui vão os nosso mais profundos sentimentos a toda a família Bezerra da Silva. Jorge Hadad e família.

Mara disse...

Meus sentimentos aos familiares.

Tive o prazer em conhecer um pouco da história desta Senhora, dona de mãos prendadas, da melhor comida caseira que já comi. Através de suas palavras pude compartilhar um pouco da história do Acre com meus conterrâneos paulistas.


Mara disse...

Meus sentimentos aos familiares.

Tive o prazer em conhecer um pouco da história desta Senhora, dona de mãos prendadas, da melhor comida caseira que já comi. Através de suas palavras pude compartilhar um pouco da história do Acre com meus conterrâneos do sudeste.

Notícias do Amanhã disse...

Acabei de assistir pela segunda vez o documentário Borracha pra Vitória e resolvi procura no Google o nome desta senhora.
Que Deus a tenha sob suas bênçãos na certeza da herança que a mesma deixa de honra e trabalho.