domingo, 1 de junho de 2008

Antônio Firmino da Silva

Se vivo fosse, meu velho pai estaria completando, neste 1º de junho, oitenta anos de vida. Morreu precocemente, aos 54 anos, ainda em 1982, num dia 24 de agosto que jamais esquecerei. Não era meu pai biológico, mas me criou desde o primeiro ano de vida como se meu sangue corresse em suas veias e o dele nas minhas. Um exemplo de vida, um professor fantástico, sem nenhuma escolaridade, mas com toda sapiência necessária para mostrar o caminho certo a ser trilhado - suas curvas, pedras e obstáculos.

Chamava-se Antônio Firmino da Silva. Foi seringueiro ainda menino, aos 11 anos de idade já cortava algumas estradas, pela necessidade de ajudar no sustento de mãe e irmãos. Era órfão de pai. Depois se tornou comboieiro, mercador dos seringais, responsável pelo aviamento dos seringais Novo Catete e Porto Franco. Trabalhava para a firma Abib Kalume Ltda. Tinha a ambição de ficar rico com aquele trabalho insano, duro, de sol a sol. Porém, seringueiro que era, não possuía a má fé nem a ganância comuns a quem, nesse ofício, conseguiu acumular alguma riqueza.

Morreu lá, nos campos do Novo Catete, de onde não imaginava sair para viver na cidade. Antes, comprou um terreno em Xapuri, em 1978, para que eu e minha irmã, Francisca, pudéssemos estudar. Construiu a casa, comprou as mobílias, geladeira, sofá e uma televisão em preto e branco da marca Telefunken - uma das poucas coisas que prendiam a sua atenção na cidade. Ligou “luz elétrica”, instalou telefone e cavou um poço. Mas não pensou jamais em fixar residência ali. Era um hóspede dos finais de semana. Voltou para o Novo Catete, onde morreu no meio do campo, quando apanhava o comboio de burros para mais uma viagem ao “centro”.

Um colapso fulminante tirou a vida daquele homem que eu, aos 11 anos, imaginava imortal, uma rocha indestrutível, um amparo impenetrável. Comecei ali, no momento de dor e de uma perda da qual jamais me recuperei totalmente, a compreender a vida na sua verdadeira e dura essência. Compreendi também que a morte não é capaz de separar as pessoas e que há, sim, vida após a morte; que mesmo morrendo fisicamente permanecemos vivos naquilo que deixamos de exemplo, de trabalho, de valores ou simplesmente de gestos, por mais simples que sejam. Bastam que sejam sinceros e que fiquem marcados de forma especial e indelével.

A morte de meu pai e a sua incomunicabilidade nesses 26 anos passados são para mim razões fortes para continuar acreditando que Deus existe, por mais que os pragmáticos da ciência me digam que essas sejam razões para crer exatamente no contrário. Há algo grande e incompreensível aos olhos da razão que talvez somente na morte seja devidamente explicado. Apego-me a essa certeza para que possa continuar vivendo, lutando firmemente para deixar aos meus filhos, que carecem de exemplo e conselho, pelo menos um pouco daquilo que o senhor Antônio Firmino um dia me deixou. A confiança de que vale a pena viver e lutar por um mundo melhor e mais justo.

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