O texto a seguir foi publicado no dia 03 de setembro de 2006, no jornal Página 20,pelo cronista e professor de filosofia da Ufac, o xapuriense José Cláudio Mota Porfírio, meses depois do falecimento de Wando Barros, uma das melhores cabeças dessa terra, que tão precocemente nos deixou. No próximo domingo, 13, Wando, Cacá ou Mestre, como gostava de ser chamado pelos amigos, completaria 42 anos de idade.
Entre lágrimas e poesia, vamos vivendo por aqui, nas idas e vindas dessas vicinais do nosso mundão amazônico. Aos trancos e barrancos, aos trambolhões, temos ainda levado essa vida marvada, como tu o dirias. Todavia, felizmente, bom é notar que o sacrifício do grande irmão Chico Mendes não foi em vão e, hoje, a cada dia, temos mais orgulho de ser acreanos, teimosos e confiantes.
A correspondência abaixo me foi enviada pelo Wando Barros, em meados de 1998. Havia eu defendido uma tese de doutorado e, de volta à terra, encontrara um Acre lúgubre, sombrio. Fiz então contatos e arranjei emprego de professor numa faculdade particular do interior de São Paulo. Estava decepcionado e, em Xapuri, houvera anunciado que iria embora. Todavia, já em Rio Branco, encontrei um desses rapazes do PT, o Jorge Viana, na redação deste diário. Ele me afirmou que a vida melhoraria. Fiquei e estou no Acre porque a mim foi devolvida essa acreanidade pulsante que não se esvai tão facilmente.
De início, um preâmbulo no e-mail:
"Meu caro Cláudio. Tomei a liberdade e tive pretensões de escrever-te umas linhas de despedida, talvez de até breve. É claro que eu não tenho o mesmo dom da escrita que o nobre amigo tem. Mas, vá lá. Segue em anexo a tal missiva. Podes lê-la, rasgá-la, mostrá-la para os amigos, publicá-la. Faça dela o que quiser. Um forte abraço desse xapuriense das barrancas do Rio Acre".
Wando Barros.
Xapuri - Acre, 17 de novembro de 1998.
"Prezado Zé Cláudio.
Talvez seja esta a primeira vez em que eu escrevo pra alguém, e talvez também deva ser por ironia do destino que seja uma carta recheada de sentimentos dúbios. Dúbios porque ao mesmo tempo em que estou feliz pelo fato de mais um xapuriense ir brilhar em outras paragens (estrelas feito o amigo brilham em qualquer constelação). E estou profundamente triste ante ao fato de perdemos um dos bastiões da nossa combalida resistência. Resistência esta que, com certeza, se ressentirá da vossa falta, haja visto que muitos dos ditos “símbolos da resistência acreana” hoje não passam de meros lacaios da direita reacionária e retrógrada a serviço de interesses escusos e impublicáveis.
Mais meu caro Zé Cláudio, vá. Vá e mostre aos corvos da cultura e da moral acreana que você é “bom”, cabra de Xapuri! Você brilhará em outras plagas como brilhou por estas paragens. Vá, meu bom, que eu, apesar das limitações a mim impostas, tentarei, como o amigo costuma dizer, combater o bom combate ao lado de outros não menos importantes e valorosos combatentes (cite-se aqui Garrinha, Bila de Leônidas, Luiz Beleza, Eduardo de Souza e tantos outros que no momento a memória me falha). Este combate o próprio amigo sabe que é duro e na maioria das vezes nós sabemos ser longo, mas, como diria o companheiro Raimundão: a luta continua.Ocasiões para lembrar de você não faltarão. Com certeza eu sentirei a sua ausência nas procissões do nosso Poderoso São Sebastião. A nossa maior festa profana, o badalado Festival de Praia não mais será o mesmo sem a sua “inteligente” presença sempre a emitir opiniões abalizadas e sugestões para o festival seguinte e, por fim, a minha maior lembrança do amigo será no desfile do 7 de setembro, exatamente no momento em que o nosso glorioso Instituto Divina Providência, de recordações mil, apontar na Coronel Brandão, aí amigo, nessa hora o coração deste velho aleijado de guerra, sentirá saudades múltiplas, exatamente por que neste momento, estarei não só lembrando do amigo, como também da irmã Alfreda, da professora Bárbara, do Bertamildo, da Maria José Calixto, do Hermes Brasileiro eternamente vestido de Saci, e tantos outros “ícones” daquele templo do saber do qual nós, orgulhosamente, fizemos parte e que elementos inescrupulosos e pouco comprometidos com a educação deixaram ficar em estado lastimável. Sabe Zé, recentemente o nosso colégio passou por uma boa reforma e está até bonitinho.
Vou finalizar, amigo, esperando já antecipadamente o dia em que você vier nos visitar. Aí, neste dia, nós, os xapurienses de “Boa Cepa” (inclua-se aí o nosso Garrinha de Guerra, Zé de Barros, Hilário Tomé, o Candiru, a Eliana Pereira, Zé da Porca, Juvenal e muitos outros), estaremos todos de braços e corações abertos, ávidos para ouvi-lo e bebermos nessa fonte de saber que nasceu em Xapuri. Neste dia, não poderá deixar de ter uma boa “cervejinha” estupidamente gelada, tacacá da “Nena” e, nesse dia, o nosso poeta e mestre das seis cordas, Luiz Beleza, exultante de alegria pela sua volta, dedilhará em sua viola aqueles versos do Vandré que ilustram com fidelidade a sua brilhante trajetória... Quem sabe faz à hora não espera acontecer... Um abraço saudoso do Wando Barros.
Era acima de tudo um homem afetuoso. Tinha um coração cheio de amor e palavras, às vezes duras, às vezes tão carinhosas..."
Esta carta eu recebi do amigo acima assinado. Ele não está mais entre nós. Faleceu prematuramente. Partiu já neste verão, no último 22 de julho, para outros mundos onde foi gritar aos ouvidos dos hipócritas, em favor da liberdade e da justiça social para os humanos desse mundo de meu Deus.
Valeu, companheiro! Ide em paz e o Senhor te acompanhe.
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