sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Gado no lugar errado

Alex Henry

São cerca de 230 quilômetros da capital acreana até Cobija, na Bolívia, pela já mítica “Estrada do Pacífico”. Se você ainda não ouviu falar dela, vai ouvir. O Brasil e o Peru estão pavimentando uma rodovia que permitirá ligar o Centro-Oeste brasileiro, passando por Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC), a um porto peruano no Oceano Pacífico. A ideia é escoar por ali a produção brasileira destinada aos mercados asiáticos. A ideia deles, é claro. A minha e a de muitos aventureiros é usar a estrada para cortar de carro a Amazônia, os Andes, passear em Machu Picchu e, depois, descer pelo Chile, passar pela Argentina e voltar para o Brasil.

Não fiz essa viagem agora, mas no último fim de semana peguei um trechinho dela, entre Rio Branco e Brasileia/Acre, divisa com Cobija, na Bolívia. A intenção do rápido roteiro era conhecer a capital acreana, pegar um pedacinho da Estrada do Pacífico e chegar até Cobija, uma zona franca onde os acreanos vão comprar eletrônicos, perfumaria e outras bugigangas.

Quanto a Rio Branco, descobri que é um xodó de cidade, lindinha, do tamanho de Uberaba, cheia de parques, construções bem cuidadas, uma iluminação bacana e uma orla do rio Acre voltada para o turismo e o lazer. Os hotéis não são baratos, uma regra da região Norte, mas não tive outras reclamações. A única tristeza foi entrar na Estrada do Pacífico. Não, a rodovia não está ruim: o asfalto anda muito bem conservado. Tristeza foi percorrer os 230 quilômetros até Cobija, em plena zona de floresta, e ver apenas cana de açúcar e pastagens, imensas pastagens com gado zebu sendo criado. Doeu o coração, juro por Deus! Cruzei floresta em apenas dois quilômetros da viagem. O resto foi pasto, só pasto. Meu Deus, onde vamos parar?! Para que criar gado na Floresta Amazônica, no sistema extensivo? Se podemos criar gado em outros locais ou, pelo menos, no sistema intensivo, por que derrubar uma vastidão de floresta para deixar um boi pastando? No meio do caminho, desolado com a paisagem, fiz um pequeno desvio para conhecer Xapuri, cidade de Chico Mendes, o grande defensor da floresta. Fui até a casa dele, vi a escada onde um tiro covarde o acertou, vi a toalha (que ele segurava naquele momento) manchada de sangue e perfurada pelo chumbo, e percebi que aquilo era a própria encarnação da Amazônia: um corpo agonizante, sendo assassinado para que árvores possam continuar dando lugar a pastagens. Triste.

A Estrada do Pacífico faz escala em Epitaciolândia e Brasileia, no Acre, vizinhas de Cobija. No ano que vem, farei o restante da viagem e espero que meus olhos possam ver, ainda no Brasil, ao menos um pouquinho de floresta preservada. Uma aventura tão legal não pode deixar apenas imagens de devastação.

Alexandre Henry é jornalista e escritor. Além da coluna Modo de Ver, publicada às quartas-feiras no Correio de Uberlândia (MG), é responsável pelo site dedodeprosa.com.

Nenhum comentário: