Rubens Santana de Menezes
Dentre as qualidades necessárias à convivência humana, a que mais me impressiona é a presença de espírito.
Pois bem, Canarú, uma figuraça, nasceu e morou em Xapuri até o início dos anos 70, e era um dos exemplos que nossos pais citavam, num misto de advertência e admiração.
Era o típico 171: contava estórias tão bem que enganava aos trouxas! E quando não conseguia, o fato era contado e recontado com um humor que ressaltava, invariavelmente, sua rapidez de reação ao pensar.
Certa vez, com o intuito de evitar sua prisão, Canarú, devidamente paramentado com óculos escuros, bengala e cadeira na varanda, fez circular a notícia de que teria ficado cego.
A cidade ficou dividida: a metade achava que tinha sido castigo divino e, condoída, lançava em sua direção olhares de perdão e palavras de conforto.
- Coitado!
E a nós, moleques, emendavam uma advertência.
- Tá vendo o que acontece com quem mente?!
A outra metade, menos crédula e com mais memória, comentava cética.
- Cego?!!
- Duvi-d-o-dó!!
- É mais uma tramoia do Canarú!
- Já se esqueceu daquela vez, em que ele...?
Dentre os mais céticos, estava Manoel Sodré: sujeito atarracado, vastos bigodes, arrendatário do seringal São Miguel e morador no final da rua da Gaveta.
Para quem conhece Xapuri, a rua da Gaveta começa bem em frente à casa onde morava o Canarú.
Num belo dia, chegava o Manoel do seringal montado em seu burro preferido e ao passar em frente a um desatento Canarú sentado na varanda, ocorreu o seguinte diálogo:
- Oi, Manoel Sodré! Como vai? Falou Canarú.
- Ué, Canarú! Tu não tá cego?! Como sabe que sou eu? Antegozou o Manoel.
- Reconheci pela pisada do burro!!! Contornou, rápido, o Canarú.
Rubens Santana de Menezes, o Rubinho é, além de professor aposentado da UFAC e ex-goleiro, grande conhecedor do “universo xapuriense”. Tenho pescado suas escritas via Facebook.
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