segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O ouvinte

Rubens Santana de Menezes

E quando eu entrava na pré-adolescência, apaixonei-me pela primeira vez. Talvez por isso, o garoto começou a apresentar deficiências na aprendizagem quando cursava a 4ª série do antigo Ensino Primário, no Colégio Divina Providência, onde estudava graças a uma bolsa doada pela Prelazia.

Chiquinho e Enedina acertaram que deveriam reforçar a aprendizagem com um turno a mais de estudos, e para tal, já que faziam parte do sistema público de ensino, conseguiram-me uma vaga, como ouvinte (não matriculado), no Plácido de Castro, à tarde.

Lá conheci Nestor, Edna, Raimunda de Cecílio e Castelinho. Encontrei Tadeu e Leuda Figueiredo e reencontrei Luiz Beleza, que já conhecera lá pelas bandas da sede do seringal Boa Vista.

Eu não consigo relembrar nada do que me foi ensinado ali... as únicas coisas de que me recordo eram o Nestor falando que era canudo, que na gíria da época significava dizer que era bom de briga; que as três irmãs (Euri, Déa e Nadir) usavam o mesmo penteado, e que na sala de aula fazia um calor infernal.

Lembro-me também de uma tarde que teimava em se arrastar dentro de um calor que entrava junto com o sol pelas janelas à direita.

Minha figura destoava dentro da sala, pois era o único a não trajar o uniforme da escola; para mimetizar-me escolhi sentar em uma das filas centrais. Uma cadeira atrás da minha, estava Luiz.

Pouco antes do recreio, senti um toque no ombro. Voltei a cabeça e Luiz passou-me um pedaço de papel bem dobrado. Cautelosamente abri e li a letra de uma canção da Jovem Guarda. Acho que de Paulo Sérgio... não lembro.

Eu estava tão dispersivo que, após ler rapidamente, fiz do papel uma bolinha e, distraidamente, a atirei pela janela num dos momentos em que prof.ª Nadir estava a escrever no quadro, que nesta época era negro mesmo.

Não se passaram nem 5 minutos, bateram à porta e prof.ª Nadir, após entreabri-la, conversou rapidamente com alguém que se supunha estar do outro lado. Discrição extremada!

Após fechar a porta - não deu tempo nem mesmo de piscar - a professora descascou:

- É uma falta de consideração e um desrespeito. A gente se mata pra cuidar da casa, do marido, dos filhos. Ainda precisa encontrar tempo pra elaborar aulas, preparar material pra oferecer uma boa aula…

A sala ficou galvanizada! Todos os olhares estavam fixos na figura da professora, que nervosa, caminhava de um lado pro outro.

- Muitos dos meus alunos estão, deveras, interessados em aprender; outros vêm de longe e estudam com sacrifícios.

Acredito que todos estavam sem entender absolutamente nada, inclusive eu, até o remate final:

- O que aqui se busca é dar uma formação para que vocês sejam bons cidadãos, consigam bons empregos e assumam as rédeas da coletividade. Faz-se todo este sacrifício, pra OUVINTE pôr tudo em risco!

Se o teto tivesse desabado sobre minha cabeça, o efeito não teria sido tão desastroso.

Procurei um buraco pra enfiar-me dentro. Eu queria evaporar!

Acredito que meus pais foram comunicados, pois nunca mais voltei àquela sala de aula; e até hoje Luiz Beleza insiste em me fazer reviver o momento em que aquela palavra feriu os meus ouvidos: OUVINTE!

E assim, no espaço temporal entre uma música da moda, uma bolinha de papel na varanda encerada e um grito de alerta, ”salvei” minha geração da ignorância e da irresponsabilidade.

Rubens Santana de Menezes, o Rubinho, é professor aposentado.

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