José Cláudio Mota Porfírio*
(Publicado no blog Impressões Gerais no dia 09/02/2007)
Faz já um tempão. Alguns dos meus personagens da época se foram para outros mundos a chamado de Deus. Mas as vidas que se vão é por conta da sombra das inexoráveis horas que não poupam nem os piores; muito menos nós. O relógio não parou. A poeira não baixou. Têm amadurecido todos os dias as células que compõem os nossos futuros cadáveres.
Eu, cá de minha parte, posso e devo dizer que sofri uma prova de fogo ao estrear no dito mundo do futebol. Foi assim também quando enfrentei alguns vestibulares... E o sexo pela primeira vez, na adolescência. Nos três lances, tive sucesso, mas as experiências foram um tanto drásticas, principalmente, em vista da tenra idade.
Pois bem. Corria o ano de 1973. Era eu aluno aplicado do Colégio Divina Providência, em Xapuri. Cursava o terceiro ginasial e me saía sempre muitíssimo bem... Que os meus contemporâneos confirmem, por favor!
Foi por essa época que fundaram o Paissandu, numa alusão ao clube de Belém do Pará. Veio então o Jânio Fontenele, gerente do BASA, e foi aclamado presidente. Havia dinheiro e amizades com clientes e funcionários do banco. Logo alguns boleiros foram contratados, a exemplo de Duplanir (goleiro), Curica, Peroaba e Daniel. A estes se juntaram, talvez, o que de melhor havia em Xapuri, como Erivélton, Paulo Japonês, Penca, Ermínio (irmão do Dadão), Tadeu do Gia, Mirim, Vasquerê, Lioberto, dentre outros mais. Chamaram alguns mais novos, como eu, para compor o banco de reservas.
Esse Zé que vos alinhava estas palavras tinha alguma pouca habilidade no meio campo. De avante, me atrapalhava nas conclusões. De zagueiro, até que fui bem, mas no time só tinha cobra. Findei por acomodar-me na reserva do Duplanir, um moço alto que também tocava guitarra e cantava Elvis Presley em um conjunto musical, à noite, nos bailes da cidade.
Era um sábado, anterior ao domingo em que haveria a grande decisão do campeonato xapuriense. Meu caro amigo Duplanir houve por bem ingerir alguns uísques recém importados diretamente de Cobija, trazidos pela dedicadíssima esposa Maida Farhat, boliviana, que se instalara enquanto competente dentista em Xapuri. Lá pela noitinha, o meu titular, bêbado, começou a brincar com um revólver. Não se sabe a quantas ia o grau de etilização do bom Duplanir, mas o certo é que, acidentalmente, uma bala saiu velocíssima da arma e se alojou no meio da titela do homem, para o meu desespero de garoto de dezesseis anos.
No outro dia, à uma da tarde, lá estava eu concentrado com os demais. Às dezesseis, começou a peleja. Eu tremia, mas ninguém notava. Curica e Ermínio me disseram que jogasse o meu feijão-com-arroz e esquecesse o nervoso. (Esse feijão-com-arroz não era lá tanta coisa.) Nas arquibancadas, a galera era numerosa. Havia algumas fãs (será!?), o que me fazia tremer ainda mais. O jogo era decisivo contra o América, time dos meus primos Mota. E eles me xingavam por exercer, naquele momento, algum tipo de traição. A barra era pesadíssima. Eu era apenas um garoto medroso.
Aos cinco do primeiro tempo, saí numa bola além da grande área para dar um chutão. Errei bizarramente, mas, atrás, na cobertura, estava o Curica para salvar a pátria. Aos dez, o Dines de Souza Lima fez o primeiro, de cabeça, indefensável, no cantinho. Aos dezesseis, o Manoel Tripa ampliou para dois a zero pró América. Aos vinte e dois, então, veio um pênalti contra mim. Escalaram o Pirruchinha para a cobrança. Eu, cá no meio do gol, de braços abertíssimos, à moda do russo Yashin, o Aranha Negra - só na pose. E dizia o Curica: faz o que tu sabes, e só! O Pirruchinha tomou uma distância razoável. Era craque. Correu e bateu meio fraco. A bola veio pererecando e se alojou entre as minhas pernas, e não passou. Muito mais que rapidamente eu a puxei no rumo dos braços e caí para o lado, como se tivesse feito a defesa mais brilhante de toda a minha vida, incluindo a da tese de doutorado lá na Universidade de Campinas. Veio a fotografia. A galera vibrou e as esperanças recaíram sobre mim, o pobre Zé Cláudio do Gibiri, um goleiro nada arrojado.
Foi aí que começamos uma reação histórica. Logo em seguida, o Ermínio fez um golaço - bola colocada como só ele sabia - no Rubinho Santana, do América, o melhor goleiro da cidade, tendo passado pelos juvenis do Rio Branco. Mais ou menos aos quarenta, o Vasquerê soltou um petardo e furou a rede do Rubinho. 2 a 2 no placar e estava encerrado o primeiro tempo.
Veio o segundo tempo e, aos trinta, eu ainda tremia. Andrias Sarkis, o do Basa, via Rádio Educadora Seis de Agosto, narrava a peripécia ao nível de Waldir Amaral, um dos nossos ídolos da época. O Tadeu do Gia dominou a bola na entrada da grande área e decretou a virada. Cinco minutos depois, os meus primos Mota acabaram o jogo na porrada e alguns de nós, inclusive eu, tivemos que pular o muro para não apanhar. Lógico!
Enfim, éramos campeões! E veio a festa de entrega das faixas. Entretanto, eu houvera viajado para passar férias em Rio Branco, nas areias da Base. Dizem que muito falaram em mim, mas a faixa entregaram ao meu dileto irmão Manoel do Gibiri que se achou no direito de, enquanto mais velho, guardá-la, em sua casa, como relíquia. Eu aceitei o fato. Ele houvera insistido tanto... Certo é que a poeira do tempo levou a minha condecoração, mas não conseguiu apagar da lembrança a mais incrível aventura de um garoto de dezesseis anos nas guerras do futebol.
*Xapuriense
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