Por Selvino Heck*
“Crise faz com que crianças passem fome na Grécia”, é a manchete do New York Times (29.04.13). Diz a matéria do jornal: “Como diretor de uma escola primária, Leonidas Nikas está vendo o que ele pensava que fosse impossível acontecer na Grécia: crianças procurando comida nas latas de lixo, jovens necessitados pedindo sobras de comida aos colegas e um menino de 11 anos, Pantelis Petrakis, com o corpo crispado pela fome. ‘Ele não tinha comido quase nada em casa’. Nikas consultou os pais de Pantelis, que disseram que não conseguem trabalho há meses. ‘Nem em meus sonhos mais loucos eu esperava ver a situação em que estamos. Hoje as famílias têm dificuldade não apenas para encontrar emprego, mas para sobreviver’, disse Nikas.”
A economia grega encolheu 20% nos últimos cinco anos. O índice de desemprego supera 27%, o mais alto da Europa, e seis em cada dez pessoas que buscam emprego dizem que não trabalham há mais de um ano. Essas estatísticas estão reformulando a vida das famílias gregas. As crianças chegam em número cada vez maior famintas, subalimentadas ou até desnutridas às escolas, segundo grupos privados e o governo.
Estima-se que 10% dos estudantes gregos da escola básica e média, no ano passado, tenham sofrido o que os profissionais de saúde pública chamam de ‘insegurança alimentar’. “Quando se trata de insegurança alimentar, a Grécia hoje caiu ao nível de alguns países africanos”, segundo Athena Linos, da Prolepsis, um grupo não governamental de saúde pública.
“Nossos sonhos foram esmagados”, diz Evangelia Karakaxa, 15, aluna do colégio número 9 em Acharnes. “Eles dizem que quando você se afoga, sua vida passa em um ‘flash’ diante de seus olhos. Minha sensação é de que na Grécia estamos nos afogando em terra seca.” Já Alexandra Perri, que trabalha na escola, disse que pelo menos 60 dos 280 alunos sofrem de desnutrição. “O que é assustador é a velocidade com que isso está acontecendo.”
“Ou optamos pelo rentismo ou pelo desenvolvimento produtivo”, afirmou Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), na reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que debateu, em 23 e 24 de abril, a alta dos preços dos alimentos e repercussões na soberania e segurança alimentar nutricional no Brasil.
A resposta de Clemente é clara: é preciso enfrentar o rentismo. No embate entre o aumento do preço do tomate - real, mas por razões sazonais e climáticas, com a consequente subida da inflação, e a suposta necessidade de aumento dos juros -, é preciso fazer uma escolha. Disse Clemente na reunião do Consea: “Ficou desconfortável para quem ganhava 8% em termos reais no jogo rentista da Bolsa de Valores e do mercado financeiro passar a ganhar apenas 2%, o que ainda é um percentual muito alto, se olharmos para o resto do mundo”.
Segundos os técnicos do Ministério da Fazenda presentes na reunião do Consea, o tomate serviu de isca e mote para dizer que a inflação estava fora de controle, o que, absolutamente, não está acontecendo. “Se retirarmos apenas três produtos (o tomate, os planos de saúde e o feijão) dos cálculos inflacionários de março, a inflação cai 40%”.
E não é só na Europa. Nos Estados Unidos, entre 2009 e 2011, o patrimônio líquido de 7% das famílias mais ricas cresceu 28%. O dos restantes 93% encolheu 4%. No meio da crise neoliberal, os 8 milhões de famílias mais ricas dos EUA viram sua riqueza média saltar de US$ 2,5 milhões para US$ 3,5 milhões. As restantes 111 milhões tiveram queda patrimônio: de US$ 140 mil para US$ 134 mil (Carta Maior, 2014: onde o bicho pega, 26.04.13).
No Brasil da última década, a renda dos 10% mais pobres cresceu 91%. A dos 10% mais ricos aumentou 16%. Foram gerados 19,3 milhões de empregos na última década. O aumento real de poder de compra do salário mínimo foi de 70%. Segundo o FMI, o Brasil foi o líder mundial na geração de empregos desde 2008, em pleno colapso da ordem neoliberal na Grécia e em quase toda Europa. Em 1995, com um salário mínimo comprava-se 1,02 cesta básica de alimentos. Em 2013, a relação cesta básica-salário mínimo é de 2,13. Ou seja mais que dobrou em 18 anos. Em 1995, precisava-se trabalhar 219 horas para adquirir a cesta básica. Em 2013, são necessárias 103 horas.
O tomate tornou-se o símbolo do rentismo, daqueles que vivem de rendas, sem produzir um prego, colher um pé de couve na horta ou uma espiga de milho na roça. Os que defenderam a distribuição de renda no 1º de Maio, Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras, não querem ver o Brasil tornar-se uma Grécia, onde as crianças chegam na escola com fome, ou voltar a viver no Brasil do desemprego dos anos noventa.
É preciso fazer escolhas. Como diz Leonidas Nikas, o diretor da escola grega: “A menos que a União Europeia aja como essa escola, onde as famílias ajudam outras famílias porque somos uma grande família, estaremos acabados”. E deixar de comprar o tomate por um tempo, até que ele, como já está acontecendo, superadas razões sazonais e condições climáticas, volte a preços normais.
Por fim, dizer como a presidenta Dilma Rousseff disse em seu pronunciamento de 1º de Maio: “Não abandonaremos jamais os pilares da nossa política econômica, que têm por base o crescimento sustentado e a estabilidade. E não abriremos mão jamais dos pilares fundamentais do nosso modelo: a distribuição de renda e a diminuição da desigualdade no Brasil”. Isto é, ou rentismo ou desenvolvimento produtivo.
Viva as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros!
*Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.
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