Dados apontam que cerca de 75% dos prefeitos no País, de alguma forma, respondem processos administrativos
O jurista e professor Léo da Silva Alves, referência internacional em responsabilidade de agentes públicos, explica que cerca de 75% dos prefeitos respondem a algum tipo de processo. Os dados são do ano de 2000, do então Centro Brasileiro de Formação Política. Muitos deixam os seus mandatos e permanecem por longos anos em desgastantes embates nos tribunais. Inquéritos policiais, ações civis públicas, processos criminais e em Tribunais de Contas pelas mais inusitadas condutas. Mais de uma década depois, muitos deles com certeza ainda não conseguiram se livrar das contendas e já consumiram expressivas somas de recursos pessoais em complexas defesas.
Segundo o especialista, isso se deve ao modelo de gestão que se segue no Brasil, onde não são claramente definidos os papéis. “O ideal seria que o ministro, o secretário de Estado, o prefeito, respondessem pelas ações políticas que empreendem, pelas decisões que tomam, pelo resultado das medidas administrativas que adotam; e que funcionários altamente qualificados, da estrutura profissional e permanente do serviço público, cuidassem da parte técnica e respondessem pelos erros de procedimentos e pelo não atendimento de formalidades legais”, destaca o professor. Mas, segundo ele, “se a comissão de licitação deixar de cumprir determinado procedimento formal é muito provável que o assunto se transforme em processo contra a autoridade, que terá que se explicar perante o Poder Judiciário e as Cortes de Contas, muitas vezes em ambiente de escândalo”.
Os agentes políticos que exercem atividades na Administração municipal não têm, como regra, formação técnica específica. Isso não é demérito, não é estranho e não lhes tira a relevância e a legitimidade. São cidadãos escolhidos na comunidade, aos quais o povo, em confiança, confere o poder de gerir os interesses do Município.
Essas pessoas, portanto, não são tecnocratas e não precisam sê-lo para cumprir dignamente o encargo que lhes foi entregue. É salutar que saiam do seio da própria sociedade, na qual convivem e conhecem as necessidades, para exercer um papel de gestão em nome do grupo coletivo. Estão, aqui, o prefeito, o vice-prefeito e os vereadores; e, por extensão, os secretários municipais.
É natural, assim, que os agentes que executam atividades na Prefeitura Municipal e na Câmara de Vereadores sejam políticos e não técnicos. Isso, entretanto, perante a lei e perante as estruturas do controle, não minimiza as responsabilidades; isso não lhes dá um salvo conduto. Na medida em que tomam decisões, praticam atos administrativos e ordenam despesas, atraem para si uma gama enorme de dispositivos legais, que começam na Lei de Responsabilidade Fiscal, passam pela Lei das Licitações e Contratos, avançam pela Lei da Improbidade Administrativa e não raramente acabam no Código Penal, nos chamados crimes contra a Administração Pública.
É por isso que é fundamental a preparação dos agentes públicos municipais para a complexidade dos ofícios que assumiram. Eles podem ser políticos na sua natureza, mas precisam compreender que as ações que empreendem devem estar tecnicamente respaldadas. Os meios de controle se aperfeiçoaram, métodos informatizados facilitam a identificação de irregularidades (às vezes em tempo real), a sociedade está esclarecida e o Ministério Público, com um grande espaço de atuação, está presente em todas as localidades. Logo, é necessário que dediquem um tempo mínimo para compreenderem na prática os princípios que regem a Administração Pública. O administrador que se fixar nas balizas desses princípios reduz substancialmente as possibilidades de parar nas delegacias de polícia e nos foros judiciais. Indo além, os gestores precisam constituir uma assessoria técnica competente. Se for preciso, busquem apoio externo nas questões de maior complexidade.
“A sabedoria popular ensina que é melhor prevenir do que remediar. É verdade. Antes de ser popular, é sabedoria. A segurança de quem exerce função pública está diretamente relacionada aos meios de prevenção que adotar”.
NINGUÉM ESTÁ ACIMA DA LEI
Tomando ainda como referência o ano de 2000, valem as seguintes anotações como amostragem: somente na região de Bauru - SP, sete prefeitos foram cassados; dois prefeitos estavam presos. Em um único Município no interior do Estado do Espírito Santo, dos treze vereadores, onze tiveram prisão decretada. No Rio Grande do Sul, havia prefeito foragido, procurado pela Interpol.
Em 2012, o Tribunal de Contas da União emitiu 16 condenações para prefeitos e secretários municipais do Amazonas, que ficaram com a responsabilidade de restituir aos cofres federais mais de 15 milhões de reais. O montante refere-se a repasses de convênios da União que foram omitidos, mal aplicados ou as prestações de contas não se sustentaram[1].
Ainda em 2012, o Tribunal de Justiça do Maranhão condenou 21 prefeitos e ex-prefeitos envolvidos em algum tipo de crime no exercício do cargo. As penas aplicadas variam de cassação à prestação de serviços à comunidade. Além das condenações, a Corte recebeu outras 29 denúncias contra gestores públicos municipais, apresentadas pelo Ministério Público Estadual. Entre os incidentes que levaram à condenação incluem-se improbidade administrativa, atraso ou fraude na prestação de contas, lesão ao erário público, desvio de verbas, falsidade ideológica, contratação de servidores sem concurso, fraude em licitações, falta de comprovação de aplicação de recursos do Fundo Municipal de Saúde (FMS), má aplicação dos recursos do FUNDEB, fragmentação de despesas e dispensa irregular de licitações.[2]
No Estado do Ceará, entre 2011 e os primeiros meses de 2013, somente a Procuradoria da República ajuizou mais de 400 ações por conta do mau uso de recursos públicos, a maioria envolvendo administradores municipais. Predominam aqui os incidentes na aplicação de verbas nas áreas de educação, saúde, abastecimento de água e turismo.[3] Dos casos denunciados, 16 prefeitos e ex-prefeitos já foram condenados, tendo os seus nomes incluídos na lista de inelegíveis.
Ainda no Estado do Ceará, o Tribunal de Contas do Município encaminhou à Justiça Eleitoral a relação de 429 prefeitos e gestores municipais que tiveram as contas rejeitadas por decisão definitiva entre julho de 2004 e junho de 2012.[4] São possibilidades de carreiras políticas interrompidas, além, obviamente, das consequências diretas dos processos, como a possibilidade de reparação, com recursos pessoais, de expressivos danos que teriam causado ao erário.
É preciso compreender, portanto, que os tempos mudaram. Em um País onde o Parlamento retirou o presidente da República, onde vários ministros de Tribunais Superiores e desembargadores de vários Estados foram afastados, processados e aposentados compulsoriamente, nenhum cidadão está acima da lei.
Há casos temerários, é verdade. O candidato elege-se prefeito e toma posse como deus. O vereador assume o mandato e acredita estar investido também em um grau de divindade. Envereda pelos caminhos do tráfico de influência e das relações promíscuas com o Executivo. Uma pessoa ocupa uma Secretaria municipal e se vê como uma autoridade intocável, colocando-se em nível de superioridade em relação aos demais cidadãos. No mundo da ética, da decência, das boas e saudáveis relações, esses comportamentos são reprováveis e alguns sinalizam até para distúrbios de personalidade.
Foi exatamente esse nível de deslumbramento que levou importantes autoridades, de presidentes da República a ministros de Estado, a enfrentarem as barras dos tribunais, muitas vezes em ambientes de escândalo. No Estado democrático que se implantou, e com o aperfeiçoamento das exigências sociais do século XXI, todos estão sob intensa vigilância. Não apenas são controlados pelos institutos formais (Tribunais de Contas, Ministério Público), como são fiscalizados pela imprensa e pela sociedade organizada.
NÃO BASTA SER HONESTO
A máxima extraída da história de que à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta, vale para os atores do mundo político. São muitos os administradores públicos que, agindo com princípios morais arraigados, ainda assim acabam constrangidos em processos de vários naipes. Isso porque, por falta de procedimentos que a lei impõe, podem aparecer equivocadamente aos olhos do controle como larápios, fraudadores e formadores de quadrilhas.
A questão não se resume, portanto, ao cenário dos ilícitos, das práticas conscientes de mau uso dos recursos públicos. O grande problema que se vislumbra diz respeito a gestores honestos, pessoas de boa índole, cidadãos vocacionados para bem servir. Sem orientação devida, entretanto, incorrem em situações que lhes expõem até a alma. Quando menos esperam, são vitimados por megaoperações da Polícia Federal; são afastados cautelarmente a pedido do Ministério Público; são denunciados em processos criminais; são acionados pelos Tribunais de Contas. Como consequências, podem ter o patrimônio declarado indisponível, as pretensões políticas fulminadas pela inelegibilidade; a honra dilacerada pela exposição na mídia em escandalosas notícias. Por trás dessa tragédia, geralmente estão as seguintes ocorrências: descumprimento de formalidades essenciais nas licitações, a falta de metodologia na fiscalização dos contratos e a imprecisa prestação de contas de convênios.
Quem operacionaliza a licitação? Não é agente político. Quem fiscaliza os contratos públicos? São funcionários. Quem elabora a planilha de prestação de contas de verbas conveniadas? O serviço contábil. Mas quem responde se isso for mal feito? São os prefeitos, os secretários das pastas, os presidentes das Câmaras Municipais, enquanto responsáveis pela palavra final na gestão.
A IMPORTÂNCIA DA ASSESSORIA
O serviço de assessoria é fundamental para quem exerce função pública. Especialmente o serviço jurídico deve ser um braço de apoio do político responsável. A experiência autoriza a dizer que há uma fórmula certa para dar errado: é politizar o espaço técnico. Isso acontece quando o político, ao ter a oportunidade de nomear um assessor jurídico, apressa-se a escolher um parente, um amigo, um companheiro de partido. Às vezes, o serviço jurídico de uma prefeitura é entregue àquela cunhada que recentemente graduou-se em Direito e mal obteve licença da OAB.
Essa prática é de absoluto risco. O Direito Administrativo é um ramo de alta especialização. Exige conhecimentos que poucos detêm, não pela incapacidade intelectual, mas pela falta de vivência e de estudos pontuais. Há advogados experientes em determinadas matérias que não estão aptos a tratar de questões como licitações, contratos administrativos, responsabilidade fiscal e processos disciplinares. Da mesma forma, outros que são especialistas nestas matérias não mostram a mesma aptidão para cuidar de processos cíveis ou trabalhistas. A ciência jurídica, como a medicina e a engenharia, avançou para a especialização.
Nesse contexto, como primeira medida de prevenção, os agentes políticos precisam cercar-se de assessoria jurídica verdadeiramente qualificada. E que se vá além: o prefeito e o presidente da Câmara Municipal não só devem escolher profissionais com domínio do ofício como devem treiná-los frequentemente. O Tribunal de Contas da União, por exemplo, tem insistido na recomendação de que os gestores públicos viabilizem treinamentos como medida preventiva de irregularidades.
Os tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, têm entendido que mesmo quando há delegação de competências, a responsabilidade final permanece com a autoridade que delega. A esta sempre compete o controle final. Em sendo assim, somente há uma maneira de resguardar-se: fazer com que as ações políticas estejam absolutamente ancoradas em movimentações técnicas de qualidade.
“Os Tribunais de Contas estão aparelhados. O Ministério Público está atento. A imprensa é livre. A sociedade organizada fiscaliza. Logo, só há segurança para o político quando ele exerce as suas funções nos estritos limites da estrada da lei”.
CONCLUSÃO
O procedimento certo, nesse plano de raciocínio, é escolher bem a assessoria e qualificá-la. E, ato seguinte, utilizá-la como fonte de consulta sobre a segurança jurídica das ações administrativas. E, sem preconceito, sem constrangimento, sem melindres, buscar em situações excepcionais pareceres, consultorias e auditorias externas. Ninguém é dono do saber absoluto. Logo, mesmo dispondo de quadros jurídicos qualificados, podem surgir situações que justifiquem socorro externo. Isso acontece com grandes estruturas administrativas, até mesmo do Poder Judiciário, que não raramente contratam o apoio de especialistas. Os Municípios devem seguir o caminho da segurança e da modernidade.
Léo da Silva Alves é professor de Direito Penal Especial no Instituto dos Magistrados do Nordeste e professor convidado da Academia Nacional de Polícia, do Instituto Serzedello Corrêa, do Tribunal de Contas da União e de Escolas de Governo de 21 Estados. Presidiu importantes eventos internacionais, como a segunda sessão plenária do XIII Congresso Mundial de Criminologia e é autor de 41 obras, entre elas produções lançadas na Europa e África.
Jurista especializado em Responsabilidade de Agentes Públicos. Autor de 41 livros sobre Direito Disciplinar, Controle da Administração Pública, Psicologia Jurídica e Criminologia, consagrou-se como a maior referência em Direito Disciplinar e Defesa de Agentes Públicos no Brasil. Há 20 anos ministra centenas de palestras, cursos e seminários para mais de 170 mil alunos em diversos países.
Lançou em Angola o livro “A revolução dos loucos”, que explora o fenômeno da psicopatia na política e no poder; e proferiu conferências sobre o tema, entre outros espaços, na Academia Nacional de Polícia, na Agência Brasileira de Inteligência e no X Encontro Internacional de Juristas, em Lisboa.
[1] Fonte: portal@d24am.com – 26.03.2013.
[2] Fonte: Difusora News – São Luís – MA.
[3] Fonte: Assessoria de Comunicação Social - Procuradoria da República no Ceará – 02.05.2013.
[4] Fonte: página oficial do tribunal: http://www.tcm.ce.gov.br/tre/.
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