domingo, 19 de maio de 2013

E já se vai a última quimera!

*JOSÉ CLÁUDIO MOTA PORFIRO

Desculpe a alusão a Augusto dos Anjos. Ou não desculpe! Ele até morreu há muito tempo e poucos são os brasileiros que saberão de quem se trata. Da minha parte, então, é até um desrespeito citar, nesta mixórdia de texto apocalíptico, o nome de um poeta que tão bem soube tratar e com tal zelo e sempre e tanto a língua portuguesa... Mil perdões, trovador! Que também não me leve a mal o Vinícius. De onde quer que estejais, escutem este clamor relativo à nossa última quimera. Nós também temos morrido a cada dia, da mesma forma que o triste vernáculo. Incrível! Hoje, o conhecimento é estúpido e relativo também.

Certo é que houve por bem empreender viagem ao país das maravilhas. Embarcado em três naus  -  Santa Maria, Pinta e Niña  -  para lá arribei com o fito único de apenas dar bagaço. Devido à lassidão dos ventos amazônicos, errei a rota e fui dar com as fuças em rochedos íngremes de uma nação de obtusos que não vêem um palmo adiante dos narizes rotundos em catarro esverdeado. Cheguei enfim ao Brasil, uma terra onde muitos dos que são pobres se agarram à idéia segundo a qual nada é melhor que viver muito mal, de mal a pior.

Então, na última viagem a Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, frequentei, durante a minha estada de vinte dias, um boteco pagodeiro, de esquina, chamado DO GALEGO, onde encontrei dois professores aposentados há pouco tempo com quem passei a trocar uns dedos de prosa sempre que surgia a possibilidade. Deles, ouvi poucas e boas.

O Aristarco de Pamplona e o Agamenon Leandro me fizeram acreditar em muitas coisas antes por mim inimagináveis. A primeira das afirmativas por mim anotadas é de uma concretude inquietante por demais. Segundo eles, como nas famílias, nas escolas  -  uma é o reflexo da outra  -  os que dizem ilustrar-se crêem firmemente na idéia segundo a qual não é preciso estudar, nem os professores os podem reprovar porque as estatísticas oficiais jamais o permitiriam.

Na Escola de Ensino Médio Doutor Paula Medina, em Bangu, Rio, os professores se preparam, se organizam, fazem muitos cursos de aperfeiçoamento, mas, nas salas, a realidade os deprime. A galerinha lá de trás não larga o celular e os do meio também não. Alguns dos lados copiam, nas atitudes, aqueles que usam a maquininha dos demônios. Dois ou três gênios dormem. Um faz careta e outros três fingem ler um livro didático por trás do qual se esconde uma revista de sacanagem. Há algum silêncio e, lá na frente, o professor discursa, para ele mesmo, é claro, sobre a Guerra de Canudos pensando no dia em que colocará o canudo debaixo do braço para cantar em outra freguesia, provavelmente, trabalhando como caixa de banco, o sonho de todo comedor de giz arrependido da escolha bizarra feita quando pensava consertar o mundo a partir das quatro paredes de uma escola fedorenta de subúrbio.

O material didático é de excelente qualidade e isto não pode ser esquecido, mas os alunos deterioram os livros facilmente mesmo antes de abri-los uma única vez no decorrer do ano. No corredor, estão sempre empilhadas centenas de títulos caríssimos, recentemente saídos da editora que ganhou a licitação milionária. Almas de autores defuntos e obras vivíssimas estão ali à espera de uma incineração em madrugada em que nem a polícia veja. É como ocemitério dos livros criado pelo escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón, no romance A sombra do vento. Ali as velhas obras ficam, como em sarcófagos, à espera de que ninguém jamais as resgate, posto que estão mortas e delas nenhuma alma em perfeita consciência jamais quererá sequer os despojos apodrecidos.

Depois, naquela noite fatídica, então, muitos livros foram vistos voando pelos ares procurando pouso forçado em alguma cabeça perdida na escuridão da luz que se apagara. Dos que foram atirados pelos alunos, nenhum autor sobreviveu àquela chacina dos iconoclastas do fim dos tempos. Dava pena ver a bagaceira em que se tornou o corredor do anexo... E os alunos, vândalos por excelência, gritavam alucinados ante o espetáculo bizarro que foi o assassinato dos livros. Uma grande lástima!

O Agamenon é enfático, agora através de correspondência eletrônica a mim enviada. Lá está escrito por ele que muito pouco ou quase nada se aprende numa escola como essa, porque nada foi aprendido com as famílias, muitos menos regras de convivência ditadas por pais menos medíocres. Então, eu lhes disse que hoje é mais costumeiro um filho bater no pai que o pai bater no filho, uma vez que este foi aconselhado a mimar deveras e a toda hora as crias para quem  -  e eles sabem  -  o futuro já é uma caixinha de surpresa do vidro mais fino possível. Quebrará amanhã de manhã.

O Brasil é grande e é pequeno demais ao mesmo tempo porque há sempre os que muito falam e nada dizem. Querem consertar a escola sem conhecer sequer a realidade de uma sala de aula lotada de secundaristas que leem, mas não interpretam sequer um conto como o dA Bela Adormecida. São estes os analfabetos úteis ou os imbecis fúteis fabricados por um sistema que quer o baixa renda cada vez mais necessitado das benesses do estado brasileiro. É escandalosa a falácia do órgão oficial da educação, posto que até as paredes dos banheiros são cheias de inscrições grotescas eivadas de erros ortográficos que ultrapassam os limites da grosseria e da estupidez.

Reinauguraram a escola há pouco mais de três anos, este, um empreendimento milionário em que, por exemplo, foram colocados dois condicionadores de ar de 10 mil btus em cada sala de aula. Pelo mal uso, os aparelhos logo se deterioram porque há alunos que jogam chicletes nas ventoinhas que os fazem funcionar convenientemente.

Espanto geral em meio à melopéia dos desvalidos comedores de giz! Os cartazes afixados nas paredes da escola são horríveis porque também estão prenhes de impropriedades ortográficas não corrigidas por quem de direito e dever. Acentos gráficos não existem, letras maiúsculas em início de frases também não. Uma zorra e uma orgia gramatical!

O estabelecimento  -  ou a gaiola dos loucos  - é  todo pintado à base de látex e verniz copal, mas lá estão colados cartazes que, logo depois, ao serem retirados, arrancam pedaços da tinta caríssima.

A estupidez grassa nas salas de aula. Falo-vos sobre estudantes de ensino médio que, na sua maioria, não têm o mínimo de compostura, desconhecem conceitos básicos de educação e urbanidade, são arrogantes, agressivos e muito musculosos, com raríssimas exceções.

Segundo deduzi, a disciplina é desaconselhada porque a liberdade toma ares de liberalidade e a autoridade leva jeito de quem não está ali para organizar, mas para avacalhar ainda mais, isto porque, inclusive, os professores são massa de manobra em quem todas as culpas são neles jogadas, afora o fato de a lei não lhes permitir porte de arma. Polícia!

Zelem pela disciplina e tudo será como querem os que não se escondem por trás das estatísticas. Experimentem e verão, mas esqueçam essa história de que todo patife que se preze deve ser visto com bons olhos pela porra dos direitos humanos.

Um dia, o professor Adamastor dos Anzóis, de Português, passou exame para uma turma de terceiro ano do ensino médio, versando sobre análise sintática do período composto. Complicado. Para agradar e buscar concentração para a turma, ele colocou para tocar um CD onde estava inserida a óperaAída, de Giuseppe Verdi, dentre outras do mesmo quilate. O desconforto foi grande porque logo em seguida a mocinha da primeira fila, sufocada pela melodia, tascou:

- Tira isso aí, professor! Se ao menos fosse o Calcinha Preta.

Minha senhora antiga leitora dessas obviedades modernas a que muitos chamam burrice. No estudo da redação é recomendado que, para concluir o texto, é necessário que se aponte uma saída para o problema que, aqui, é a imoralidade da escola pública brasileira.

A solução é matricular os pais nas mesmas escolas dos filhos, antes da entrada destes, por um ano e, muito disciplinadamente, lhes ensinemos regras de convivência, dignidade e respeito para com o próximo. Ao fim do período letivo, os pais aprovados com média sete teriam o direito a verem ali os seus filhos matriculados. Aí, os politizadores moderninhos diriam tratar-se de um retrocesso e os psicopedagogos taxariam o método de fascista. Mas não observariam que os seus pontos de vista levaram a educação da classe trabalhadora para o lixo das relações sociais estragadas pela profusão de idéias sempre e cada vez mais absurdas.

Deixando os velhos professores fluminenses de lado, teria um recado a dar, apesar de sabê-lo jamais lido por quem de direito:

- O problema, Mercadante, é a indisciplina implantada por profissionais que lidam com o comportamento e não viram que muito mais atrapalharam porque em nada ajudaram.

__________

*Cronista: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br  -  Acesse e sugira!

Nenhum comentário: