terça-feira, 7 de maio de 2013

O “turco” identificado pelo nariz e o historiador pela estética

Sérgio Roberto Gomes de Souza – professor da UFAC

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Vista externa do Bazar Paraense, propriedade da Família Koury. Xapuri – AC, década de 1920. Acervo: Hélio César Koury.

Brás Cubas, personagem “póstumo” de Machado de Assis que tinha por prática rebaixar a todos e a tudo para que parecesse maior, definiu a função do nariz: ser contemplado. O universo estava subordinado ao nariz. O otimista Doutor Pangloss, criado por Voltaire, deu ao nariz função mais prática e menos filosófica: sustentar os óculos. No Acre do início do século XX, esta “peça anatômica” teve outra “utilidade”: identificar “turco”. E era assim mesmo que ocorria. O método foi logo tido como infalível sendo usado corriqueiramente. Na dúvida, observava-se com mais atenção e comentava-se a boca miúda: “claro que é turco, olha só o tamanho do nariz”! A afirmação era sempre seguida de certo ar de sabedoria e superioridade por parte de quem pronunciava.

Mas quem eram mesmo esses “turcos” que por aqui andavam? Se a princípio a resposta parece ser fácil, afinal bastava dizer que eram os naturais da Turquia, percebe-se logo que existe mais tutano nesse osso. Primeiro devido ao fato de que, no geral, os que eram genericamente chamados de “turcos” deveriam ter bons motivos para ter um ódio mortal pela Turquia. Confesso que só dei maior atenção ao assunto após um encontro com a comerciante Carmita Hadad no aeroporto de Rio Branco, em um dos retornos que fazia à Universidade de São Paulo. Com certo ar professoral a dona Carmita, como me acostumaram a chamá-la, olhou-me de cima a baixo e disparou: “Você não é professor de História”? Mediante minha resposta positiva ela emendou de forma direta: “e que roupas são essas”? Disse referindo-se a uma calça jeans limpa, uma camiseta pólo e um tênis, cuja higiene reconheço como “meia boca”. Dando sequência a sua análise “fashionista” sacramentou: “você deveria usar calça velha, roupa suja e bolsa tiracolo”. Pronto, meu “modelito” estava definido. Minha atenção para o que falava a antiga moradora de Xapuri foi a menor possível, mas, logo minha curiosidade seria abundantemente aguçada. Sem mais nem menos dona Carmita me “fuzilou” com a seguinte pergunta: “você sabe por que nos chamam de turcos”? Confesso que se tivesse que construir uma resposta naquele momento, ali, na bucha, essa seria igual à higiene do meu tênis aqui já descrita, ou seja, “meia boca”. Testemunhando tudo estava minha querida prima Socorro Figueiredo que parecia não se sentir muito a vontade com as assertivas da “turca” já que, de vez em quando, entortava a boca para o lado direito. Entendi o gesto como uma reprovação.

Folheando jornais antigos do Acre e lendo alguns artigos sobre o assunto, comecei a me familiarizar com o tema. Os “turcos” começaram a chegar à Amazônia na primeira década do século XX. O problema, é que a arrasadora maioria dos que desembarcaram era de origem sírio-libanesa. Quem teria então trocado a nacionalidade desses viajantes e por quais motivos? O geógrafo Aziz Ab’Saber, em entrevista reproduzida pelo site www.icarabe.org foi bastante esclarecedor ao falar sobre o assunto. A Turquia era o centro do que ficou conhecido como Império Turco- Otomano, que teve seu auge entre os séculos XVI e XVII. Na primeira década do século XX teve início o seu desmantelamento, fato que se consolidaria no ano de 1922, com a proclamação da República naquele país. Mesmo assim, durante as duas primeiras décadas do século XX os turcos ainda mantiveram o domínio sobre a Síria e sobre os libaneses – o Líbano foi reconhecido como país somente em 1916 - o que fazia com que imigrantes com esta nacionalidade que chegavam ao Brasil portassem passaporte do “dominador”, isto é, da Turquia, constituindo-se então o estereótipo de que “é tudo turco”.

Para chegar a Amazônia embarcavam no Mediterrâneo, atravessavam o Atlântico e chegavam à cidade de Belém. De lá, dirigiam-se à Manaus e, posteriormente, ao Acre. Vinham no rastro da economia da borracha em expansão, com o produto sendo vendido por preços elevados no mercado internacional. Como tinham como principal atividade profissional o comércio, não demorou para que adquirissem o estereótipo de “mascates interesseiros”. Ressalte-se que os sírios se apegaram bastante ao trabalho de carregar embarcações de pequeno e médio porte com mercadorias e comercializá-las pelos rios afora, eram os chamados regatões, figuras odiadas pelos seringalistas, já que comercializavam diretamente com os seringueiros rompendo com isso o monopólio do barracão, condição fundamental para a manutenção do sistema de aviamento. De modo geral, essa é a origem da presença de um grande número de famílias com descendência sírio-libanesa no Acre. Em Xapuri, como de praxe, foram em sua grande maioria comerciantes, destacando-se os “Khoury”, “Bestene”, “Hadad”, “Kalume”, “Eluan”... Para citar alguns. [1] Claro que o texto é bastante superficial, não tenho a intenção de aprofundar-me sobre o assunto, mas, posso dizer que, pelo menos minimamente, deu para satisfazer minha curiosidade. Claro que a dona Carmita já sabia detalhes sobre o que agora escrevo. Talvez este tenha sido o motivo dela reparar tanto que eu estava “limpinho”, talvez até demais, segundo expressou, para um historiador.


[1] Informações retiradas do site: http://www.icarabe.org/noticias/estereotipo-de-arabes-confundidos-com-turcos-permanece.

Um comentário:

Jorgewan Hadad disse...

Parabéns SERGIO!....Realmente um belo encontro com a Tia Carmita que, sem dúvida, tem muuuuitas Histórias boas pra contar....Grande abraço!
Jorgewan Hadad(Gewan).