Alan Meguerditchian
13 de julho de 1990. Há exatos 17 anos, por meio da Lei Federal nº 8.069, foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil. Diante disso, o país passou a regulamentar o artigo 227 da Constituição Federal, que diz: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
"A partir disso, a criança brasileira passou a ser sujeito portador de direitos, superando normativamente a idéia de tutela e proteção, que era a simples noção de privação", explicou a coordenadora regional do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em São Paulo, Cenise Monte Vicente, durante evento sobre infância em São Paulo (SP).
O Estatuto substituiu a primeira legislação para a infância e a adolescência criada em 1927, que se preocupava com as crianças e os adolescentes apenas quando eram abandonados ou quando cometiam infrações. Também entrou no lugar da constituição de 1964, que criou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, em que foram instituídas a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabens) e Fundação do Bem-Estar do Menor (Febens).
"A lei instituída foi totalmente compatível com a Convenção dos Direitos da Criança", diz Vicente. O documento da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1989, enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam aplicados. "Essa conquista deve-se principalmente aos movimentos sociais que não permitiram o esquecimento no Brasil da Convenção da ONU", completa Vicente.
Com o pressuposto de que as crianças e adolescentes devem ser vistos como prioridade absoluta, sobretudo no que diz respeito à elaboração e implementação de políticas públicas em todo território nacional, o ECA estabeleceu diretrizes para o atendimento dos direitos, como: criação de conselhos municipais, estaduais e nacional, criação e manutenção de programas específicos, manutenção de fundos vinculados aos respectivos conselhos, integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, entre outros mecanismos.
"Estar na lei não significa dizer que está na realidade. O processo é lento e complexo. Mas não adianta ser solidário, é preciso se mobilizar e passar a atuar fortemente", explica a coordenadora regional da Unicef.
Tal preocupação é reforçada pelos dados que, de tempos em tempos, indicam que o Brasil ainda deve fazer muito para atender ao menos os direitos básicos das crianças e adolescentes.
Por exemplo, o 3º Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil indica que o país teve mais de 150 mil novos casos de trabalho infantil entre 2004 e 2005. A constatação eleva o número de crianças trabalhando de 1.713.595 para 1.864.822 (+8,8%). O mesmo relatório mostra que cerca de 16% dos recém-nascidos brasileiros não são registrados. Entre os amazonenses o índice sobe para 41%.
Segundo o governo federal, entre 2003 e 2004, só o Disque-Denúncia, serviço coordenado pela Presidência da República, registrou 5,5 mil denúncias de violência física, abuso sexual, negligência e outras violações de direitos.
Parte das possibilidades de amenizar a situação estaria sob a responsabilidade dos conselhos municipais de direitos ou os tutelares. No entanto, dos mais de 5.500 municípios brasileiros, 1.221 ainda não possuem conselhos de direitos e 1.849 não têm conselhos tutelares. "Se existem, muitas vezes, as pessoas não são capacitadas e, se são capacitadas, não são mobilizadas", diz Vicente.
Um dos argumentos para a grave situação é a falta de recursos financeiros. Os Fundos Municipais da Criança e do Adolescente (Fumcad) poderiam também abrandar a situação. Mas os números da Receita Federal de 2005 mostram que os Fumcads do país tinham o potencial de arrecadar mais de R$ 1,3 bilhão, mas tiveram de se contentar com cerca de R$ 105 milhões, ou seja, menos de 10%. Para este ano, são esperados cerca de R$ 155 milhões.
Dessa forma, vários outros problemas, como educação e saúde, acabam persistindo. 1,9 milhão de jovens brasileiros são analfabetos. Um em cada 10 bebês de até seis meses é alimentado apenas com o leite materno, entre muitos outros dados.
Em 2003, o texto do ECA sofreu algumas mudanças. Denuncias contra a exploração sexual infantil na rede mundial de computadores e a maior proteção da criança e do adolescente quando abordados pelos meios de comunicação foram incluídos ou modificados com o objetivo de modernizar o Estatuto.
"Geralmente os brasileiros são solidários. Mas é uma solidariedade inoperante, na qual a pessoa sente o problema, chora e fala sobre ele. Devemos transformar isso em uma conduta operante, passar a fazer algo. Apesar da responsabilidade ser do Estado, não podemos deixar de agir. Omissão é crime", conclui Vicente.
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