domingo, 1 de março de 2009

Dr. Carlos



Por Wania Pinheiro - Ac24horas

Um filho de um comboieiro do Seringal Cachoeira, em Xapuri, é hoje um dos médicos mais renomados do Acre. Foram seis anos navegando nos antigos navios que saiam carregados de borracha e castanha de Rio Branco para Belém. Ele conta que não pagava passagem porque seu pai, que depois passou a ser um dos gerentes do empresário e seringalista Guilherme Zaire, era amigo dos comandantes dos navios que faziam este trecho.

As dificuldades vividas pelo cardiologista Carlos Augusto da Costa Ferreira, 62, no Rio de Janeiro e Niterói até conseguir um diploma de medicina pela universidade Fluminense foram muitas, mas ele nunca pensou em desistir do sonho de ser médico. “Não conto às vezes que fiquei até dois meses sem receber um centavo do meu pai”, O dinheiro às vezes atrasava muito e naquele tempo não existiam os meios de comunicação que existem hoje no Acre.

Muitas vezes o jovem Carlos Augusto tinha que agüentar as “chincadas” da dona de uma pequena pensão de onde morava por causa do atraso no pagamento do aluguel. Como ele estudava em Niterói e morava no Rio de Janeiro, tinha que atravessar de barco todos os dias. “Muitas vezes eu não tinha dinheiro para pagar a barca que fazia travessia para Niterói”, Lembra.

Há 36 anos exercendo a profissão Carlos Ferreira hoje é um dos médicos mais renomados do Acre e proprietário da moderna e sofisticada Cardioclinica, localizada em um dos locais nobres da capital acriana onde também estão instalados consultórios de vários especialistas. Lá, ele recebeu a repórter Wania Pinheiro para falar da sua vida, do Acre, sobre saúde e outros assuntos interessantes.

Ac24horas – Então o senhor é filho de um comboieiro, lá das barrancas de Xapuri...

Carlos Ferreira – Com muito orgulho. Meu pai, já falecido, trabalhou muito para conseguir ajudar na minha formação. Ele queria ter um filho formado, e eu tive a felicidade de ir para o Rio de janeiro, onde fiz o vestibular de medicina na Universidade Fluminense.

Ac24horas – Hoje seria difícil o filho de uma pessoa pobre ir para o Rio de Janeiro fazer medicina?

Carlos Ferreira – Nada é impossível quando se tem força de vontade.


Ac24horas – E como conseguiu ir para o Rio de Janeiro?

Carlos Ferreira – Com a ajuda de colegas que já estudavam lá no colégio Lafaiete, onde cursei o 3º científico e pré-vestibular e em seguida entrei na escola Federal de Medicina Fluminense.

Ac24horas – O senhor vinha sempre ao Acre para ver a família?

Carlos Ferreira – Os comandantes dos navios gostavam muito do meu pai e sabia de suas dificuldades para ajudar na minha formação. Devido a essa boa relação eu não pagava passagem. Então vinha todos os anos para Xapuri onde ficava de uma semana a quinze dias.

Ac24horas – Quanto tempo demorava em uma viagem de navio de Belém a Rio Branco?

Carlos Ferreira – Às vezes demorava vinte dias para chegar aqui, na volta demorava dez dias.

Ac24horas – Quantos anos o senhor ficou estudando?

Carlos Ferreira – Estudei em Belém, interno no colégio do Carmo, de 1959 a 1965, foram seis anos indo e vindo de navio de Belém a Rio Branco, navios como Acre, João Gonçalves, Júpiter, Benjamin, Domingos Asmar... Em 1966 fui para o Rio de Janeiro pela FAB onde fiquei interno no colégio Lafaiete, daí ingressei na universidade. Isso tudo é lembrado na arquitetura da minha clínica, que representa o meu passado e o meu presente.

Ac24horas – Como assim, o passado e o presente?

Carlos Ferreira – A arquitetura da minha clínica lembra um navio e um disco voador. Mostra o meu passado para eu nunca esquecer as dificuldades que vivi; para lembrar dos anos que viajava nos navio, onde eu passava ate trinta dias para eu chegar à minha casa e dar um abraço no meu pai, na minha família. Não podemos esquecer o passado, principalmente quando ele nos ensinou tanto. Já a outra parte, lembra uma nave espacial, que representa o futuro, a modernidade.

Ac24horas – O senhor conheceu o Chico Mendes?

Carlos Ferreira – Conheci sim. Ele era balconista da loja do Guilherme Zaire, trabalhava junto com o meu pai.

Ac24horas – E como ele era?

Carlos Ferreira – Todas as vezes que eu vinha de férias ficava horas na loja do Guilherme Zaire conversando com o pessoal que trabalhava lá. Na época, o Chico Mendes devia ter uns 19 anos e era um rapaz simples, de vida normal.

Ac24horas – Na época ele já fazia algum movimento sobre questões relacionadas ao meio ambiente?

Carlos Ferreira – Nunca me falou nada sobre isso. Ele era balconista. Quando retornei ao Acre ele estava envolvido nesses movimentos ambientalistas e fiquei surpreso.

Ac24horas – Como ficou sua relação com ele após o senhor retornar e encontrá-lo liderando os movimentos em defesa do meio ambiente?

Carlos Ferreira – Ele sempre vinha me visitar. As vezes trazia até pessoas com problemas de saúde. Ele gostava de mim.

Ac24horas – O senhor também é poeta?

Carlos Ferreira – Escrevo alguma coisa. Qualquer dia vou lhe mostrar uns dos trabalhos que fiz.

Ac24horas – Há quantos anos exerce a profissão de médico aqui no Acre?

Carlos Ferreira – Há 36 anos.

Ac24horas – Quantas horas por dia o senhor fica dentro do consultório atendendo os pacientes?

Carlos Ferreira – Praticamente eu moro aqui. Todos os dias atendo gente de todos os lugares do Acre.

Ac24horas – Gosta do que faz?

Carlos Ferreira – Aqui é como se fosse a minha casa. Acho que a minha vida não seria a mesma se não fizesse o que faço. Tudo que ganhei na minha vida foi com honestidade e trabalhando muito, não tenho calcanhar de Aquiles.

Ac24horas – Em uma única região de Rio Branco, no Tucumã, 952 pessoas fazem tratamento contra a hipertensão. Como um cardiologista experiente ver esses números?

Carlos Ferreira – Tenho recebido muitos pacientes com esse problema no meu consultório. Cerca de trinta por cento das pessoas que vem aqui são hipertensas e já estão em uma fase bem avançada da doença. E esse é o problema. A hipertensão tem que ser tratada cedo, mas a maioria das pessoas não fazem tratamento. Milhões de brasileiros, inclusive crianças, sofrem dessa doença, que se não controlada leva a complicações graves.

Ac24horas – E por que elas não começam a fazer esse tratamento logo que percebem que estão doentes?

Carlos Ferreira – Primeiro: A hipertensão arterial costuma ser assintomática e a população de baixa renda não tem hábitos de fazer avaliações cardiológicas rotineiras, até pela dificuldade de agendar consultas com médicos especialistas.

Ac24horas – Então o serviço público de saúde seria um dos responsáveis por esse aumento de hipertensos?

Carlos Ferreira – Claro que não, entretanto deveríamos criar centros especializados em prevenção e tratamento de doenças crônicas como hipertensão arterial, insuficiência Cardíaca, Diabetes e etc. Cerca de 90 por cento dos hipertensos herdam essa doença dos pais. A maioria das pessoas descobre que são hipertensas quando já apresentam complicações.

Ac24horas – O que o senhor acha que o governo deveria fazer?

Carlos Ferreira – Criar centros especializados na prevenção e tratamento de doenças crônicas como hipertensão arterial, para que os pacientes tenham fáceis acessos a esses serviços.

Ac24horas – Por que ninguém consegue sanar as deficiências da saúde pública?

Carlos Ferreira – Creio que no nosso país a saúde não tem a devida atenção que merece, deveria ser prioridade.

Ac24horas – Os médicos que trabalham para o governo ganham bem?

Carlos Ferreira – O governo paga cerca de oito mil para os médicos trabalharem quarenta horas semanais.

Ac24horas – E isso é pouco?

Carlos Ferreira – Em Rondônia um médico ganha doze mil.

Ac24horas – Todos os médicos que atuam no Acre têm registro para estarem exercendo suas atividades?

Carlos Ferreira – Essa pergunta deve ser feita ao Conselho Regional de Medicina.

Ac24horas – O senhor está acompanhando esse surto de dengue que já afetou milhares de pessoas em Rio Branco?

Carlos Ferreira – Em primeiro lugar, a dengue é um problema de educação do povo. Depois é preciso que se faça prevenção o ano todo e não somente na crise.

Ac24horas – Há pouco mais de um mês um garoto de 14 anos morreu vomitando sangue no Pronto Socorro de Rio Branco. A mãe disse que foi dengue hemorrágica, já o governo diz que ele foi vitima de Leptospirose. O que tem a dizer sobre esse caso?

Carlos Ferreira – É difícil responder esta pergunta sem maiores dados da doença.

Ac24horas – O que tem que ser feito para melhorar o sistema público de saúde?

Carlos Ferreira – Melhorar a qualidade dos postos de saúde e criar três turnos de atendimentos na maioria deles. Podia ser assim: de 7 às 11h, 11 às 15h e 15 às 19h.

Ac24horas – O sistema de saúde publico do Acre está melhor ou pior?

Carlos Ferreira – Acho que melhorou, mas poderia melhorar muito mais.

2 comentários:

loirissimaxp disse...

essas que sao materias interessantes que agradam, nao essas picuinhas politicas corriqueiras, que e a cara de xapuri. isso mesmo Raimare continue postando materias deste conteudo,mostrando o potencial de nossos xapurienses que servem de espelho para nossa juventude que com garra e forca de vontade movemos montanhas. adorei a reportagem.

xapuriense disse...

Verdadeiramente, os "modelos" são essenciais para os mais jovens.

Nesse caminho, sugiro ao editor do blog pesquisar e publicar o perfil profissional (com a trajetória de vida) de pessoas de resultados (de xapuri é claro) como o Juiz do TRE Ivan Cordeiro, o Professor da UFAC José Porfiro da Silva, o médico Cardiologista Gilberto Ferreira, o Secretário Executivo de Saúde Sergio Roberto, Andrias Sarkis, José Clausio M Porfiro, diretor do TRE Carlos Venicius (Bila), etc...

Xapuri não é só Chico Mendes.