quinta-feira, 26 de março de 2009

CPI da Pedofilia no Acre

Pitter Lucena

Muito boa a intenção do deputado Luiz Tchê do PMN do Acre em propor a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar denúncias da existência de uma rede de pedofilia no Estado. Tchê disse estar convicto de que os abusos sexuais e a pedofilia ocorrem em intensidade maior do que é divulgado e o Parlamento tem a responsabilidade de agir com veemência.

Vale lembrar ao nobre deputado que a Assembléia Legislativa do Acre (Aleac) criou no final de 2003, por unanimidade, uma CPI para investigar crimes de pedofilia no Acre, mas infelizmente nunca foi instalada não se sabe por quais razões. A CPI não saiu do papel, nasceu morta e sepultada pelos nobres deputados acreanos.

Em junho de 2004 uma comissão de autoridades do Acre esteve em Brasília para colaborar com a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada através do Requerimento nº 02/2003–CN, com a finalidade de investigar as situações de violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescente no Brasil. Depuseram no Congresso Nacional a juíza da Infância e Juventude, Maria Tapajós, o delegado Josemar Portes, o promotor de justiça Francisco Maia Guedes e o jornalista Pitter Lucena, que vos escreve.

Veja o que disse a doutora Maria Tapajós em depoimento em Brasília:

Todos sabem que a questão da violência sexual, da prostituição, de toda essa gama que envolve as nossas crianças e adolescentes como vítimas, é muito grave no Estado do Acre.

A cada dia nos assustamos, não vou dizer nos surpreendemos, nos assustamos com o número de pessoas influentes que têm essa prática de violentar nossas crianças, a troco de um picolé, a troco de um ursinho de pelúcia e a troco de uma volta de carro, quando não de um iogurte. Estamos deduzindo que é uma rede, e uma grande rede com punhos bem grossos, e é o que nos preocupa bastante.

O que nos angustia? Acho que há pouco interesse, há pouco empenho, há pouca preocupação de muitas autoridades, de muitos organismos, da própria sociedade, que fecha os olhos, que se cala e isso nos traz muita indignação. Porque vemos... Têm coisas que acontecem no Acre a olhos nus, não precisa alguém denunciar anonimamente, ou alguma criança, ou adolescente nos procurar, não. Estamos vendo. Quer dizer, a coisa está ficando tão grave, e a nossa preocupação como Justiça, minha principalmente, não sei se é porque tenho um afeto todo especial à criança e o adolescente, é que as pessoas estão encarando, a meu ver, com certa naturalidade. Isso é o que mais me preocupa.

Preocupamo-nos com aquelas pessoas que têm mansões ou chácaras um pouco afastadas de Rio Branco e que contam sempre com um personagem ou dois que fazem a escolha das meninas para levar para essas chácaras. Lá acontece tudo que vocês possam imaginar e o que vocês não imaginam. Essas pessoas ganham muito dinheiro, e quanto mais nova for a menina e se for virgem, maior a gratificação. Isso se tornou uma prática em Rio Branco.

Todo mundo sabe que meninas de Rio Branco, de Xapuri e de Senador Guiomard também são recrutadas para ir para Cobija e têm entrada franca, apesar da existência de um termo de cooperação – isso não funciona infelizmente. Eu não sei o que podemos fazer para que a Bolívia realmente cumpra com a sua parte. Ouvimos um depoimento em que uma adolescente diz que boliviano não gosta de bolivianas, que eles só querem brasileiras, inclusive são figuras do exército, são governadores que, em algumas situações, fecham determinadas casas, obrigam as meninas a usar cocaína, tomarem uísque, fica fechado só para aquelas autoridades. Isso também, segundo informações de uma denúncia anônima que colhemos na semana passada, é costume, é uma prática em Cobija.

Os motoristas de táxi, de ônibus e caminhões também são pessoas de bastante significação nessa história. São eles que levam essas crianças e adolescentes para Cobija, para Porto Velho. E a nossa fiscalização, embora seja um Estado fronteiriço, não é rígida nas nossas estradas, porque, lógico, se fosse, eu acho que reduziria esse tipo de crime.

A juíza Maria Tapajós faleceu no dia 19 de agosto do ano passado.

Nos próximos posts (do blog do Pitter) o resumo dos depoimentos prestados em Brasília pela comissão acreana na CPI da Prostituição Infantil no Congresso Nacional.

◙ Pitter Lucena é jornalista acreano radicado em Brasília.

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