domingo, 30 de setembro de 2012

Lugar comum

Arte/UOL

Como é praticamente impossível para a imprensa de fora captar com exatidão a realidade das cidades amazônicas numa visita de alguns dias, a equipe do projeto Uol pelo Brasil - série de reportagens multimídia que percorre municípios em todo o país durante a campanha eleitoral – foi mais uma a cair na mesmice das muitas reportagens que já foram feitas sobre a política, a sociedade e a economia do município de Xapuri, a “terra de Chico Mendes”.

A equipe que esteve em Xapuri, composta por Denis Armelini, Noelle Marques e Rodrigo Bertolotto, entrou em contato comigo há cerca de três semanas solicitando auxílio na indicação de pautas e possíveis entrevistados. Chegariam à cidade no dia seguinte, mas não voltaram a me telefonar como ficara combinado. Centraram as entrevistas em figuras já carimbadas da comunidade local e o resultado foi uma reportagem chocha e surreal.

Entre os entrevistados estão as quituteiras Maria Cosson e Carmen Veloso, além da cozinheira Vicência Bezerra. Com todo respeito a essas personagens históricas e queridas da cidade, os relatos não fogem do lugar comum, da opinião superficial e desprovida de análise. Não que as amáveis senhoras não devessem ser consultadas, mas as entrevistas não poderiam ficar restritas a pessoas que fazem parte de uma mesma geração, que desenvolvem a mesma atividade e que observam a realidade tendo como marco referencial uma época já perdida no tempo.

Carmen Veloso disse que Xapuri está uma bosta porque não há dinheiro para o povo comer; Maria Cosson disse que Xapuri está se acabando junto com a sua cajuína; e tia Vicência afirmou que tempo bom era o do seringal porque o patrão cuidava de tudo. A velha e enfadonha cantilena que originou os famosos bordões “a princesa que virou plebeia” e “a cidade do já teve” continua a ser ouvida e valorizada em detrimento de opiniões mais coerentes com a realidade local, que a reportagem de certa maneira distorceu.

Dona Carmen apenas repetiu o que já havia dito ao jornalista Altino Machado no ano passado. “Xapuri está uma merda”, afirmou reclamando da falta de movimento em seu restaurante que há 20 anos só tem um freguês, o João Soares. A nonagenária tem toda a autoridade e liberdade para dizer o que quiser da cidade, mas suas palavras, apesar de representarem o sentimento de parte da população, não reproduzem a verdade real, aquela não apenas se escuta, mas que também se avista no cotidiano da cidade.

Os repórteres do Uol começaram afirmando que a cidade acreana revive a velha rixa de pecuaristas e seringueiros na atual campanha eleitoral. Ora, todos sabem que essa rixa é uma coisa do passado que já não existe em Xapuri. Prova disso é que alguns dos pecuaristas mais influentes no município estão entre os apoiadores mais confessos do candidato à reeleição, Bira Vasconcelos, do PT. O próprio candidato do PSDB, Marcinho Miranda, recusa de maneira veemente o rótulo de representante do segmento dos pecuaristas.

A reportagem focou a crise econômica e o marasmo eleitoral que imperam na cidade, mas não constatou, por exemplo, que Xapuri nunca teve tanta gente formalmente empregada como na atualidade e que o lugarejo respira uma das eleições mais disputadas dos últimos tempos. Não que esses dois fatos desmintam que o município tenha uma economia capenga ou que a população já não acredita tanto nos políticos, mas essas duas realidades não fazem de Xapuri uma “bosta”, como afirma a doceira Carmen Veloso.

Eles poderiam ter entrevistado comerciantes que estão prosperando e gerando empregos na cidade, como é o caso dos proprietários das lojas de material de construção, que nos últimos anos têm se expandido e até atraído concorrência de outros municípios, como foi o caso da loja Ronsy, que se instalou em Xapuri no ano passado. Deveriam ter visitado a propriedade do paranaense Alexandre Carvalho, que desenvolve umas das mais interessantes experiências de cultivo protegido de hortaliças do Acre.

Deixaram de andar pelas “Ruas do Povo”, programa governamental que tem promovido inclusão social e melhoria na qualidade de vida da população. Também não entrevistaram os estudantes que cursam o nível superior no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC), onde se restringiram a fotografar urubus no telhado, sobre o que eles acham do atual momento da cidade e o que esperam do futuro político do município.

Certamente ouviriam opiniões diferentes, favoráveis e contrárias ao modelo de gestão governamental que possuímos; mas também é certo que obteriam um retrato mais fiel, mais isento e mais justo da realidade xapuriense que, é óbvio, está muito longe de ser aquela que a população espera e merece, mas que também não está a “bosta” decretada por dona Carmen.

Repito, a imprensa do centro-sul do país não entende nada de Amazônia e não consegue captar minimamente a essência dos grotões abandonados do Brasil. Repórteres viajam milhares de quilômetros quase sempre com a intenção deliberada de ressaltar nossas mazelas sem se importar com o mínimo de ações positivas que possam ou não existir. Continuamos a ser tratados como bichos exóticos, seres que habitam um mundo inferior e que são culpados por isso. Para eles, realmente, o Acre não existe.

Um comentário:

DNA DA ARTE disse...

Querido Raimari,
De fato esse olhar da imprensa de fora tem se tornado senso comum. Não precisava nem ter vindo. Repetem sempre as mesmas coisas. Talvez seja mais fácil e conveniente a eles. Triste é saber que quem vive nesta terrinha há tantos anos não encherga as mudanças. Quem vem de fora ter uma percepção equivocada até dá para tolerar, agora quem vive aqui pensar assim é botar o cerebro para descançar.
Um grande abraço amigo.