quinta-feira, 22 de maio de 2008
Memórias do cárcere
Em 1987, quando Xapuri vivia sob as agruras do primeiro mandato do prefeito Vanderley Viana, a antiga delegacia de polícia da cidade, onde hoje os artistas do projeto Arte na Ruína apresentam seu espetáculo, era constantemente "freqüentada" por seringueiros que defendiam a floresta através dos famosos "empates" liderados por Chico Mendes. Até o governador Binho Marques, naquela época envolvido com o Projeto Seringueiro, também foi "hóspede" do lugar. Ao denunciar o desvio de merenda escolar, foi preso pelo próprio prefeito, que, não raro, fazia as vezes de delegado de polícia.
A 50 metros da velha delegacia, o seringueiro Chico Mendes foi morto com um tiro no peito, há 20 anos. O lugar ficou marcado pelo estigma da omissão e da negligência, tão denunciadas pelo próprio Chico, e ali permaneceu abandonado por vários anos, após a construção das novas instalações da polícia civil, em 2001, como um monumento à vergonha e à covardia tão peculiares àqueles tempos.
Há alguns dias, o governador esteve em Xapuri, visitando a Fundação Chico Mendes, que fica quase de frente com a antiga cadeia desativada. Ele falou aos membros do grupo que toca o projeto sobre a surpresa de encontrar jovens fazendo arte naquele local marcado por lembranças desagradáveis de um passado não muito distante.
- Olha, eu fico super feliz de ver Arte na Ruína, eu até tinha pensado que a gente poderia transformar essa delegacia num museu, num museu mais vivo, que pudesse contar um pouco da história dessa delegacia, não sei se todo mundo sabe, mas essa delegacia aqui, já ficou abarrotada de seringueiros, num dos empates importantes. Aqui ficou o Raimundão, Manoel Estébio, uma turma bem grande ficou presa e precisou um grande movimento pra libertar todo o pessoal daqui, o Chico tava sempre presente também, intervindo lutando contra as injustiças.
- Eu mesmo também fui hóspede dessa delegacia, em 87 quando o prefeito (Vanderley Viana) estava desviando a merenda escolar, eu fui denunciar e acabei preso na delegacia, depois de uma pequena discussão com o prefeito e ele mesmo me prendeu e eu fui hóspede daqui dessa delegacia. É algo que deve ficar no passado, num passado não só o prédio, mas essas histórias devem fazer parte do passado, a história da injustiça que aconteceu com muita força nesse espaço, ela agora é contada de outra forma e ela também pode ser transformada.
- Fico muito feliz por isso, de saber que nas celas agora a gente tem uma vida renascendo, com o cinema com o teatro, com as várias formas de expressão, então eu quero desejar a vocês muita sorte neste projeto, quero que renda muitos frutos e filhos, porque acho que o Acre hoje está vivendo um momento interessante porque lá nos anos 70 e nos 80 um grupo de jovens começou a fazer teatro, começou a fazer cine clube, isso foi que ajudou a criar uma identidade de povo acreano.
- Nos 70, quando o Dantinhas era governador, ele queria acabar com a tradição, com a identidade da floresta, o slogan era um novo Acre, derrubava todo o patrimônio arquitetônico das cidades acreanas que lembravam o passado e foi justamente o movimento cultural dos jovens que resgatou uma identidade de índios, de seringueiros, de floresta e de Amazônia que permitiu a construção de um movimento que hoje está se transformando em coisa interessantes em vários lugares do Acre que repercute no Brasil e até no mundo. Então parabéns pra vocês, eu espero que este trabalho tenha vida longa.
Acesse o blog Arte na Ruína e conheça o projeto.
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