sábado, 19 de maio de 2012

Família

Primogênito, o caçula, o do meio, e suas surpreendentes diferenças

Vance Packard

Caçula, vivi intrigado - e talvez um pouco irritado - com a aparente proeminência do primogênito em nosso mundo. Pensando no papel que essa posição representa em nossa vida, estou interessado em saber em que a ordem do nascimento influencia a maneira como somos tratados.

Nos últimos anos, centenas de behavioristas têm estudando, analisado e medido pessoas em busca de sinais do possível impacto de ser o filho mais velho, o do meio, o mais moço ou único. Examinei cerca de 60 desses estudos e fiz pessoalmente alguma modesta coleta de material. Não se pode tirar nenhuma conclusão exata sobre qualquer filho em particular, e há pontos sobre os quais os pesquisadores discordam entre si. Mas algumas diferenças flagrantes se destacam quando grupos consideráveis de pessoas são comparados em função da ordem do nascimento.

Tomemos, por exemplo, a questão das realizações. Uma grande variedade de estudos feitos por pesquisadores americanos tem procurado uma relação entre a ordem do nascimento e a fama e o gênio. Stanley Schachter, behaviorista da Universidade de Colúmbia, resume esses estudos dizendo que os primogênitos predominam "com espantosa freqüência". Estão super-representados no Quem é Quem.

Dos 23 primeiros astronautas que participaram de missões espaciais norte-americanas, 21 eram ou filhos mais velhos ou filhos únicos (o que é notável quando se leva em conta que filhos nascidos posteriormente superam primogênitos na proporção de dois para uma na população americana). Em uma recente análise de 1.618 finalistas das Bolsas Nacionais do Mérito mostrou que quase 60% deles eram primogênitos.

Não conheço qualquer prova convincente de que os primogênitos tenham maior poder intelectual. O que acontece é que a maneira como são criados os torna mais estudiosos e mais orientados para o sucesso. E ainda - por motivos econômicos - vão em maior número para a universidade.

Uma das análises mais impressionantes foi feita no quadro do Estudo do Desenvolvimento Adulto na Universidade de Harvard. Durante mais de 10 anos, o psicólogo Charles McArthur e a antropologista Margaret Lantis estudaram cerca de 200 diplomados de Harvard quando constituíram família. Esses jovens pais apresentaram relatórios sobre si mesmos e seus filhos. Analisando essas comunicações e observando sistematicamente os filhos, pesquisadores concluíram que os primogênitos tinham padrões de personalidade diferentes dos outros filhos - e chegou-se a conclusões definidas sobre essas diferenças. "A constelação familiar", diz McArthur, "é um importante fator determinante da personalidade".

Eis as minhas impressões dos motivos e das maneiras pelas quais temos tendências para criar nossos filhos diferentes de acordo com sua ordem de nascimento.

O primogênito é provavelmente o filho mais desejado do casal. Com ele os pais provam a sua capacidade de ter prole e, de certo modo, asseguram a própria imortalidade. Esperam em geral mais desse primogênito do que dos outros filhos. É provável que tirem fotografias dele com mais freqüência, conversem e brinquem mais com ele e também que se preocupem e se inquietem mais por ele. Calouros na arte da paternidade, eles tendem a viver sob tensão.

Um ambiente mais calmo em geral prevalece quando nasce o segundo filho, se houve um intervalo de dois anos ou mais. No estudo de Harvard os pais disseram que com o segundo filho eram mais displicentes, menos rigorosos e só ministravam castigos corporais à metade das vezes. À medida que chegam os outros filhos, os pais tendem não só a dispersar a sua atenção por todos eles, mas também a preocupar-se menos com o papel de educadores. Os últimos filhos podem sentir que estão mais entregues a si mesmos.

O filho mais velho recebe estreita atenção dos pais e desenvolve uma intensa orientação para eles. Mas depois ele ou ela é destronado pelo segundo filho. Esse destronamento, dizem muitos psiquiatras, pode representar uma grave ameaça para uma criança se for tratada inabilmente pelos pais. De qualquer maneira, o primeiro filho perde a posição de "único" e tende a assumir pouco a pouco a responsabilidade de ser o irmão mais velho ou a irmã mais velha que lhe é imposta, principalmente nas famílias maiores.

Os filhos intermediários não têm a autoridade dos mais velhos nem a liberdade de pressões dos mais moços. A Dr.ª Louise Bates Ames, do instituto Gesell de Desenvolvimento da Criança, é de opinião que muitas dessas crianças se sentem "espremidas no meio". Em compensação têm menos a sensação de ser destronadas quando surgem outros filhos. Além disso, mais orientadas para os irmãos, costumam preocupar-se menos em conseguir a nossa aprovação. Uma autoridade em higiene mental afirma que o filho intermediário tem a posição mais cômoda na ordem de nascimento.

O mais moço, sendo o último, recebe quase tanta atenção da mãe quanto um filho único. Mas não sente em geral muita pressão dos pais para as realizações. Alguns filhos caçulas sentem-se perseguidos pelos irmãos mais velhos, mas na realidade costumam ser os mais protegidos, os mais mimados da família.

Esses tratamentos diferentes comumente dados às crianças têm um impacto sobre o que chamamos "personalidade". a Dr.ª Frances Ilg, do Instituto Gesell, muitas vezes assombra os pais que levam os filhos à clínica adivinhando a ordem de nascimento após uma sessão de uma hora. (Ela se refere aos terceiros filhos como "esses magníficos terceiros").

Eis alguns exemplos de padrões distintos de personalidade. (Lembre-se que há muitas exceções).

Seriedade. O filho mais velho de uma família aparece em várias pesquisas como o mais responsável e o mais sério. Comparando os estilos pessoais dos indivíduos, Margaret Lantis disse: "O segundo filho pode ser considerado capaz e vivo, mas não se esforça por ser sério". Comparando os estilos pessoais dos indivíduos, Margaret Lantis disse: "O segundo filho pode ser considerado capaz e vivo, mas não se esforça por ser sério". Seu colega McArthur notou que a seriedade e a suscetibilidade às ofensas figuram entre os mais bem documentados traços dos primeiros filhos que, - como vários pesquisadores têm mostrado - têm maiores probabilidades de serem perfeccionistas.

Sociabilidade. McArthur comentou que outro dos traços mais bem documentados que distinguem o primeiro do segundo filho é a "cordialidade fácil" do último em contraste com o primeiro filho "reservado" e "tímido". O Professor Schachter, num fascinante estudo entre os membros de fraternidades de estudantes da Universidade de Minesota, apurou que os primogênitos eram "consideravelmente menos populares" do que os filhos mais moços em 13 dos 15 grupos de estudantes examinados. Cinco estudos pelo menos apontam também o filho mais velho como mais suscetível a preocupações, sensibilidade e tensões. Outro pesquisador chegou à conclusão de que nossos filhos caçulas têm os mais altos índices de sociabilidade.

Consciência. Os primogênitos - sejam filhos únicos ou os mais velhos - desde cedo na vida se tornam extremamente sensíveis às regras e expectativas dos pais e costumam assim medir-se por padrões adultos. Cerca de 1.200 estudantes de curso secundário e universitário na região de Chicago foram ouvidos pelo Instituto de Pesquisa Juvenil. Em resposta às perguntas feitas, os mais velhos do seu sexo mostraram uma tendência clara para opinar que os jovens deviam assumir a responsabilidade de seu comportamento mais cedo do que mais moços julgavam - ao passo que estes, em média, defenderam a oportunidade de afirmação sua independência mais cedo.
A preponderância de provas indica que os primogênitos tendem em geral aceitar os padrões dos pais, a seguir a orientação tradicional, a considerarem-se religiosos. Se há rebeldes numa família, é mais provável que sejam os filhos mais moços.

Liderança. Vários observadores psiquiatricamente orientados têm notado que, no curso da sua vida, o filho mais velho costuma assumir posições de chefia. Sugerem que talvez isso ocorra em virtude de sua prática de assumir responsabilidade na família ou por causa de uma necessidade de estar no alto da pirâmide - anseio que desenvolveu no princípio da vida quando procurava recuperar a proeminência depois de seu destronamento como filho único. Um psiquiatra que fez investigações sobre a ordem de nascimento afirma que os mais moços têm pouca inclinação para a chefia. Quando a assumem, os seus subordinados costumam mais "gostar" deles do que apoiar-se neles.

Todas estas observações são simplesmente tendências comuns, não fatos inevitáveis. O que acontece em qualquer caso individual depende ainda em grande extensão da habilidade dos pais. Por exemplo:

Os pais observadores estão atentos para a maneira pela qual cada filho percebe a sua situação dentro da família. Se um filho mais velho se sente destronado ou se um filho intermediário se julga desprezado, esses sentimentos - ainda que justificados - devem ser levados em conta. Os pais bem-avisados abstêm-se de erros comuns como o de mostrar favoritismo pelo filho mais velho, de esquecer-se de elogiar os filhos intermediários por seus esforços ou de protegerem abertamente um filho menor. Adotam um critério de castigos e aplicam-no com razoável coerência a todos os filhos.

Além disso, os pais compreensivos procuram estimular a flexibilidade e o espírito esportivo nos filhos mais velhos. Têm o cuidado de conversar muito com os filhos intermediários. E, mais do que os outros filhos, procuram não esperar que um caçula mostre desde cedo confiança em si mesmo.

Mais importante ainda, dão a cada filho a convicção de que - seja qual for a sua ordem de nascimento - ele é importante e amado, sendo aceito, carinhosamente, pelo que é.

Fonte: Revista Seleções do Reader's Digest - Abril/1970 - www.selecoes.com.br.

Alguns artigos são sempre atuais e valem a pena serem relembrados. Este é um deles.

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