Marina Silva
Na noite de 6 de dezembro, faltando 16 dias para o 23° aniversário da morte de Chico Mendes, o Senado aprovou o maior retrocesso na legislação ambiental brasileira. Representantes do ruralismo, como a senadora Katia Abreu e os senadores Waldemir Moka, Jaime Campos e Ivo Cassol, faziam ruidosos elogios ao texto aprovado. Reverenciavam os relatores Jorge Viana e Luiz Henrique por terem deixado de fora os radicais ambientalistas.
Naquele momento, vieram à memória dois importantes empates feito por Chico Mendes: o da fazenda Bordon e o do seringal Cachoeira. Nestas ocasiões, com base no mesmo Código Florestal hoje fragilizado, Chico conseguiu a suspensão temporária do desmatamento, após insistente batalha judicial. Mas não teve tempo de ver o nascimento da primeira reserva extrativista, que foi citada no Senado como se sua criação, para acontecer, não lhe tivesse custado a perda da vida.
Para proteger a floresta e defender seus direitos contra a sanha dos que matam e desmatam, tombaram também Wilson Pinheiro, Calado, Ivair Higino, Irma Dorothy, José Claudio e sua esposa Maria do Espírito Santo, só para rememorar alguns que, como os radicais ambientalistas, também foram deixados de fora pelos contemplados radicais ruralistas e seus novos aliados. Essas pessoas acreditavam ser o Código Florestal uma lei pela qual valia a pena perder prestigio e admiradores de conveniência e até mesmo arriscar a própria vida.
Foi a um só tempo triste e interessante ouvir, contra os socioambientalistas, os mesmos argumentos que durante anos foram usados contra Chico e seus aliados, entre eles Jorge Viana: os de que as preocupações com o aumento de desmatamento, com a redução da proteção ambiental e com a anistia para desmatadores refletem apenas o medo da perda do discurso de vítima.
Triste por ver a continuação de um passado que Chico acreditava profundamente não mais existiria no século 21, quando, sonhando acordado para evitar os pesadelos da difícil realidade, escreveu sua melancólica carta aos jovens do futuro.
Interessante por ver que a força dos seus ideais continuam atuais e revolucionárias, a ponto de atravessar o tempo e continuar falando até mesmo aos que a eles se opõem. Como disseram Oscar Cesarotto e Marcio Peter, qualquer doutrina original e revolucionária, depois de ser ferrenhamente contestada, vai aos poucos sendo integrada e aceita, até ser recoberta por noções e ideias anteriores que tudo fazem para neutralizá-la.
Infelizmente é o que acontece, pelo menos por enquanto. Mas isso não me impede de seguir acreditando que a presidente Dilma possa honrar o sonho de Chico Mendes e homenagear sua memória, vetando os artigos que afrontam sua luta em defesa da floresta e do desenvolvimento sustentável.
Marina Silva escreve às sextas-feiras na Folha de S. Paulo
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