Alessandra Silvério
Sem dúvida nenhuma, fatos relevantes são notícias que o povo quer ver, mas nem sempre o que as emissoras de TV, rádios, jornais e revistas divulgam, são necessariamente verdades jornalisticamente éticas e incontestáveis. No atual contexto, em que o capitalismo dita as regras da economia, tudo passa a ter seu valor mercadológico, inclusive a notícia. Até aí, tudo bem. Mas notícia como mercadoria pode e deve ser tratada dentro dos princípios da conduta ética e profissional, tendo como objetivo, acima de tudo, oferecer boa qualidade de informação e satisfazer às necessidades de consumo dos leitores com um produto fidedigno. E este aprendizado sobre o que é ético e o que não é começa nas escolas de jornalismo.
Com base nas aulas de Ética em Jornalismo é possível constatar que o Código de Ética rege a conduta profissional do jornalista e dos veículos de comunicação. No entanto, a cada dia que passa tenho a nítida sensação que esta cadeira parece ter sido abolida na prática profissional de alguns jornalistas e responsáveis por meios de comunicação atualmente integrados ao mercado de trabalho. Não é raro você abrir um jornal ou ver na TV notícias tendenciosas, pejorativas, que visam beneficiar uma das partes ou mesmo mascarar a verdade dos fatos.
Parece estarmos vivendo numa "redoma de vidro", em que a ética do jornalista em si por vezes tem de ser deixada para trás, a fim de o jornalista não se ariscar a perder o emprego ou por medo de simplesmente não acatar a "ética" do veículo a que se trabalha. E é justamente nesta "ética" do veículo que se encontram os interesses escusos que geralmente caminham em sentido contrário ao Código de Ética que rege a conduta moral e legal do jornalista.
A consequência do monopólio dos meios de comunicação, da pressa inerente ao jornalismo, da briga acirrada e diária pela notícia exclusiva ou da guerra pela audiência é que os jornalistas e seus patrões muitas vezes se afastam da conduta ética e oferecem ao público uma informação de má qualidade. Neste momento em que a lógica do espetáculo e do entretenimento contamina os veículos jornalísticos, em que as megafusões de empresas de comunicação aumentam como nunca o poder da mídia em todo o mundo, há uma significativa perda de valores de cunho ético e jornalístico entre exercício da profissão e dos profissionais envolvidos no contexto.
Baseando-se no art. 6º do Código de Ética, a conduta profissional do jornalista, o exercício da profissão do jornalista é uma atividade de natureza social e com finalidade pública, subordinada, portanto, ao Código de Ética. Código que constantemente é desrespeitado.
O compromisso fundamental do jornalista com a verdade dos fatos e o seu trabalho parecem nem sempre estarem pautados diariamente em todos os meios de comunicação, pela precisão da apuração dos acontecimentos e sua correta informação. Porém, diariamente, vemos jornalistas atentando contra a moral e os bons costumes das pessoas. Este é um exemplo de delito grave, dizer que fulano cometeu um crime, mas que na verdade ele não cometeu, porque ainda não foi julgado e condenado pela Justiça, caracterizado como calúnia no Código Penal (art. 138). Temos vários casos que ilustram bem isso, como o das "Bruxas de Guaratuba", "Escola Naval", entre outros.
Bem como dizer que "fulano é gay" é uma injúria (art. 139), e se for acrescido de um fato - fulano de tal viu ele se agarrando com outro aqui na faculdade - classifica-se como difamação (art. 140). Tanto a injúria quanto a difamação agridem a moral de uma pessoa, mas o crime mais grave é a calúnia, porque atenta contra moral e os bons costumes.
É inaceitável, segundo o Código de Ética do Jornalista, art. 10º, inciso II, que o jornalista concorde com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual. Assim como é imprescindível que ele respeite o direito à privacidade do cidadão (art. 9º, do Código de Ética e Constituição Federal). Além de ainda dever evitar a divulgação de fatos com interesse favorecimento pessoal ou vantagens econômicas e de caráter mórbido contrário aos valores humanos (art. 13º, inciso III).
Mas o mais importante ao meu ver: "o jornalista sempre deve ouvir antes da divulgação dos fatos todas as pessoas objetos de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas" (art. 14º, inciso III). Já os jornais afiliados à Associação Nacional de Jornais (ANJ) devem comprometer-se a cumprir entre outros preceitos: sustentar a liberdade de expressão, o funcionamento sem restrições da imprensa e o livre exercício da profissão; apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses; garantir a publicação de contestações objetivas das pessoas ou organizações acusadas em suas páginas de atos ilícitos ou comportamentos condenáveis; preservar o sigilo de suas fontes e respeitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade, salvo quando este direito constituir obstáculo à informação de interesse público (Constituição e Código de Ética).
Portanto, os desvios de interpretação durante uma entrevista e/ou depois na construção deturpada de um texto, podem ter vários motivos: o desejo de autopromoção do repórter em fazer um "furo de reportagem"; a mudança de rumo dos fatos, dando-lhe outros significados e sentidos, a fim de satisfazer a linha editorial do veículo de comunicação - supondo que o que mais interessa é a "ética" do meio de comunicação em questão; e talvez a necessidade de transformar aquela pauta morna em algo mais interessante, que renda quem sabe até uma manchete de primeira página; a montagem tendenciosa na edição, entre outros recursos de manipulação dos fatos.
Embora cada um dos motivos citados seja diferente, todos são desvios de conduta ética jornalística. Isso é algo deprimente para a categoria dos jornalistas que consideram os valores morais e éticos essenciais para o bom desempenho do exercício da profissão e, consequentemente, do profissional.
De acordo com a Declaração Internacional de princípios para a conduta dos jornalistas, é proclamada como um padrão coletar, transmitir, publicar e comentar notícia e descrever acontecimentos. No entanto, o jornalista deverá considerar como graves delitos plágio, deturpação maliciosa, calúnia, injúria, difamação e suborno em troca de publicação ou omissão de notícias, já mencionados à cima. Mesmo assim, tais delitos continuam sendo feitos por jornalistas que não pautam pela ética no exercício da profissão.
Conforme o artigo 8º e também no inciso 5º da Constituição Federal, o jornalista deve, sempre que considerar correto e necessário, resguardar a origem e a identidade das suas fontes de informação. Assim como deverá guardar segredo profissional da fonte de informação obtida em segurança. Mas nem sempre isto acontece, às vezes por descuido da própria edição no caso da TV.
Já na Internet, não é muito diferente, em se tratando de desvios éticos. Apesar de ela ter trazido inúmeros aspectos inovadores e revolucionários de comportamento e atitude social, tornou-se corriqueira a pirataria ou cópia indevida de músicas, fotos e textos (mesmo assinados na Rede) jornalísticos ou não. Este ato caracteriza-se como plágio.
No entanto, um mito é acreditar que a cópia não autorizada é boa porque permite disponibilizar a todos a informação. Já muito material de boa qualidade, que poderia estar disponível para todos na Internet, não está disponível porque os responsáveis temem a cópia não autorizada. Muitos pintores, poetas, fotógrafos e até jornalistas deixam de colocar seu material na web porque sabem que não podem impedir a pirataria.
Outro mito é crer que quem não tem dinheiro para pagar pelo uso de imagens não tem alternativa a não ser copiar sem pedir autorização. Na verdade, em boa parte das vezes, basta pedir permissão para usar, de forma honesta, gratuita dentro dos princípios éticos da Lei, para usar fotos, textos etc. de terceiros. Frequentemente, o autor não pede mais do que a citação do crédito, além de um link para o site original.
Muitas pessoas acham natural a cópia de material alheio, até mesmo por desconhecer que isto é uma prática ilegal. A Internet é repleta de sites que violam os direitos autorais. Alguns inclusive plagiam textos e fotos de outros sites da própria Rede.
Sejamos realistas, faz parte do cotidiano do brasileiro a cópia não autorizada "xerocamos" livros inteiros, ao invés de comprá-los, como também o usamos software (programa) de computador não registrado. No entanto, são parâmetros diferentes. Quem xeroca livros não está dizendo necessariamente que é autor deles, já quem usa no site textos e fotos sem citar a fonte, praticamente se coloca como autor das obras intelectuais. E aí fica uma pergunta neste caso a lei é clara? Ao meu ver não.
“A obra criada por jornalista só é protegida pelo direito de autor se estiver assinada por ele. Como qualquer outra criação intelectual de espírito é protegida pelo que apresenta de novo, original, inventivo e criativo. Sendo ela própria uma extensão da personalidade do seu autor, assegura o legislador a proteção ao direito moral do jornalista criador original da obra. A assinatura do nome, junto ao título deixa claro, sem margem de dúvidas quem é o autor moral da mesma”, define Jaury de Oliveira, em “Direito autoral não é salário: a obra do jornalista e a lei atual de direito de autor”.
Baseando-se no artigo 36, conforme afirma Jaury, o direito de utilização econômica de artigos assinados pertencem ao editor, desde é claro, que não estejam assinados pelo jornalista. Neste caso estamos na hipótese acima. Quando não estiverem assinados pertencem ao editor / empresa jornalística. “É aí que o direito de criação intelectual do jornalista é deixado de lado. Como ocorre isso? Ao ser contratado o jornalista assina, obrigatoriamente, pois do contrário talvez não consiga o emprego, um contrato de trabalho, pelo qual obrigam-no a ceder seus direitos autorais sobre as obras que vier a criar. Transmite, dessa forma, desde logo todos os direitos de exploração econômica sobre suas criações”, diz.
Ironicamente, a justificativa geralmente usada pelos meios de comunicação que agem desta maneira coerciva é de que a obra jornalística é uma obra coletiva, isto é, realizada por várias e diferentes pessoas e por isso, impossível de ser individualizada. Mas como? A individualização é elemento constitutivo da criação intelectual. Logo, se a obra não permite a identificação do autor, é porque ela não tem autor! Mas como certos veículos de comunicação podem afirmar tal aberração, que o criador não é um só, mas vários e por isso, ele não é identificável. Neste caso, conclui-se que o autor é o editor, a pessoa jurídica.
”O resultado disso é a perplexidade que ficamos ao ver o jornalista de mãos abanando, sem seus direitos patrimoniais de autor. Maior ainda é o espanto quando sabemos que a mesma matéria por ele preparada e pela empresa apropriada será reproduzida e vendida pelo editor através das suas agências de notícias sem que nem direito ao nome tenha o criador original da obra, o jornalista. O direito de autor que um jornalista possui é aquele que exerce sobre toda criação intelectual por ele produzida e em seu nome divulgada. Tem direito de explorar economicamente sua criação intelectual toda pessoa que cria uma obra passível de proteção pelo direito de autor”, explica Jaury de Oliveira.
De acordo com a Constituição Federal, art. 5, inciso XXVII e a Lei 9.610/98, a Lei dos Direitos Autorais, quando um jornalista assina um texto, uma imagem áudio-visual, desenhos, charges e projetos gráficos, seu direito de autor é inequívoco, com fundamento na Constituição Federal, art.5, inciso XXVII e na Lei 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais. Ocorre, no entanto, segundo Oliveira, que os jornais são considerados "obras coletivas" cuja autoria não pode ser identificada, na medida em que não seria possível individualizar a pessoa física criadora daquela obra. A partir daí os direitos patronais e autorais da criação do jornalista passam-se imediatamente para as mãos das empresas de jornalismo e o jornalista dissolve-se na “multidão anônima” das redações.
Sabe-se que o jornalista de um grande jornal diário produz muito mais do que é aproveitado diariamente. O restante não é jogado fora, mas repassado adiante no mercado pelo editor para as agências de notícias. Eis aí uma técnica arrojada de não pagar os direitos autorais ao trabalho dos jornalistas. Aos free-lancers acostumados a negociar com o editor, convém adotar contratos, prevenindo-se contra os usos indevidos e sempre com cláusulas restritivas a favor do autor. Isto é, a cada uso da obra um novo contrato e uma nova remuneração.
É preciso evitar esses e outros abusos de poder no ponto de vista dos interesses dos jornalistas e na defesa dos seus direitos de autor e criador de uma obra de propriedade intelectual, aliás, reconhecida, mas ainda deficiente. Se faz necessária a reformulação tanto da Constituição Federal quanto do Código de Ética do Jornalismo.
Como isso, o que se espera é o pleno reconhecimento dos direitos intelectuais da categoria, o devido valor moral e porque não dizer reconhecimento profissional até de certa forma àqueles que lutam eticamente para os brasileiros serem pessoas mais bem informadas e destituídas do rótulo "habitante de país em subdesenvolvimento social e intelectual".
*Alessandra Silvério é formada em Jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná e pós-graduanda em Comunicação Audiovisual pela PUC-PR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário