Jairo Salim de Lima
Esta é mais uma história que só poderia acontecer no principado de Xapuri. Os fatos aqui relatados são históricos e recheados de pormenores que outros chamariam de licença poética. Se a memória da Deise e do Augusto não falha, a tal invasão aconteceu no ano de 1928.
Naquela época o principado era um pequeno ajuntamento de fortes e bravos. Homens e mulheres que fincaram suas raízes no chão das fagáceas e euforbiáceas para construir o futuro. Havia libaneses recém-chegados, portugueses instalados e arigós espalhados e por vir. Neste balaio edificava-se uma sociedade fraterna, alegre e recheada de causos.
Estradas não havia. Mas tinham chatas* e batelões. O Rio Acre era a via transporte e quando enchia era uma beleza: o boto perdia a maninha e o barranco ficava miúdo.
As ruas eram de terra e sem energia elétrica. Quando chegava embarcação com gado para o curre, era uma farra:
- Corre que lá vem o boi brabo!
Os carnavais nesta época eram charmosos e elitizados. Mas o rancho popular compensava. O Zeca Torres comandava a banda e muitos bambas seguiam os seus passos, como o Roldão e o Aurélio Abuache. O Clóvis Melo e o Zé Manduca formavam a dupla de zaga do time dente-de-leite do América e o Prezado (Antônio Zaine) soltava pepeta na Major Salinas.
Nesta época, o Padre José ainda treinava para ser sacristão, a Carmem Veloso era estudante interna no Colégio das Freiras e o grande empreendedor era Sadala Cury.
Eu quase me esqueci das queixadas. Vamos lá.
De acordo com os relatos, numa manhã tranquila - como, aliás, são todas as manhãs em Xapuri, os libaneses jogavam gamão na sinuca do Tuffic. Os portugueses, reunidos na Limitada, falavam da terrinha. E os arigós, trabalhavam para os dois grupos.
Como se fosse uma visagem, assim, do nada, um bando de queixadas apontou pelos lados da Sibéria. A quantidade de animais e o barulho que faziam eram medonhos. Fosse o Padre José diria algo do tipo: Era tanta queixada que o ponteiro estava na beira do Rio Acre enquanto o rabeta ainda atravessava o Rio Iaco, lá pelas bandas de Sena Madureira. Parece até, que a Maria de Belém ouviu o barulho delas quando cosia no Seringal Porvir, perto de Brasiléia.
Aqueles que testemunharam os fatos confirmam: era um bando de queixadas como ninguém jamais vira ou veria. Pois elas caíram na água com beira, e atravessaram o rio sem dó. Foi um corre-corre danado, um Deus no acuda: era gente se escondendo; subindo nas árvores; trancando portas e janelas. As queixadas entraram em casas e quintais, destruíram hortas e plantações. Enquanto uns se escondiam, outros armados com paus e pernamancas, mandavam o porrete nas invasoras. Até o velho Tuffic derrubou quatro das grandes.
A tempestade de queixada durou um dia inteiro.
Quando tudo parecia calmo, aparecia um bicho perdido e recomeçava a caçada. Depois do vendaval, havia animal morto em toda parte. Foi um susto danado!
Eu fico pensando na turma retirando carcaça de queixada da cozinha, do quintal, da privada. Dizem que os moradores de Xapuri comeram carne de queixada até o Natal de 29. Outros dizem ainda que, um bando de queixadas como aquele, é coisa de caboquinho da mata, curupira ou fruto de imaginação fértil. Mas é verdade mesmo. O fato aconteceu.
Há relatos recentes dando conta que, em 2006, outro bando de queixadas resolveu visitar Xapuri. Desta feita, talvez por memória genética, não atravessaram o rio.
Sabe-se que, chegaram à beira da água; olharam a cara do Abdon; tomaram um susto; deram meia-volta e se embrenharam nas matas do João de Arruda, morrendo de medo. Eu acho que é invenção do Quinha (Aurélio) e do Boi (Raimundo), mas eles juram que não.
Fonte: blog História Multimídia de Xapuri.
Um comentário:
Mto legal, Jairo... gostei do conto.
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