sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Com um pé atrás

Luciano Pires

Ando cada vez mais cético. Olha só esse escândalo da operação Satiagraha, com o delegado Protógenes. O herói que prendeu o banqueiro desonesto agora é o indiciado que passa por cima da Constituição e abusa de seu poder de polícia. Mas basta sair às ruas para ver a manifestação pró Protógenes numa esquina e a manifestação contra Protógenes na outra...


Todos cheios de razão. Afinal, ele é mocinho ou bandido?

Algum tempo atrás Oscar Niemeyer fez 100 anos. A vida toda li e ouvi que ele é o grande nome da arquitetura brasileira, admirado em todo o mundo, criador de obras que entraram para a história da humanidade. Mas na comemoração de seu centenário, dezenas de críticos caem de pau. Ele seria apenas um bom escultor e péssimo arquiteto. Faz coisas bonitas, mas impossíveis de serem habitadas. E é comunista. Prega um mundo justo, de paz entre os homens, mas defende regimes como o de Fidel Castro, Stalin e outros assassinos.

Pelé é o maior jogador de futebol do mundo, personagem requisitada e sempre presente nos mais importantes eventos globais. Mas a crítica cai de pau sobre ele desde que afirmou uns trinta anos atrás que o brasileiro não sabia votar. Pelé era bom de bola, mas tem que ficar de boca fechada...

Aprendi na escola que os Bandeirantes foram os grandes heróis brasileiros, os homens destemidos que conquistaram o Brasil, derrotando os índios selvagens. Para descobrir mais tarde que eram bandidos sanguinários.

E os espanhóis que conquistaram a América Latina? Admiráveis guerreiros e navegadores que descobriram novos mundos e acabaram com costumes selvagens das tribos que sacrificavam seres humanos. Mas um outro ângulo diz que eles eram saqueadores, genocidas. Exploradores.

E Che Guevara? O herói romântico que embalou os sonhos de várias gerações? Surge agora como um psicopata que matava por prazer, não tomava banho e foi o covarde que implorou para não ser morto.

E os estadunidenses que lutaram contra o comunismo e salvaram povos de massacres perpetrados por ditadores perversos? Admiráveis, não é? Mas são os exploradores capitalistas, invasores em busca de riquezas naturais, que destroem as culturas regionais, etc etc etc.

Lula? É amado por uns, odiado por outros. Como Bush. Obama. Bento 16. Chaplin. John Lennon. Jesus Cristo. Gandhi. Juscelino... até Deus!

Escreva aqui o nome de quem você quiser. Sempre aparecerá alguém com uma história que ninguém sabia, comprovando que ele ou ela tem ou tinha um comportamento questionável que deve ser criticado.

Ninguém mais é absolutamente bom. E, se um dia foi, era por falta de informação de quem o admirava...

E para piorar temos cada vez menos tempo para dedicar aos estudos, à reflexão. E assim o tempo passa a ser inimigo do entendimento e da coerência. Pressionados pelo tempo ouvimos rapidamente, lemos rapidamente e tiramos nossas conclusões incertas e superficiais.

É duro admitir, mas aos cinqüenta anos de idade fico a cada dia mais cético. Não tenho mais segurança para defender ninguém que eu não conheça profundamente. Acabaram o preto e o branco. Tudo ficou cinza quando mergulhamos na era da informação temos toda ela à nossa disposição, contra, a favor ou muito pelo contrário. E precisamos selecionar. Julgar. E escolher.

Por isso fica cada vez mais importante ser cético. Mas não o cético-burro, que adota o ceticismo como postura política perante o mundo, que não acredita em nada.

O ceticismo que me interessa é o ceticismo como método, acreditando que a certeza, o preto, o branco, o bom e o mau são possíveis, sim senhor.

Mas sempre com um pé atrás.

◙ Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista.

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