sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Xapuri fotografada: fragmentos e memórias

Sérgio Roberto Gomes de Souza

De acordo com Michael Löwy “as fotografias não podem substituir a historiografia, mas elas captam o que nenhum outro texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos gestos, certas situações, certos movimentos.” [1]

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Procissão de São Sebastião na década de 70

Acervo: Prefeitura de Xapuri

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

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Padre Felipe Galeranni

Data: década de 1930

Local: Xapuri - AC

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Porém, não sejamos tolos, o que percebemos com as fotografias não é um conhecimento total do passado, mas apenas a “configuração espacial de um instante”.

É importante ressaltar, que o fotografo, ao registrar a imagem, ele faz opções. Enquadra através de sua lente os atores sociais que deseja ressaltar, prioriza gestos e escolhe certos ângulos que, claramente, insere e exclui personagens na sua narrativa. Citando Cornélia Dilg:

"Nenhuma foto é produzida sem intenção. Eu escolho o objeto, decido o instante da tomada, determino a forma estética e completo as fotos com uma legenda (um texto)”[2]

A imagem tornou-se uma importante fonte para o historiador. Através dela, é possível perceber fragmentos de muitas memórias, dar voz a quem foi silenciado, perceber minúcias de um determinado período.

As imagens têm uma enorme capacidade de comunicar. Elas falam, conversam e contam como os espaços, os sujeitos sociais passam por processos contínuos de transformação.

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Colégio Divina providência

Data: década de 1920

Local: Xapuri - AC

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Mas, tal qual o fotógrafo, o historiador, ao escolher as fotografias com as quais vai desenvolver um diálogo, expressa toda sua experiência social na escolha, não escolhe de forma alhures.

No caso específico de Xapuri, selecionei imagens que se relacionavam com espaços e sujeitos e movimentos/ações que tiveram importantes representações no decorrer da minha formação: a devoção da cidade a São Sebastião expressa em ritos de fé que envolvem e inebriam ricos e pobres, visível em promessas pagas e graças alcançadas; Padre Felipe Galerani, religioso que chegou em Xapuri na década de 1920 e passou a ter a imagem extremamente vinculada ao ensino; a construção do Colégio Divina providência, espaço “elitizado” onde, mesmo após se tornar uma escola pública, continuava a ser uma referência para a “aristocracia tupiniquim” local e onde tive o primeiro contato com as letras.

Outras imagens foram selecionadas em uma perspectiva diferenciada. Foram memórias bem mais mundanas. A Praça Getúlio Vargas constitui-se em uma importante referência para a população de Xapuri, local de retretas, conversas fiadas e os primeiros olhares, cheios, repletos de insinuação para as mocinhas da cidade. Local onde amantes encerravam a noite e olhares curiosos os procuravam. Sim, em Xapuri havia voyeurs.

O Ponto Chic, como local de festas e boemia, vem de a muito tempo. Entre mesas de bilhar, doses de aguardentes e cerveja gelada, falava-se das mais diversas trivialidades, inclusive da vida alheia era a referência da felicidade.

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Vista da Praça Getúlio Vargas; Data: 1943; Local: Xapuri – AC

Acervo: Hélio César Koury

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Já o Hospital Epaminondas Jácome, remete-me À utopia modernista do governador Hugo Carneiro – governador do Acre entre 1927 e 1930 – que o inaugurou na década de 1920, mais precisamente em 1928, como uma referência das políticas “civilizatórias” que dizia estar implementando no Acre. Dedico-me a esse período, enquanto profissional de história a alguns anos, daí mais essa escolha.

Obviamente não intento com esse texto e as fotografias selecionadas contar a história de Xapuri, nem mesmo recorrer ao passado em uma perspectiva saudosista, fato para o qual demonstro certa aversão.

A perspectiva é outra, é dialogar com as imagens de um passado que reacende minha memória no presente. Citando Marc Auge:

As fotos [...] colocam a História no presente, restituindo-lhe a espessura, a contingência, a imprevisibilidade. O indivíduo, o acontecimento, a anedota ocupam todo o seu espaço e isso não significa que a História não tenha sua importância: uma das tarefas do historiador, se deseja compreender uma época, é precisamente imaginar o presente dela, fazer o inventário de suas possibilidades, escapar da ilusão retrospectiva.[3]

Ao ter acesso ao acervo com uma generosa quantidade de imagens da cidade e personagens de Xapuri, percebi a dificuldade de se dialogar com a fotografia sem a orientação de uma legenda eficaz. Walter Benjamin já ressaltava a importância do texto em uma foto ao caracterizá-lo como o “pavio que aproxima as faíscas críticas da massa de imagens”[4].

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Interior do Bar Ponto Chic, local de encontro da sociedade xapuriense

Data: década de 1940

Local: Xapuri – AC

Acervo: Museu da Borracha

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Os textos, então, cumprem papel fundamental para dialogarmos com as imagens. A construção do texto requer muita ética, pois qualquer alteração na escrita pode modificar o significado de uma fotografia.

Esse vasto patrimônio de imagens foi desenvolvido, com muito esforço e ética, por pesquisadores ligados a Fundação Elias Mansour. Estão disponíveis. Venho matutando a certo tempo – desde que mantive com as fotografias o primeiro contato - se não valeria a pena montar uma exposição no município de Xapuri. Não que isso reconstruísse a história do município, mas que certamente iria fazer vir à tona uma multiplicidade de memórias. É só por isso, já valeria a pena.

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Hospital Epaminondas Jácome, situado a rua 6 de agosto

Data: década de 1920

Local: Xapuri – AC

Acervo: patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

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Populares em frente a Casa Branca, Hotel inaugurado na década de 1910, de propriedade do português Joaquim Ferreira, conhecido como “periquito”

Data: década de 1930

Local: Xapuri – AC

Acervo: patrimônio Histórico e Cultural - FEM

Acervo Digital: Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM


[1] Löwy, Michael. A revolução fotografada. Boitempo, São Paulo, 2009.

[2] Cordelia Dilg, Nicarágua, Bilder der Revolution (Colônia, Pahl-Rugenstein, 1987), p. 2. Ela acrescenta a seguinte explicação, nada insignificante: "Essas legendas podem mudar o significado da fotografia e são, portanto, uma parte da informação".

[3] Marc Auge, Paris, années 30 (Roger-Viollet) (Paris, Hazan, 1996), p. 10. Ver também p. 11: “A força da fotografia instantânea se sustenta também no fato de propor ao nosso olhar cenas que não são mostradas pelos historiadores [...]: não somente as atitudes, as expressões fugidias em que se podem ler a alegria, o medo, a dúvida de um ator dessa história que se está construindo, mas também, e ainda mais, os gestos, os movimentos, a energia ou a perplexidade de todos aqueles por meio dos quais ela se constrói [...]".

[4] Walter Benjamin, Pariser Brief (2): Malerei und Photographie (1936) (Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1980, Gesammelte Schriften), p. 505. [Ed. port.: "Cartas a Paris (2): pintura e fotografia", em A modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007.]

Sérgio Roberto é xapuriense, professor da Ufac, doutorando pela USP.

Um comentário:

xapuriense disse...

Grande Sergio,

A idéia da exposição é excelente.

Não o procurei vc para falar sobre (como prometi, pois tive que dedicar certo esforço para iniciar o trabalho de criação de documentos para minha tese(estou trabalhando com História Oral...sabe como é).

Então, depois da disiplina do Zeron, fiquei quase o tempo todo indo e voltando para Xapuri.Para iniciar os agendamentos dos relatos, bem como para realizar alguns que já estavam agendados (Dercy, Targino, etc).

Agora estou indo até a USP falar com a orientadora, fico uma semana por lá. Quando voltar vou procura-lo. Pode ser?

Carlos Estevão