Edinei Muniz
Quando João Goulart caiu, em 31 de março de 1964, pouca gente no Acre ousou resistir, tanto que o tal do Edgard Cerqueira, de triste memória - e seu suposto telegrama do Comando Revolucionário (dizem até que era falsificado) - deitou e rolou: meteu os pés sujos na porta da Assembléia Legislativa e ainda encontrou apoio de alguns deputados do PTB (partido de Jango e de Jose Augusto) para sagrar-se governador.
Mas, como toda regra tem lá suas exceções, em Xapuri, terra de cabra valente, um simples açougueiro, decidido a entrar para a história, rabiscou uma cena de heroísmo digna das mais altas homenagens. O nome dele era Antônio Leopoldo, mais conhecido como “seu Antonico bucheira".
Antonico, desde cedo, já se mostrava diferente. Como magarefe, nunca obedeceu à regra (imposta pela elite obviamente) de que “carne de primeira”, tão logo chegasse ao açougue, teria que ser reservada aos ricos. Com ele, a carne, seja qual fosse, era de quem chegasse primeiro. Os ricos babavam de ódio, mas Antonico nem aí para eles.
Com a queda de Jango, petebista roxo que era, Antonico se inquietou. Falou, falou e nada pôde fazer. Reclamava que o povo era mole e não tinha coragem de pegar nas armas para assegurar a volta do Jango e de José Augusto.
Lá pelas tantas, numa heróica manhã de agosto de 1964, quatro meses após o golpe, argumentando a excessiva elevação dos preços das mercadorias, Antonico resolveu ensinar como se reage contra os tiranos: tomou Xapuri de assalto e distribuiu alimentos de graça para a população pobre.
Seu Antonico, e mais uma meia dúzia de revoltosos, entre eles o Zé Bento, pegaram nas armas e dominaram os pontos estratégicos da cidade: a Prefeitura, a Agência dos Correios, onde cortaram o fio do telégrafo, e também, claro, o quartel da guarda, trancafiando os militares de plantão.
Com a cidade totalmente dominada, Antonico dirigiu-se ao comércio, chamou o povo, e distribuiu alimentos de graça para todo mundo. Mas, enquanto ele fazia isso, os seus companheiros de revolta não agiam como a mesma firmeza. O Zé Bento, responsável por vigiar o Quartel da Guarda Territorial, acabou fraquejando e libertou o Cabo Expedido (seu antigo companheiro de farda). Daí em diante, um a um, todos os revolucionários, posicionados em pontos estratégicos, baixaram as armas, só restando Antonico.
Ao receber ordem de prisão, Antonico, que realmente não era fácil, ainda tentou resistir, mas não demorou para perceber que seria em vão, pois fora informado que todos os seus companheiros de levante já encontravam-se devidamente presos. Sem saída possível, acabou se rendendo.
Por tal ato, Antonico chegou a responder um inquérito policial, mas não deu em nada. Dizem que o Guilherme Zaire, poderoso que era naquela época, entrou na questão e livrou nosso combatente da cadeia.
Antonico morreu pouco tempo depois. Partiu sem saber que foi dele o maior ato de bravura contra a ditadura militar produzido no Acre.
Alguém conhece algum outro?
NOTA: o que digo no primeiro parágrafo, sobre a suposta falsificação do telegrama e o pé na porta da ALEAC, tem como base o que disseram Nabor Junior e Iolanda Fleming, dois ex-governadores do Estado do Acre. Não inventei nada...está tudo no livro "Brava Gente Acreana", do ex-senador Geraldo Mesquita Junior.
Edinei Muniz é advogado.
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