terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Instituição xapuriense”

Juvena

Há cinco anos, mais precisamente no dia 19 de janeiro de 2009, durante um evento musical intitulado “Forró no Seringal”, que era realizado na praça São Gabriel, fazendo parte da programação dos 107 anos da Festa de São Sebastião, padroeiro de Xapuri, o sanfoneiro Juvenal Aquino se apresentou ao lado de outro tocador chamado Teté, de Rio Branco. Ao meu lado, na plateia, alguém sussurrou: “Juvenal é uma instituição xapuriense”.

Juvenal Aquino nasceu no seringal Apodi, nas margens do rio Xapuri, sendo o único xapuriense de nascimento em uma família de 12 irmãos. Seus pais, Teodoro Rodrigues da Silva, cearense de Sobral, e sua mãe, Rita Tomás de Aquino, paraense de Castanhal, vieram para o Acre nos anos de 1940. Na dura viagem de barco entre Castanhal e as matas de Xapuri, morreram três dos 11 filhos que traziam.

Conheço o sanfoneiro desde os tempos em que meu falecido pai adotivo, Antônio Firmino, era comboieiro nas matas dos seringais Novo Catete, Albrácia, Sibéria e outros. Quando vinhamos à cidade, era inevitável aquela visita ao “Remanso” para ouvir o Juvenal tocar sucessos de artistas renomados. Trio Nordestino, Luiz Gonzaga, Zé Calixto e Noca do Acordeon eram presença garantida no repertório do artista popular xapuriense.

Remanso era o nome dado a um pequeno beco localizado na área central da cidade, onde hoje estão erguidas as drogarias Paraná e Drogamira. Ali, se acotovelavam pequenos comércios e botequins, point da boemia desabastada da cidade. Era um lugar por demais animado, onde figuras famosas como os bêbados Adauto e Dico, entre muitos outros, protagonizavam comédias hilárias.

Num desses frequentados botequins, em um tempo em que o centro de Xapuri possuía uma doce agitação, tão diferente dos dias atuais, Juvenal Aquino fazia sua sanfona atrair a atenção de “doutores” e matutos. Membros da segunda categoria, eu, ainda criança, e meu pai sempre parávamos ali para ouvir, meio abestalhados, a melodia saída dos 48 baixos daquele instrumento que encantava os ouvidos.

A paixão pela sanfona nasceu por volta dos 20 anos de idade, quando resolveu pedir a ao pai, Teodoro, que comprasse para ele um instrumento de fole. Dos irmãos homens, Juvenal conta que todos tocavam alguma coisa, mas que o pai, mesmo tendo possuído um acordeão, jamais conseguira extrair dele um único acorde, motivo pelo qual resolveu vendê-lo. Daí a resistência do velho em adquirir a tão sonhada sanfoninha de 8 baixos dos sonhos de Juvenal, que terminou por ser comprada algum tempo depois.

Em 1968, Juvenal deixou o seringal e veio para Xapuri, onde se inspirou num tocador chamado Mundico Agostinho, a quem considera seu grande mestre, e comprou uma nova sanfona, essa de 24 baixos. No ano seguinte, vendo que o filho levava jeito para a coisa, o velho Teodoro resolveu presenteá-lo com um instrumento maior: uma sanfona de 48 baixos com a qual o sanfoneiro começou a animar festas por vários lugares do município.

Juvenal conta que nessa época ouviu muitas piadinhas e críticas vindas de quem não acreditava em seu talento para tocar sanfona. Certa vez, quando foi contratado para animar uma festa de casamento em um seringal, o pai do noivo foi questionado sobre a escolha do sanfoneiro. Naquele tempo, casório sem forró não tinha prestígio. E se o sanfoneiro fosse ruim, podia até voltar para casa com a sanfona quebrada.

- Chico Afonso, em Xapuri não tem mais tocador, não? Perguntou um parente da noiva ao anfitrião.

- Por que a pergunta? Devolveu o seringueiro, que desejava festejar o casório do filho ao som de uma boa sanfona, instrumento impreterível nos regabofes daquele tempo.

- Se tu foi a Xapuri contratar um tocador e trouxe o Juvenal Aquino, é porque lá não tem mais sanfoneiro, emendou o chato de plantão.

- Vou fazer o casamento de meu filho, quem vai tocar é Juvenal Aquino e vem na festa quem quiser, pôs fim à conversa o enjoado Chico Afonso.

Alguns anos depois, quando já era um tocador conhecido e que animava forrós em vários lugares do município, o mesmo crítico do diálogo acima se dirigiu a Juvenal para parabenizá-lo por sua sanfona atrair tanta gente às festas nas quais tocava.

- Nunca esmoreci com isso, não. Tocador não pode ter rancor, filosofa o sanfoneiro.

Há mais de 32 anos, Juvenal Aquino mantém a casa de festas que se tornou famosa em Xapuri e conhecida em todo o estado, o Forró do Juvenal, que há alguns anos foi restaurada com apoio da prefeitura. Pelo fato de possuir público fiel e estar sempre lotada nos dias de sábado, a casa de forró ganhou um apelido – Espoca Chato - que, por considerá-lo pejorativo e indecoroso, Juvenal nunca o aceitou com bom humor.

- Muita gente de bem deixa de vir à festa por causa desse apelido indecente, reclama.

O sanfoneiro Juvenal Aquino, 67 anos, é de fato uma instituição xapuriense. Exemplo vivo da nossa riqueza cultural e das figuras marcantes da história da cidade que nem sempre recebem o merecido reconhecimento. Este texto é uma forma de homenagear essa pessoa querida que tão bem representa a história da arte e da cultura da nossa terra.

Xapuri possui muitos Juvenais, modelos de vida e de coragem que, apesar das muitas adversidades lhes impostas, optaram por produzir e deixar como herança algo de bom para as novas gerações.