domingo, 4 de agosto de 2013

A irresistível saga da moça que roubou o homem de alguém

*CLÁUDIO MOTTA

Viver a modernidade em alto estilo é algo bastante dispendioso, oneroso e até certo ponto insidioso ou capcioso, digamos assim. Se não bastasse a seda e o linho, ainda há que comprar amor como se compra o vinho, quando, na busca da mais cristalina verdade, há o bem querer na praça, onde o amor pode vir de graça, bem devagar, solertemente... E basta ter paciência e um pouco de pertinência, quando o sentimento puder valer à pena.  É também conveniente o ser sensível dos que farejam a felicidade que está em qualquer canto da cidade ou em lugar algum.

Ainda bem que eu sou um mero inexperiente para quem tudo é urgente, embora sequer tenha estilo e muito menos um afeto. E o mal pior é que não sei mais onde está o apego, o meu chamego, a mulher de um homem só. Tenho-o observado exposto, à venda, em bancas de revistas, no boteco da esquina, em restaurantes caros e lojinhas do mercado popular. Então, o órgão do peito acelera e a poesia flui severa. Ah, quem me dera, viver ainda essa quimera, talvez eu a tenha deixado escapar ontem, anteontem ou em século algum. Foi, sim, por esses dias que o poetinha disse ao meu pé do ouvido:

- Ei, menino! Arrisca-te... É preciso muito siso, muita seriedade e pouco riso, para viver um grande amor.

E foi aí que ela acordou. E foi aí que a briga começou.

Estava a esposa a emprestar pistas sobre o que gostaria que houvesse no seu aniversário próximo. Ela disse que queria algo que fosse de zero a cem em cerca de três segundos. Disse o marido então que lhe compraria uma balança... E foi aí que o pau quebrou. Sobrou presença de espírito. Faltou sensibilidade.

Daí em diante, os temporais se sucederam a cada dia de cada semana de cada mês. A vivenda virou cabana e, depois de um vento brando, uma leve aragem, a casa caiu, o barraco desabou, no dizer do poeta quase acreano. Vinte anos de casados, dois filhos adolescentes que presenciaram o caos.   Coisas da modernidade.

Foi quando a moçoila adentrou o restaurante caríssimo em cadência de ancas largas e ligeiramente fagueiras. Vendia amor a preço irrisório ou por valor alto, dependendo do contato, daquela coisa de pele, que virou moda entre os mais sensíveis ao toque, ao olho no olho, ao lábio com lábio, ao voyeurismo das mãos irrequietas. (Isso já tá ficando sacana demais!)

Ele meditava sozinho à luz do dia do restaurante de primeira linha. A mão balançava as chaves do carro de luxo à porta. As coisas já iam de mal a pior e aquela beldade se derretia em sorrisos, sozinha, em uma mesa próxima, bem em frente à dele, um cinqüentão de roupas finas, anti rugas, visitas ao dermatologista, academia de ginástica por religião, poses e sorrisos estudados, educados, poesia requentada nos lábios, cartões de crédito internacionais e tudo o mais, em síntese, pronto para viver o amor em média idade com aquela florzinha de apenas duas dezenas de primaveras. Um quindim de jerimum!

- Vamos assumir o relacionamento. O que é que tem? Não há porque não. Esquece aquela doida lá de casa, e pronto! – Foi o que disse a ele a alma aventureira própria, que se acostara bem ao seu ouvido.

- Sou executivo de uma empresa internacional do ramo de automóveis. – Ao que ela respondeu:

- Eu, cá de minha parte, estou prontinha da silva para uma aventura secreta ou a céu aberto, do jeito que for.

Houve uma troca de celulares naquele lugar espaçoso, próximo ao banheiro, onde os homens se diferenciam dos meninos. Em nada mais que três minutos, ali bem próximo ao píer, já ele gentilmente abria a porta do bólido preto luxuoso que lhe servia de meio de transporte. Em menos de duas horas, já estavam os dois naquele local divino, ninho da sacanagem e do acasalamento frugal. E haja fôlego para não se fazer de rogado na frente de uma atleta de pouco tempo de serviço, e cheia de habilidades aprendidas em almanaques onde se ensina como bem vender o amor de verdade, o amor a esmo, misturado com torresmo, seja lá como for.

Deu certinho. Nem se deram ao luxo da discrição. Saíram do motel com os vidros abaixados. Já na praça, tomaram o tacacá da maria preta, um na mesma cuia que o outro. O Zé havia nascido para aquela alminha linda, morta de gostosa na sua tez alva como as nuvens da Ilha de Páscoa, do Pacífico Sul, onde passariam as próximas férias do verão asiático. Principalmente, ele acabara de nascer, sim, para assumir todas as continhas dela, na boutique, na perfumaria, no esteticista, na loja de jóias, na concessionária do carrinho dourado, e assim por diante. Seriam e são felizes por dois anos ou para sempre até trocarem tiros no boteco, na cantina ou na garagem da esquina. Talvez até dê certo. Tudo depende de ser ou estar sempre ereto, de prontidão, na boa, sem recuar, sem cair, sem temer... E sem ficar pobre, claro, isso nunca. Cruzes!

Mas tem sempre uma vizinha fofoqueira e enrugada para quem os anos perderam o sentido do ser e do estar. Foi aí que a Fifi entrou em cena sem nenhum pudor. Morta de ciúmes porque a filhinha encantadora, de quinze aninhos, houvera caído nas graças e estava barriguda de um zé ruela qualquer, desses que invertem noite e dia em busca de prazeres entre basilares e cheiradas letais, ela fez comentários atrozes:

- Essazinha aí, heim! Deu-se muito bem. E como é que não ia dar e gostar se ele tem com o que pagar? Descolou o velhote metido a besta. No futuro, dá-lhe um chute na bunda, fica com as coisas dele, e pronto. Com o vidro preto no carrão, ninguém chega sequer a ver a cara do come gente. Cá entre nós e o povo da Estação, ela roubou o marido de alguém. No mínimo, há agora uma família sem arrimo, uma esposa em desatino e filhos que já não contam com a presença do pai salafrário e pegador feito a peste. Arre égua!

É assim a vida moderna. Cada um dá o que tem, ou vende a preço de banana, ou em troca de uma bêemedábliu, de um corolla preto, ou de um palacete em Jurerê Internacional, Floripa... Melhor que em Vegas. Lá, o pessoal do cassino fala inglês.

Fiquei, digamos, meditabundo, depois das ocorrências drásticas. O amor tem sentido, vale a pena, mas também vale ouro trabalhado pelas mãos melhores ourives.

Ó minha caríssima Amanda, razão dos meus ais. Por ti esses sinos malvados e outras cositas mais dobram, a minha cuíca repica e o meu florete desembainha. Tudo é tão normal para os pós-modernos, como esses meus botões viciados e os zíperes escorregadios. Muito embora os fundamentalistas teimem, o casamento continua a ser como o submarino, posto ter nascido para afundar... Enquanto uns lutam, choram e se descabelam para não perder a consorte, a amada amante que lhe reservou Deus, outros, ao contrário, têm uma puta vontade de que um dia ela ou ele lhes afirme estar gostando de alguém, este, já um clichê em meio aos que começaram a trair para jamais deixarão de coçar.

Voltando aos pombinhos da irresistível saga, um dia, então, ainda em idade imatura, ela houve por bem enviar a ele um bilhete ensimesmado, um pouco aguado, mas cheio de amor pra dar. Anotou a ninfa que eram eles feito água de moinho que jorra para o futuro, sem medo do escuro. Vento no varal de um tempo que ainda vem, de barco ou de trem. Afã da juventude afoita tremeluz sorrateira, daquela maneira. O élan da vida viva ativa a borbulhar, e encantar. Farfalhar de folhas na primavera, uma quimera. Acalanto pra quem sofre ou é feliz, ou por um triz. Aragem no quintal do primeiro sol que marca o dia. Da ciranda de crianças no pátio escolar, nada devagar. Orvalho leve da madrugada tardia, não mais fria. Amanhã tem mais poesia e hoje é dia de ser feliz mais uma vez, e sonhar... É assim a vida vadia de quem é feliz mesmo sem saber.

Dois anos depois, o adeus foi inevitável e a bancarrota também.

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*José Cláudio Mota Porfiro é um cronista desatrelado: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br.

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