domingo, 20 de março de 2011

Rio Branco: a capital sem vida

Sérgio Torres dos Santos

Ao retornar de uma noite de trabalho no carnaval 2011, ao passar exatamente pelo centro da cidade, fui surpreendido por dois fortes sentimentos: nostalgia e revolta. De acordo com o dicionário Houaiss 2011, nostalgia é um substantivo feminino, cujos significados são melancolia profunda causada pelo afastamento da terra natal, distúrbios comportamentais ou sintomas somáticos provocados pelo afastamento da terra natal, do seio da família e pelo anseio extremo de a eles retornar e saudade de algo, de um estado, de uma forma de existência que se deixou de ter, desejo de se voltar ao passado.

Considero pertinente para essa reflexão a última definição dada ao termo nostalgia, a saber, saudade de algo.

Quando tinha 16 anos, trabalhava pelo centro da cidade vendendo charutos e refrescos com duas finalidades: conseguir o dinheiro da entrada do Cine Rio Branco (contava as horas para assistir aos filmes dos Trapalhões e de Artes Marciais, principalmente com Bruce Lee) e comprar o ingresso para a Danceteria Rio Branco, que ficava ao lado do cinema. Na festa, dançava ao som de Madonna, o amigo leitor mais maduro deve lembrar-se da inesquecível canção Papa Don’t Preach e Holiday de Madonna e do intervalo em que tocavam as inesquecíveis músicas românticas, grande Jimmy Clyf e sua memorável música Now End Forever. Ao fim da festa, íamos para a praça defronte ao quartel da PM e lá ficávamos até altas horas conversando e namorando. Lembro-me de que na maioria das vezes retornava para casa a pé, pois como disse o dinheiro que ganhava com as minhas vendas dava mal para as entradas, raríssimos sacos de pipoca e poucas latas de refrigerantes (nunca fui fã de bebida alcóolica).

O centro da cidade tinha vida: havia vendedores ambulantes, pessoas nas paradas de ônibus, jogos de futebol no velho Estádio José de Melo, bailes no Esborba, Danceteria no Vasco da Gama, pais passeando e tirando fotos com seus filhos, pessoas saindo da Catedral, em fim, Rio Branco era uma cidade que acontecia nas noites de domingo.

E antes que alguém me questione sobre a violência na época, a quantidade de gangues que vinham dos bairros periféricos, as brigas dentro dos clubes e a depredação do patrimônio público, devo lembrar ao leitor mais desatento que ela sempre existiu e continuará existindo. Naquele tempo, alguém era furado porque insultava um membro de uma gangue rival. Hoje, uma mãe de família é assassinada pela filha só porque esta ficou estressada.

Passo a falar do segundo sentimento, a revolta, que prefiro não apresentar o seu significado de dicionário, uma vez que esse qualquer cidadão escolarizado ou não compreende muito bem.

Era mais ou menos três horas da manhã quando passei próximo à antiga danceteria Rio Branco. Parei e estacionei o meu veículo, fiquei olhando para o local e lembrando os momentos felizes de minha adolescência.

Por que este clube está fechado em pleno domingo de carnaval? Havia a pouco tempo bailes de carnaval para crianças e adultos. Era uma grande alegria. Os clubes completamente ornamentados, o mercado aquecido, fantasias e máscaras dos mais variados tipos eram vendidas.

O que aconteceu? O povo deixou de gostar de carnaval? Os empresários faliram? Os clubes quebraram? Os tempos são outros, as crianças modernas já não são tão crianças assim que não precisam de um espaço só para elas?

A grande questão, e grave, é que nos últimos anos, o centro da cidade de Rio Branco passou a não pertencer às pessoas, ao cidadão que trabalha a semana inteira e paga seus impostos, mas aos governantes que, temerosos por danos causados ao patrimônio que eles utilizam para enaltecer seus egos como a Praça Plácido de Castro, a Biblioteca Pública, o Palácio Rio Branco, o Museu dos Autonomistas, a Estátua de Chico Mendes e sobre a diabólica alegação de que esses bens públicos seriam destruídos caso houvesse atividades de grande concentração popular, as pessoas mais humildes são desterradas para os mais longínquos lugares e se quiserem participar de festas como o carnaval deverão esperar horas a fio os péssimos ônibus que circulam na cidade ou mesmo caminharem quilômetros para chegarem ao local da festa.

É hora de se questionar de quem é a palavra final: da população com o seu direito de e ir e vir, com o seu direito de ter opções variadas para que possa fazer as melhores escolhas ou de uma visão estatal monocrática que decide tudo sem consultar ninguém?

O centro de Rio Branco aos domingos à noite deve voltar a ser o que era no passado: um local com festas, cinemas, teatros, apresentações culturais e outras opções de lazer.

Se, no futuro, houver depredações do patrimônio público, não é porque voltamos aos tempos das danceterias e das gangues, e sim porque a educação dada em algumas famílias e nas escolas acreanas (sic) é falida, incapaz de ensinar valores mais elementares como respeito e cidadania, que dirá ensinar a ler e não decifrar letras, ensinar a analisar o mundo, compreendê-lo e modificá-lo.

Sérgio Torres dos Santos é ex-vendedor de refrescos e charutos, especialista em Educação pela Universidade Católica de Goiás e bacharelando em Direito pela Faculdade Barão do Rio Branco – UNINORTE.

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