quarta-feira, 2 de junho de 2010

Hanseníase

Brasil é o pior do mundo em um mal milenar

Ano passado, país registrou mais de 36 mil novos casos de hanseníase; nenhum estado atingiu meta de redução da OMS

Por Redação Multimídia ES Hoje redacao@eshoje.com.br

Encravado na Floresta Amazônica, Lábrea, a sete dias de barco de Manaus, é um município de pouco mais de 30 mil habitantes. O saneamento é precário, e boa parte da população ainda vive nas margens dos rios. Segundo dados do Datasus, do Ministério da Saúde, de 2008 a 2009, a cidade registrou 34 novos casos de hanseníase, uma moléstia que há milênios transforma seus portadores em alvo de preconceito e segregação.

No Brasil, a hanseníase é mais uma das enfermidades que se somam às doenças da negligência, associadas à pobreza e à falta de tratamento adequado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a meta que o Brasil devia ter atingido em 2005 era de menos de um caso para cada dez mil habitantes.

No entanto, dados de 2009 mostram que Lábrea não é exceção: nenhum estado brasileiro atingiu o índice da OMS. No ano passado, mais de 36 mil pessoas ficaram doentes, e a taxa de detecção ficou em 19,18% para cada cem mil habitantes. O país registrou taxa de prevalência de 2,19% para cada dez mil habitantes, índice maior que em 2008, quando o número era 2,06%.

Uma das doenças mais antigas do mundo, a hanseníase teve a cura descoberta na década de 1940. Quase 70 anos depois, o Brasil, segundo o ministério, está apenas atrás da Índia no número de casos, e em 2008 registrou 15,6% de todos os casos do mundo. Se a conta for feita levando em consideração a taxa de prevalência da enfermidade, o país ostenta um título pior: é o primeiro no ranking mundial, seguido por Timor Leste e Nepal, únicos países que também não cumpriram a meta da OMS.

Moradora de Lábrea, Maria de Nazaré, de 55 anos, não se surpreende com os casos diagnosticados e acredita que o número na região é ainda mais alto: - Vivemos numa área de difícil acesso e onde as pessoas descobrem tarde que estão doentes. A cidade não tem dermatologista, os médicos vêm uma vez por ano de Manaus e ficam só por uma semana. Arrisco dizer que em Lábrea vivem três mil pessoas que já tiveram ou têm hanseníase, muitas com sequelas - conta Maria, que há 25 anos ajuda os pacientes, há cinco se descobriu portadora da enfermidade e hoje é coordenadora do núcleo que o Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) tem na cidade

Preconceito ainda é rotina. Segundo o ministério, o número de casos vem caindo, já que foram registrados 57.941 em 2003, 29% a mais do que em 2009. Coordenador do Morhan, Artur Custódio diz que existem avanços, mas lembra que o Brasil não acompanhou o patamar de redução de outros países.

- Reduzimos os casos lentamente.

Perdemos muito tempo na década de 1990, tanto que o Timor Leste está prestes a cumprir a meta da OMS, e nós vamos continuar tendo mais de um caso para cada dez mil habitantes - diz Custódio.

Mesmo sem ter cumprido a meta da OMS, o ministério impôs outra ao país. O Brasil deve até 2011 diminuir em 10% o número de novos casos em menores de 15 anos. O objetivo faz parte do PAC-Mais Saúde e do Plano Nacional de Saúde.

- Essa é a principal meta para o monitoramento, já que esses casos têm relação com doença recente e são focos de transmissão ativos - diz Maria Aparecida de Faria Grossi, coordenadora do Programa Nacional de Controle da Hanseníase.

Segundo Maria Aparecida, para fazer com que os índices continuem caindo, o ministério realiza anualmente a programação de medicamentos com as coordenações estaduais de hanseníase e da assistência farmacêutica, e promove campanhas para informar sobre a doença: - Temos parcerias com centros de referência nacionais, ONGs e entidades científicas para dar suporte ao programa.

Mas quem precisa de informação ainda tem queixas. Morador de Rio Branco, no Acre, Elson Dias da Silva, 27 anos, vê desde que nasceu os pais sofrerem com a doença e há alguns anos foi chamado para ajudar um menino que havia sido isolado pela família, em Xapuri.

- Eles não tinham informação, fizeram uma casa nos fundos do terreno onde moravam e só se aproximavam para passar comida. O rapaz escreveu uma carta dizendo que ia se matar, e o pai foi me procurar. É o que acontece em áreas isoladas, onde os programas não chegam.

Morador do Piauí, Ruimar Batista descobriu que tinha hanseníase em 1984 e desde então trabalha para ajudar quem recebe o diagnóstico e também os que tiveram que amputar mãos, pernas e pés: - O governo federal devia ter mais parcerias com os estados e os municípios. No Piauí, uma ação nas escolas podia evitar que casos sejam descobertos tardiamente. Em 84, eu nunca tinha ouvido falar em hanseníase.

Em 2010, muita gente no meu estado não sabe o que é.

O presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, Marcos Virmond, diz que o país precisa de mais investimentos a longo prazo para conter a doença: - Para evitar mais lesões, é preciso fazer testes para detectar precocemente a doença, que pode ficar incubada até 35 anos e leva em média cinco para aparecer.

É necessário operacionalizar melhor a entrega dos remédios, melhorar a informação passada aos pacientes e o acesso ao diagnóstico. Com a política que temos, não vamos resolver em um ano ou em 30, vamos levar 50 anos para termos índices melhores. Não acredito que o país consiga reduzir 10% do total de casos em dez anos.

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