sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Uma simples questão de caráter

Ou de falta dele

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Três anos depois da morte da mulher que me criou desde os 9 meses de vida tomo conhecimento de que não fui convidado para a missa celebrada em Rio Branco, onde ela está sepultada, quando sua partida deste plano completou um ano. Pior que isso foi notar que meu nome não foi inserido entre os dos filhos “legítimos” no convite acima, confeccionado e distribuído a muitas pessoas de Xapuri, todas elas profundas conhecedoras da história de vida minha e desta senhora de quem tanto me orgulho e a quem tenho verdadeiramente como MÃE.

Pode aparentar que me magoa não ser reconhecido como irmão por aqueles que dessa senhora tiveram mais do que eu apenas o sangue que corre em suas veias. Mas não se trata disso, posso garantir. Minha infância e adolescência, apesar do amor e dedicação que tive de dona Ricarda Figueiredo da Silva, foram marcadas pela discriminação, pela indiferença e pelo fato de ser constantemente lembrado que não passava de um mero “filho de criação”. Dona Zizi, como era conhecida, me amava, mas não tinha forças para me defender da rejeição.

Mãe de 6 filhos, Francisco, o Chico Barrão; Sulamita; João, conhecido como Bailá; Ana Maria; Marta e Francisca, dona Ricarda me recebeu das mãos de uma mulher conhecida que lhe pedira socorro declarando não possuir condições para sustentar o filho que tivera um pouco antes de se separar do marido, que era alcoólatra e que lhe agredia constantemente. A história que precede esse momento crucial de minha vida não me é muito agradável, mas, mesmo assim, pretendo contá-la neste blog em um momento mais oportuno.

Minha história não me envergonha. Pelo contrário, muito me orgulho do homem digno e do pai de família responsável que me tornei, devendo muito disso a esta senhora maravilhosa pelo ato de humanidade que foi me acolher como filho naquele instante de desespero que fez com que minha mãe biológica sofresse até o dia de sua morte. Mas algumas circunstâncias do meu viver me entristecem deveras, principalmente a atitude mesquinha e injustificável daqueles que durante toda uma vida me trataram com preconceito e com reservas.

Devo ser justo e reconhecer que nem todos agiram dessa maneira. Ana Maria é uma pessoa a quem devo muito amor e carinho, mas nos afastamos por razões pelas quais ela e eu não somos culpados. Francisca, a filha mais nova, é a única que me considera como irmão de sangue. Esta, filha do segundo casamento de dona Zizi com o seringueiro Antônio Firmino, também nunca foi tratada como igual pelos demais. O termo “meia-irmã” sempre soou de maneira a colocá-la em seu devido lugar: a filha do seringueiro.

Não busco com esse desabafo qualquer reconhecimento, mas apenas fazer justiça. Não a mim mesmo, mas à minha mãe, dona Ricarda Figueiredo da Silva. Ninguém pode tirar dela, por qualquer vil e abjeta razão, aquilo que lhe pertenceu e continua pertencendo de fato e de espírito: um filho que pode ter-lhe dado, durante a adolescência, algumas preocupações e dores de cabeça, mas jamais uma única razão para que se envergonhasse ou se arrependesse de um dia ter lhe pegado no colo e lhe abraçado como seu.

Dona Zizi lutou contra muitos que vaticinavam maldosamente que ela estaria criando uma cobra venenosa para mordê-la. “Filho de peixe, peixinho é”, diziam-lhe, preconceituosamente, em referência à suposta má fama de meu pai biológico. Junto com o seringueiro Antônio Firmino não cedeu às maledicências. Criou-me do seu jeito do simples de quem viveu a maior parte da vida no seringal, não lhe faltando, a despeito disso, o rigor e a disciplina com que educou e formou o que hoje considero ser uma pessoa justa e honrada.

- Mas não pense, minha mãe, na paz do bom lugar em se encontra, que guardamos qualquer tipo de rancor. A atitude de nos excluírem como filhos seus de uma lembrança distribuída a parentes e amigos não muda nada na nossa história. Nós, seu filho, nora, netos e bisneta também não queríamos ficar sem você. Também sentimos enormemente sua falta. Mas seguimos, baseados no seu exemplo de luta, de amor e dedicação, virtudes com as quais norteia o nosso caráter, valor que infelizmente não conseguiu retransmitir a todos os seus.

Um comentário:

Luis Celso Lula dos Santos disse...

Raimari, antes já me preocupava que eu já estava lhe admirando. Agora torna-se tênue a linha entre respeito e amor. Siga em frente Companheiro. Abraços, Luis Celso