Assessoria Biblioteca da Floresta
Cecília era considerada a matriarca não apenas da família, mas de toda a comunidade do seringal, que, diariamente, lhe pedia bênçãos e conselhos em sua casa (Foto: Arquivo)
A comunidade do seringal Cachoeira, situado na zona rural de Xapuri, a 200 quilômetros de Rio Branco, perdeu, na última quarta-feira, 12, um dos ícones mais importantes da luta socioambiental acreana das décadas de 70 e 80. Dona Cecília Mendes, que tinha 87 anos de idade, estava internada na UTI do hospital Santa Juliana após um acidente vascular cerebral.
Tia de Chico Mendes (ela era viúva do também falecido Joaquim Mendes, irmão do pai do seringueiro), Cecília era considerada a matriarca não apenas da família, mas de toda a comunidade do seringal, que, diariamente, lhe pedia bênçãos e conselhos em sua casa.
Seu corpo foi velado na igreja Assembleia de Deus de Xapuri e enterrado no cemitério São José, ao lado do corpo da filha, Marilza Mendes. No local também está sepultado o corpo de Chico, morto há 25 anos por defender a floresta e seus moradores índios e extrativistas.
Mais de 200 pessoas acompanharam o funeral, entre elas familiares e amigos, a maioria vinda às pressas das colocações dos seringais Cachoeira e Equador. A grande comoção por parte dos presentes deu a dimensão do quanto dona Cecília era querida pela sua comunidade.
Ela era mãe de 15 filhos, entre eles Nilson Mendes, sábio da floresta e guia turístico da pousada ecológica do seringal. “Minha mãe sempre foi uma grande guerreira, antes, durante e depois das lutas que travamos contra a derrubada da floresta e a expulsão dos seringueiros da mata. Era uma memória viva que nos deixou, para a tristeza de toda a comunidade”.
De acordo com Duda Mendes, outro filho, a imensa bondade da mãe é a lembrança que mais ficará guardada em sua memória. “Ela é a grande mãe do seringal Cachoeira. Sua partida deixou todos os moradores órfãos de sua história, sua luta e seu amor”, afirmou.
Cecília era parceira da Biblioteca da Floresta. Em 2008, ela concedeu entrevistas para duas publicações da instituição, “Vida na Floresta” e “Memórias da Floresta”. Também participou de cinco das seis Imersões ao Nosso Tempo e Espaço Originais promovido no Cachoeira pela Sociedade Filosophia, um dos grupos temáticos da biblioteca. Na ocasião, Cecília falou sobre sua vida e participação nos empates contra os fazendeiros. As duas entidades se solidarizaram com a família e presenteou seus filhos com um quadro em homenagem à matriarca.
A matriarca da floresta
Na segunda metade da década de 1920, o Acre, predominantemente rural, ainda era território federal e sofria as consequências do fim do primeiro ciclo da borracha (1987-1912). Após a concorrência com o látex extraído e comercializado na Ásia, vários seringais faliram e seus moradores, boa parte vinda do Nordeste, foram esquecidos em meio à floresta. É nesse contexto que, no dia 1º de janeiro de 1926, nasceu, em Xapuri, Cecília Teixeira do Nascimento.
Dona Cecília durante palestra para a Sociedade Filosophia (Foto: Arquivo)
Até sua chegada ao seringal Cachoeira, em 1969, muita coisa aconteceu em sua vida. A mudança para o seringal Porto Rico aos 11 anos de idade, seu casamento com Joaquim Mendes aos 15 e o nascimento dos primeiros filhos são apenas alguns exemplos. Mas a época que mais marcou sua história, segundo ela, foi o ano de 1975, “quando começou a ameaça. Aí não prestou mais”, disse em uma das entrevistas concedias à Biblioteca da Floresta.
Cecília se referia à chegada dos fazendeiros à região. “Eles pintavam e bordavam com a gente. Tomavam as colocações, metiam fogo na casa e derrubavam a mata”. Embora não tenha participado diretamente dos empates, ela teve papel fundamental na luta. “O Chico fazia muita reunião na minha casa, chegava a juntar 100 homens, e eu ficava na cozinha fazendo pra esse povo a comida que ele conseguia. De três em três dias ele trazia 50 quilos de carne”.
Vencida a batalha, ficou o sentimento de ter valido a pena lutar, principalmente após os investimentos públicos no seringal nos últimos anos. “A chegada das escolas, as estradas, a saúde e o transporte. Mudou demais”. Em uma das últimas vezes em que foi perguntada se gostava de morar no Cachoeira, ela riu e disse: “Gosto, vixe! E nem quero sair, só pra morrer mesmo”.
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