Emylson Farias
A Constituição Federal e as leis infraconstitucionais estabelecem, expressamente, as atribuições de diversos órgãos. E não por acaso. Trata-se de uma questão de organização administrativa, com o objetivo de assegurar que o serviço público se desenvolva de forma harmoniosa, eficiente e eficaz.
Tamanha é a importância da divisão de atribuições e funções, que o Código Penal tipifica como crime a conduta consistente em usurpação de função pública, à qual comina as penas previstas no art. 328 a quem incidir nesse comportamento. Para parte significativa da doutrina e da jurisprudência também pode figurar como sujeito ativo desse crime o funcionário público.
E essa divisão ganha relevo quando se trata das funções de cada uma das forças de segurança pública, área do poder público, que, por envolver o serviço policial, exige regras bem delineadas quanto às atribuições das polícias. Afinal de contas, a segurança pública é um direito fundamental, por isso merecendo, do Ordenamento Jurídico, a proteção necessária.
Todavia, não são raras as vezes que esse princípio de organização do Estado é violado ou negligenciado entre as diversas instituições, o que tem ocorrido com certa frequência entre as corporações policiais.
Talvez pelo pensamento equivocado de alguns, que insistem em subestimar o regramento de organização do Poder Executivo, simplesmente porque comparam as consequências de sua violação com aquelas cominadas à infração às normas do processo judicial.
Esse pensamento é superficial e errôneo, pois é sabido que o ato administrativo tem que ser dotado dos seguintes requisitos: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Além disso, o ato deve obedecer aos princípios expressos no art. 37 da Magna Carta, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Merece destaque o requisito da competência. De acordo com a renomada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, competência é o “conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo” (Direito Administrativo. 8 Ed. São Paulo: Atlas, 1997). Essa competência é distribuída segundo critérios de matéria, território, hierarquia, tempo, entre outros.
Em direito administrativo, nada subsiste se não for norteado pela legalidade. Para o administrado, significa dizer que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão, em virtude de lei”. Ou seja, se não existir uma norma proibindo determinado comportamento tal, é permitido ao particular. Já em relação ao agente público, este somente pode praticar um ato se a lei expressamente o autorizar. Do contrário, o ato será ilegal.
Como policial e gestor da Polícia Civil do Estado do Acre, tenho visto com muita preocupação e perplexidade o desrespeito que algumas instituições têm tido em relação à função constitucionalmente confiada à polícia judiciária do Estado.
Isso se traduz desprestígio a uma instituição que tem, a cada dia, agido com imparcialidade e crescendo em credibilidade e reconhecimento da sociedade acriana. A Polícia Civil vem cumprindo com excelência o seu mister, independente de quem seja alvo de suas investigações, sempre com o olhar voltado à missão que a Lei Maior lhe conferiu expressamente.
Prova disso são as diversas operações desencadeadas pela instituição, algumas oriundas de investigações complexas, como as operações “Delivery” e “Diáspora”, a primeira, de enfrentamento à exploração sexual e, a última, de combate à instalação da organização criminosa denominada “PCC” em nosso Acre.
Note-se que a chamada “Operação Limpidus”, que apurou desvio de recursos públicos, resultou no indiciamento e na prisão de várias pessoas, dentre as quais membros de partidos da base aliada do governo do Estado.
Cite-se ainda, a investigação da morte do Vereador Pinté, à época presidente da Câmara Municipal de Acrelândia-AC, que culminou com a prisão do prefeito daquele município, que também pertencia a partido da base aliada do Governo.
Não foi diferente em relação ao indiciamento e prisão de uma vereadora do município de Feijó, a qual também era integrante de agremiação partidária ligada a Frente Popular.
Cabe aqui fazer a justiça necessária ao governador, que jamais tentou ingerir em qualquer investigação da Polícia Civil, e nem poderia fazê-lo, exatamente porque quem conferiu as funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais no âmbito estadual foi a Constituição Federal, a nossa Lei Magna. A polícia não tem cor partidária. Age com o único escopo de bem e fielmente cumprir o seu papel junto à sociedade.
Entretanto, ao observar a chamada “Operação G-7”, recentemente realizada pela Polícia Federal em nosso Estado, aconteceu algo que, no mínimo, chama a atenção de qualquer operador do direito: se coube à Justiça Estadual apreciar os pedidos de busca e apreensão e de prisão provisória dos envolvidos, automaticamente caberia à Polícia Civil, e não à Polícia Federal, as investigações correspondentes, inclusive a representação pelas medidas cautelares.
Diante desse cenário, outros questionamentos emergem: porque a Polícia Federal, a exemplo de outros inúmeros casos, ao verificar que o caso seria de competência da Justiça Estadual, não remeteu o inquérito à Polícia Civil? E o Poder Judiciário do Estado do Acre, ao deparar-se com as investigações, por qual motivo não determinou o envio dos autos à autoridade policial competente para as investigações?
Convém lembrar que, ainda que o inquérito pertinente à operação G-7 tenha sido oriundo de desdobramento de outra investigação no plano federal, isso não afastaria a atribuição da polícia judiciária do Estado.
Ora, a Polícia Civil acriana sempre conduziu suas operações de forma técnica, imparcial, com discrição, sem vazamentos de informação, sem exposições desnecessárias sem precipitações, e sem desrespeitar os direitos e garantias dos investigados. Não há pretexto que justifique qualquer falta de credibilidade para com uma instituição que tem crescido e se qualificado cada vez mais no trabalho de apuração das infrações penais.
Registre-se que, no tocante às funções das polícias Federal e Civil, tal encontra-se suficientemente delimitado no art. 144 da Constituição Federal de 1988, não cabendo qualquer alegação de desconhecimento ou de tolerância à infração de uma norma de natureza constitucional.
Destarte, sem adentrar ao mérito de qualquer investigação feita por outros órgãos ou instituições, deixo aqui estas singelas, mas necessárias palavras para, na condição de dirigente da Polícia Civil do Estado do Acre, externar o sentimento de reprovação a qualquer ato, seja ele emanado de que autoridade for que venha a desprestigiar, desconsiderar ou usurpar a missão que o povo, através do legislador constituinte, confiou às polícias civis dos Estados.
Mas, afinal, para que serve a distribuição das atribuições a cada órgão? Traduz-se em verdadeira garantia de que o cidadão contará com uma atuação eficiente do Estado, na busca do interesse público.
Emylson Farias da Silva é secretário de Estado da Polícia Civil do Acre.
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