sábado, 17 de maio de 2025
O Mago da Banda de Música
domingo, 11 de maio de 2025
O tempo que cura silêncios
A vida, às vezes, nos costura com linhas tortas, pontos soltos, arremates incertos — e, ainda assim, forma algo belo. Como quem acompanha minhas publicações já está cansado de saber, não fui criado por minha mãe biológica, e essa ausência, esse vácuo de origem, cavaram em mim marcas profundas.
Minha segunda mãe — essa mulher de alma imensa — me deu tudo o que pôde. Com ela aprendi o que é segurança, o valor do abraço que permanece mesmo quando o mundo parece ruir. Mas havia em mim uma mágoa muda, uma pergunta sem resposta, um espinho fincado na carne da memória: por que fui deixado?
Obrigado, mães. Por tudo.
quinta-feira, 1 de maio de 2025
O comércio do Acre em 1915
No início do século XX, a cidade de Xapuri, situada no coração do Território Federal do Acre, era uma das principais sedes urbanas da região, marcada pelo dinamismo do ciclo da borracha e pelas transformações sociais que este proporcionava. As edições de junho e outubro de 1915 do jornal o Commercio do Acre revelam um panorama expressivo da atividade comercial local, destacando comerciantes, produtos, serviços e até mesmo o surgimento de iniciativas fabris que começavam a moldar o perfil urbano da cidade.
O comércio xapuriense em 1915 mostrava-se diversificado e abastecido, com casas comerciais que ofereciam desde tecidos e calçados até gêneros alimentícios importados e artigos de luxo. O estabelecimento Bon Marché se destacava pela variedade de produtos anunciados: oferecia calçados para todas as idades e gêneros, além de uma ampla gama de tecidos e miudezas. Este tipo de casa comercial funcionava como verdadeiro armazém geral, atendendo às mais variadas necessidades da população urbana e dos seringais da região.
Outro exemplo notável é o espólio do comerciante Bartholomeu Girão, levado a praça judicial, cuja extensa lista de mercadorias revela o perfil do comércio local. Entre os bens estavam charutos, cigarros, fitas de seda, tecidos nacionais e importados, sabonetes, bebidas alcoólicas finas (como vinho do Porto e uísque), produtos alimentícios (bolachas, sardinhas, arroz, banha, leite condensado) e até munições e material de pesca. Essa diversidade de itens evidencia a complexa rede de abastecimento da cidade, sustentada pelas vias fluviais e pela intensa circulação de mercadorias entre os centros urbanos e os seringais.
O comércio também mantinha conexões regionais e interestaduais. O comerciante Antonio Alves, filho, representava a firma Ferreira & Jobin, de Capatará, e o nome de Bellarmino Freire, atuante em Paraguassú, aparece entre os visitantes comerciais da cidade, ilustrando o fluxo constante de agentes de negócios. O Capitão Júlio Mascarenhas, além de atuar como responsável pela propaganda do jornal, esteve envolvido com o recenseamento da população, demonstrando a sobreposição frequente entre as esferas administrativa e comercial.
Entre as iniciativas de destaque, merece especial atenção a Fábrica Aurora, que se revelava como um empreendimento multifuncional, símbolo de um novo perfil urbano e fabril da cidade. Em 1915, a Aurora não apenas produzia bolachas de água e sal e soda, mas também ampliava significativamente sua atuação: fabricação de cigarros e gelo; torrefação de cafés, oferecendo café moído de fabricação própria; grande variedade de marcas de vinhos para mesa, sobremesas e licores, indicando um público consumidor com gostos refinados; jogos de bilhar e entretenimento no local, revelando que o espaço também servia como ponto de encontro e lazer; e uma menção especial serviços de iluminação elétrica pública e particular ato notável numa época em que tal infraestrutura era limitada, o que reforça o caráter moderno e inovador do estabelecimento.
A Fábrica Aurora ia, portanto, além da produção: representava um espaço de sociabilidade e consumo, com múltiplas funções comerciais, industriais e recreativas. Isso a tornava um verdadeiro marco na vida cotidiana de Xapuri, antecipando os moldes de empresas urbanas multifacetadas.
Outro aspecto relevante da vida na cidade era a presença de serviços médicos qualificados. O Dr. Luiz Abinader, médico-cirurgião com formação e prática nos hospitais de Beirute e Paris, atendia à população com especialização em moléstias nervosas, doenças internas e da pele. Notavelmente, oferecia atendimento gratuito aos pobres, uma postura humanitária rara e digna de registro, que demonstra a complexidade social de Xapuri naquela época.
Em síntese, o comércio de Xapuri em 1915 reflete não apenas uma economia extrativista, mas uma sociedade em transição, aberta à modernização e às novidades do mundo urbano. O dinamismo comercial, a presença de agentes regionais, os primeiros sinais de industrialização e os compromissos sociais de figuras como o Dr. Abinader e os empreendedores da Fábrica Aurora compõem um quadro vibrante de uma cidade amazônica que, mesmo isolada, pulsava com o desejo de progresso e sofisticação.
Fonte: Commercio do Acre, jornal publicado em Xapuri. O ano é 1915. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
sexta-feira, 18 de abril de 2025
O dia em que Xapuri vestiu as suas melhores cores - Uma crônica que nunca foi escrita
Naquela manhã de domingo, Xapuri acordou mais cedo. A alvorada parecia diferente. O canto dos pássaros, mais afinado; o perfume da mata, mais doce. As crianças já sabiam de cor o hino, e os operários, orgulhosos, davam os últimos retoques na sede que, com muito suor e sacrifício, haviam ajudado a erguer. Era dia de festa. Um dia em que a pequena cidade do Acre se enchia de grandeza.
Era 1948, e Xapuri vivia um de seus momentos mais simbólicos. O novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro” seria inaugurado com toda a pompa possível. Um edifício imponente, erguido com perseverança ao longo de anos, em meio a promessas, pausas e retomadas. Um símbolo do que a educação representa: paciência, esforço, esperança.
A cidade parou para receber o governador José Guiomard dos Santos e sua comitiva. Um povo simples, de fala mansa e espírito forte, fez da recepção um espetáculo de civismo. Bandeiras tremulando, fogos estalando, e no coração de cada xapuriense, a certeza de que algo importante estava acontecendo.
Teve missa campal, discursos inflamados, saudações escolares. A menina Maria Angelina Fecuri, em sua voz pequena mas firme, entregou simbolicamente a chave do novo educandário. Era mais que uma cerimônia: era o gesto de uma geração que entregava à outra o futuro sonhado.
O Centro Operário também teve seu brilho. Seus membros homenagearam o governador com o título de sócio benemérito. A fala do operário Clovis Barros França, simples e emocionada, soou como poesia nas paredes recém-construídas da sede. Era a força do povo reconhecendo quem estendia a mão — e pedindo, com respeito, que a ajuda continuasse.
Naquela tarde, as palavras foram mais que formalidades. Elas eram sementes. “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”, disseram alguns. Outros, mais diretos, apenas agradeceram pelas máquinas, pelas escolas, pelas estradas. Todos, no entanto, sabiam: aquele dia era um marco.
E, de fato, foi.
Porque ali, naquele chão de histórias e seringais, uma cidade que já havia escrito capítulos de coragem voltava a reafirmar sua vocação para a liberdade, para a educação, para o futuro.
Xapuri, naquele domingo, vestiu suas melhores cores.
E sorriu.
A inauguração do Grupo Escolar “Plácido de Castro” em 1948
A cidade de Xapuri testemunhou em maio de 1948 um dos momentos mais simbólicos de sua história cívica e educacional: a inauguração do novo prédio do Grupo Escolar “Plácido de Castro”. Mais do que um evento oficial, a solenidade marcou o fortalecimento de uma identidade construída com luta, esperança e o desejo coletivo de ver a cidade crescer pelo caminho do saber.
Com a presença do então Governador do Território do Acre, major José Guiomard dos Santos, e de diversas autoridades, Xapuri viveu um domingo inesquecível. Desde o hasteamento da bandeira ao som do Hino Nacional, até a missa campal celebrada pelo padre Felipe Galerani, tudo foi preparado com esmero e emoção. Alunos, professores, religiosos, comerciantes, operários e donas de casa tomaram conta da praça Barão do Rio Branco para saudar o futuro.
A menina Maria Angelina Fecuri, aluna do Grupo Escolar, protagonizou um gesto que simbolizou toda uma geração: entregou ao governador a chave do novo prédio, em nome de todas as crianças xapurienses que sonhavam com uma escola digna. Era a representação viva de que a educação não é apenas uma política pública — é um pacto social.
Um prédio, muitas histórias
O novo grupo escolar foi projetado em 1942, ainda no governo do coronel Luis Silvestre Gomes Coelho, e sua construção levou anos até ser concluída. Passou por administrações e reformas, enfrentou escassez de recursos, mas nunca perdeu o apoio da comunidade. O edifício recebeu o nome de “Plácido de Castro”, em justa homenagem ao herói da Revolução Acreana, reafirmando os laços históricos e afetivos da cidade com sua própria origem.
Ao discursar na cerimônia, o prefeito Minervino Bastos emocionou os presentes ao destacar que aquele prédio era uma “maravilha para a cidade, nestes confins do Oeste do Brasil”. Um edifício que simbolizava o esforço de todos — do operário ao engenheiro, do aluno ao administrador público — na construção de um território mais justo e alfabetizado.
A força dos operários e o civismo da juventude
O dia também foi marcado por homenagens ao governador. O Centro Operário de Xapuri lhe conferiu o título de “sócio benemérito”, em reconhecimento ao apoio dado à entidade. O discurso emocionado do presidente Clovis Barros França, homem simples e de fala humilde, deu o tom da cerimônia: “Para o Centro Operário de Xapuri, o dia de hoje representa a maior data de sua história”.
Outro momento marcante ocorreu no Instituto Divina Providência, onde alunas se apresentaram em números de canto e dança, e onde o governador foi saudado com flores e versos pelas crianças da instituição dirigida por irmãs religiosas. A festa mostrou que educação, fé, cultura e cidadania caminham juntas na formação das futuras gerações.
Um legado que inspira
Setenta e cinco anos depois, o registro desse episódio nos permite mais do que recordar. Ele nos convida a refletir sobre o papel da escola pública, da união entre poder público e comunidade, e da importância de valorizar a memória de nossa terra. A inauguração daquele grupo escolar não foi apenas a entrega de uma obra — foi a reafirmação de que Xapuri acredita na educação como caminho de transformação social.
Num tempo em que o Acre ainda dava seus primeiros passos institucionais, Xapuri mostrou, mais uma vez, que é feita de coragem, coletividade e visão de futuro.
E, como dizia o jornal O Acre, na edição de 30 de maio de 1948:
“Era o povo todo em festa, saudando o novo tempo que chegava pelas portas de uma escola”.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
De forasteiro a guardião da memória: Xapuri recorda o legado do "Prezado" Antônio Zaine
quarta-feira, 9 de abril de 2025
Tesouro sonoro do início do Século XX em Xapuri
Esta relíquia pertence ao acervo de João Mendes, o Garrinha, e está em exposição no relicário instalado na Pousada Chapurys, de sua propriedade. Apaixonado pela história de Xapuri, Garrinha se dedica a resgatar objetos valiosos que muitas vezes se encontram esquecidos em velhos depósitos e fundos de quintal. É reconhecido como uma espécie de guardião da memória da cidade, mantendo viva a conexão entre o passado e o presente.
A peça rara é um fonógrafo original da marca Victrola, fabricado pela Victor Talking Machine Company, fabricado entre 1904 e 1907, nos Estados Unidos. Com sua imponente corneta externa dourada e base de madeira esculpida, representa uma das primeiras formas de reprodução sonora mecânica doméstica — muito antes da era do rádio e dos tocadores eletrônicos.
O logotipo com o famoso cão "Nipper" ouvindo a voz do dono no gramofone — registrado em 3 de fevereiro de 1904 — é um símbolo clássico da história da música gravada, conhecido como "His Master's Voice".
Com base no estilo da corneta, no braço de reprodução e na base de madeira, o aparelho é muito provavelmente um dos modelos do tipo Victor Monarch ou Victor Type M, fabricados por volta de 1904 a 1907. O logo na placa com o cão “Nipper” e a inscrição “3 de Febrero 1904” também confirma que é um aparelho desse período.
As fotos mostram um fonógrafo com corneta externa grande de metal dourado, montado sobre uma base de madeira esculpida. Isso indica que não é uma Victrola tradicional (com corneta embutida), mas sim um modelo mais antigo da própria Victor Talking Machine Co., ou até anterior ao nome “Victrola” ser usado comercialmente (em 1906). Sem nenhuma dúvida, uma raridade histórica.
Mais do que um equipamento, este fonógrafo é um testemunho vivo do início da indústria fonográfica e da magia do som no século passado. Uma verdadeira joia da memória musical — que passou a fazer parte, também, da história de Xapuri.